segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Ano e meio de agonia

Depois do que acabei de escrever no artigo anterior, acerca das relações Portugal-Angola, pareceu-me bem fazer um pequeno apanhado do que fui escrevendo ao longo do último ano e meio, desde o fatídico dia 27 de Maio do ano passado, para eventual contextualização de algum leitor mais curioso. Depois de me reler, fiz alguns extractos relevantes; clicando sobre a data, pode aceder ao link para a versão integral do respectivo artigo.

Depois de, a 1 de Junho, ter reportado neste blog o desespero entre os simpatizantes dos activistas Álvaro Kamulingue e Isaías Sebastião Kassule, dando conta do seu rapto,

22 DE JUNHO DE 2012 Erro crasso do Regime angolano

Passei o dia a mastigar os acontecimentos de quarta-feira em Luanda. O feitiço (ou «fetiche»?) democrático voltou-se contra José Eduardo dos Santos. Parece-me que é caso para nos questionarmos, à luz dos acontecimentos: quem são os arruaceiros? De um lado, como documentam as imagens colhidas, manifestantes pacíficos, tranquilos, dignos, dando a cara e dispostos a negociar... do outro uma força bruta e autista, apostada numa repressão cega, com cavalos, cães, densidade inacreditável de gás lacrimogéneo, tiros.

Permito-me sugerir-lhe que tenha a humildade de dar a cara pessoalmente, evitando assim, no momento certo, mais violência desnecessária. Não errarei muito se disser que, desde o fim da guerra, este é decerto o momento mais crítico da sua carreira. Encare de outra forma a redistribuição da riqueza gerada do ventre dessa terra, permita e patrocine mesmo o crescimento de novas elites, baseadas não no medo e no seguidismo, mas no mérito, na concorrência leal, no confronto construtivo de opiniões. A paz e a centralização que conseguiu após tempos conturbados, a sua própria estabilidade no poder, foi decerto um grande contributo para o futuro de Angola. No entanto, não ponha em causa todos esses benefícios, agarrando-se a antigos métodos: parece-me louvável a legítima «vontade» que vinha apregoando de democratizar o seu regime; está na altura de mostrar a sua face humana, ou então, e espero que não, terá de deixar cair a máscara.

23 DE JUNHO DE 2012 Maquiavelismo de Estado

Antecipando a atenção que as eleições vão despertar no seio da Comunidade Internacional, o estado angolano tem-se vindo a manifestar cada vez mais maquiavélico face aos contestatários. A palavra de ordem parece ser «disfarçar» a verdadeira face do Regime, numa operação de cosmética para «inglês ver». A repressão ao movimento de contestação dos jovens vem da parte de milícias (supostamente incontroláveis mas com a mão do Regime), instrumento que também começou por ser utilizado contra os promotores originais da contestação dos Antigos Combatentes (AC).

Mas os requintes de malvadez tomam proporções draconianas contra os seus cidadãos: um jovem e conhecido rapper, Luaty Beirão, Ikonoklasta de nome artístico, contestatário do Regime, vendo-se pressionado pelo Estado, quis abandonar o país, o que primeiro lhe foi negado; posteriormente autorizado, apanhou o avião para Lisboa, mas enfiaram-lhe 1,7Kg de cocaína na mala e (pasme-se) a denúncia veio de uma instituição oficial.

Também a detenção do General Silva Mateus, no contexto da repressão dos Antigos Combatentes, seguiu um esquema parecido: acusado de porte ilegal de armas (um general!), conseguiu ainda fazer um telefonema para um outro general, no qual nega veementemente a acusação, garantindo que lhe colocaram a arma no carro, tendo depois sido realizada uma «oportuna» vistoria ao seu carro... Alguém acredita ainda? A hipocrisia parece galopante..

26 DE JUNHO DE 2012 Bons exemplos de Angola

O «modelo» angolano também tem coisas boas. Em tempos de crise na «metrópole», avivaram-se as reminiscências da antiga colónia: a relativa paz e estabilidade do regime conseguiu criar o sentimento, junto dos antigos colonizadores retornados, da oportunidade e «viabilidade» de uma nova implantação. Com a Europa em crise, o óbvio excedente de mão-de-obra qualificada (agora desocupada) permitiu ao Regime angolano dispor de uma base de recursos humanos, de quadros qualificados, dispostos a investir o seu futuro numa economia com grande potencial...

Mas há um grande problema a resolver: essa participação branca no desenvolvimento não pode hoje ser feita como o era há quatro décadas atrás, a coberto de um sistema administrativo colonial. Surgiu então o sistema de «parceria» indígena. Qualquer empresário estrangeiro que pretenda estabelecer-se, nunca o poderá fazer na base de livre concorrência, pois nunca mais se livrará de um pesado e autoritário sistema de corrupção, apenas destinado a instituir, nessa «troca», o poder «local». Este protocolo institui um contra-peso formal (a «angolanidade» de parte do «capital») supostamente garante do bom «despacho legal» dos assuntos e da «protecção» da propriedade envolvida, contributos imateriais mas perfeitamente incontornáveis.

Poderíamos acrescentar que, se o princípio parece bom, já a forma como a coisa é feita, graças a um «tributo» mental anti-colonial, é decerto indutora de um elevado nível de «stress», fomentando a manutenção de pseudo-elites e o reforço da teia de corrupção. A sujeição dos candidatos a «colonos» aos «donos» da terra permite decerto a tranquilizadora visão de uma sustentabilidade endógena, mas a tessitura parece feita de uma ilusória superficialidade... ao basear-se numa compensação histórica (por inversão).

É que a afirmação de uma identidade não pode ser feita exclusivamente com base no poder que o dinheiro consegue comprar, por imenso que possa parecer (sobretudo quando a imensa maioria dos angolanos se vêem excluídos de participar dos seus benefícios). O orgulho de ser angolano terá de buscar outras origens, num desenvolvimento económico-social credível, na formação de quadros competentes, na aposta de o seu país se tornar um bom exemplo para África (que talvez possam então ajudar a «crescer»).

Uma identidade não pode basear-se na simples promoção de um mito de superioridade traduzido num discurso tipo «Se quiserem o nosso dinheirinho, têm de se agachar», sem correr o risco de relançar um outro apartheid (de auto-exclusão em condomínios). Angola teve o mérito de mostrar um caminho possível para África: chamar quadros europeus competentes mas desocupados para ajudar no seu desenvolvimento, partilhando os benefícios da exploração inteligente dos seus recursos (sobretudo minerais).

Mas esse «modelo», perfeitamente plausível, teria tudo a ganhar em ser pensado em bases mais saudáveis, de verdadeira parceria e cooperação, facilitando a inserção dos europeus na sociedade angolana, numa verdadeira partilha de objectivos comuns: Angola! A pessoa melhor colocada para o fazer, para uma alteração estratégica e humana de fundo, essencialmente mental (como se vê reclamar no cartaz da juventude: «Libertem as mentes dos angolanos»), é sem dúvida o artífice da estabilidade política do país.

Justificar-se-ia, no contexto das eleições, uma grande reflexão e debate sobre o assunto, evitando os lugares comuns, os discursos vazios, os projectos sem amanhã, as promessas eleitoralistas gratuitas, tudo efectuado na certeza dos resultados a emanar das urnas. Angola poderia ser um país de oportunidades para todos, sem complexos (de inferioridade ou de superioridade, vai tudo dar ao mesmo), sem reservas mentais, sem se manter como refém de uma mentalidade essencialmente mesquinha. E teria tudo a ganhar.

13 DE NOVEMBRO DE 2012 Portugal, grave atentado à soberania nacional

José Eduardo dos Santos não gostou de uma notícia vulgar (não percebe mesmo nada de política, porque senão, depois de ler o Expresso e as «luvas» que puseram para o redigir, devia ter reparado que o caso iria envelhecer nas «prateleiras»: «fase de investigação apenas» ou «nenhuma medida tomada» ou os suspeitos poderem «continuar a movimentar as suas contas»), apressando-se a elaborar uma teoria da conspiração, num caso em que o silêncio era de longe a atitude mais aconselhável (...) Estão a dar ao mundo uma má imagem da CPLP...

Disfarçado sob a capa das amizades íntimas estabelecidas por este governo, o mal-estar estrutural das relações luso-angolanas fica assim bem patente. É a natureza perversa do «protocolo» que está na base da paranóia publicada por Luanda: julgará o Jornal de Angola que Portugal é um protectorado de Angola? Que o dinheiro é suficiente para tudo comprar? Que podem ofender assim, para além das instituições da República, cidadãos portugueses em particular e a nação em geral? É que o referido pasquim, o Jornal de Angola, é tido por órgão oficial do país, para além de ser o único com tiragem diária.

É um acto grave, a frisar o hostil, exigindo uma reparação rápida e consistente. Quem esperam ameaçar (ou melhor, tomar por reféns)? Os portugueses que trabalham em Angola? Precisam mais deles em Angola que os portugueses deles em Portugal: cozam-nos com batatinhas, como fizeram em 1975. A quem cabe a resposta, do lado português? À PGR? Ao presidente da república? Ao MNE? (...) Embora as «elites» portuguesas não estejam isentas de culpa, o problema, neste caso específico, é mesmo das «elites» angolanas: o caso, para além de uma imensa falta de tacto, é altamente revelador da senilidade que atinge o regime angolano: a descolagem da realidade faz lembrar os discursos do Xá da Pérsia no fim da década de 70: prenúncio de derrocada?

30 DE MARÇO DE 2013 A génese de um mártir

Às autoridades angolanas, ao seu responsável máximo, o Presidente: qualquer coisa que possa acontecer ao Luaty só vai reforçá-lo. Se o matarem e fizerem desaparecer, vão nascer dez como ele; se o magoarem, ele fica mais forte; o melhor mesmo para os responsáveis, na própria perspectiva da repressão, é soltá-lo já.

Para quem não conhece, o Luaty Beirão é um corajoso rapper angolano que encarna um espírito de inconformismo e revolta contra o regime de José Eduardo dos Santos. Já o ano passado fora vítima de uma cabala, da qual aqui demos conta neste blog. Passado quase um ano sobre o desaparecimento de dois activistas, que também aqui denunciámos, esperemos que não façam agora, mais uma vez, «desaparecer» a pessoa mais incómoda para o regime.

É que hoje de manhã, na sequência da dispersão pela polícia de uma manifestação pacífica convocada para Luanda para pedir esclarecimentos sobre o seu paradeiro, o Luaty Beirão e o Nito Alves, entre outros, foram presos e levados para parte incerta... Fica mal à «nomenclatura» ter medo de um simples músico! Libertem as mentes dos angolanos! Libertem Luaty!

9 DE JUNHO DE 2013 Guerra em Angola

Um dos tabus impostos à entrevista da SIC: José Eduardo dos Santos declara o «Estado de Sítio», para se defender de meia-dúzia de «perigosos» desafectos ao seu regime. Bastões, cães, helicóptero e cavalaria para reprimir uma manifestação pacífica e autorizada.

Cada dia que Emiliano Catumbela passa sob ignóbeis e infames acusações, cada bastonada, acumulam ao passivo de José Eduardo dos Santos, na sua Guerra contra os rappers. O rap pode cantar-se baixinho. Yô.

eh, Emiliano, aguenta
ca tu bela luta
Emiliano, aguenta, hé
ca tombas o regime

23 DE JUNHO DE 2013 Neologismo angolano

José Eduardo dos Santos, sentindo-se ameaçado, avançou para um «plenário» com a juventude. Até o caso dos dois activistas desaparecidos o ano passado foi referido, mas a situação de Emiliano Catumbela manteve-se tabu, o que não deixa de ser bastante revelador...

É impensável que, de entre os presentes, ninguém se tenha lembrado de perguntar aquilo que vai no coração de tantos angolanos... em relação à sanha cega de José Eduardo dos Santos. Mas esta «abertura» é sobretudo uma vitória de Luaty, Emiliano e alguns jovens mais.

(...) A ponderar, se estamos perante boa fé do Presidente ou simples maquilhagem do regime da parte de José Eduardo dos Santos... O futuro o dirá. Esperemos que não saia frustrado.

15 DE SETEMBRO DE 2013 Nitro Alves

José Eduardo dos Santos, que insiste na sua raivosa campanha contra meia dúzia de adolescentes (em crescimento), acabou de receber um sério aviso.

De uma mãe. Depois do folhetim Luaty Beirão e Emiliano Katumbela, as autoridades inauguram agora uma nova frente de luta. A idade da acusação política vai baixando. Dos 22 de Katumbela para os 17 anos de Nito Alves. O regime está a atingir um nível preocupante de paranóia. Luaty, Emiliano, Nito Alvos a abater? A Nitro é explosiva...

E com as mães não se brinca: o aviso, «se algo de mal acontecer ao meu filho, torno-me revolucionária» tem toda a legitimidade. A paciência tem limites.

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