quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Primatas Nas Notícias

A PNN demonstra falta de profissionalismo: não há um editor mais atento para filtrar o lixo que os estagiários produzem?

Na recente notícia consagrada ao orçamento da Guiné-Bissau, com um pouco de boa vontade, ainda se poderia desculpar ao candidato a jornalista a bacorada de tratar o Conselho Permanente de Concertação Social (CPCS) por órgão «tripartidário» (em lugar de tripartido). Se não sabe falar, não queira usar palavras de vinte e cinco tostões, pois é um péssimo exemplo para os seus colegas dos outros países que partilham a língua. Mas deixemos as letras e passemos aos números.

Cambiar 50 mil milhões (vá lá, não lhes chamou «biliões») de CFA por 76.224 euros (ao referir-se ao déficit prognosticado para o Orçamento Geral do Estado (OGE), estimado em aproximadamente 76 milhões de euros), já não pode ser considerado gralha; é pura estupidez: o jornalista utilizou a taxa de câmbio acertada, com três casas decimais 1€ = 655,957 FCFA; muito preocupado com a «precisão» de um número com carácter ainda vagamente indicativo, um número redondo de um 5 seguido de 10 zeros... perdeu-se nas contas. Estamos claramente perante um caso em que o jornalista, em vez de acrescentar «valor» à informação, apenas produz poluição notíciosa.

É sabido que a Guiné-Bissau é um país pequeno, mas mesmo assim, é revelar muita falta de sentido das grandezas e de senso comum, conjugando-se para amesquinhar a Guiné-Bissau. Ao jornalista, sugere-se que acrescente não e nada ao nome de família, respectivamente antes e depois. O OGE é cerca de três vezes maior do que aquilo que diz (aproximadamente 160 000 euros, eheheh), e POR DIA, não por ano: pelas contas da PNN, cerca de 440 euros por dia seriam suficientes para pagar a todos os funcionários do Estado (incluindo, claro, militares, e Ministros...).

PS É notável o empenho colocado pelo Ministro Geraldo Martins, no sentido de «legitimar» o seu OGE, fechando as estatísticas das contas públicas para 2011 e 2012 (mesmo se recorrendo ao expediente administrativo, decerto consensualizado, mas expedito, de aplicação de «coeficientes») e cumprindo os passos legalmente previstos. Resta saber se este louvável esforço se traduz também, de forma estrutural, na transparência da governação e na fiabilidade e consistência da informação estatal: se neste OGE lhe é dado o benefício da dúvida, por ter herdado as «baldas» da Transição, o mesmo não acontecerá no futuro. Compreende-se a bondade dos objectivos (aliás «tradição» do país, que se pode gabar de estar no topo, nas últimas quatro décadas, da «ajuda ao desenvolvimento», se justamente medida, em termos per capita), de «cravar» ao exterior o suficiente para tapar o tal «buraco»... Logo saberemos se, uma vez mais, se trata de simples «cosmética» («para inglês ver»), ou se, finalmente, estamos no bom caminho de uma mudança radical na abordagem, credibilizando o governo a longo prazo.

sábado, 16 de agosto de 2014

Repressão cega

A manifestação espontânea de regozijo que se seguiu ao anúncio da absolvição de Nito Alves foi seguida de várias detenções e espancamentos. Dado que foi considerado inocente, resta saber como o Estado angolano tenciona compensá-lo por todo o tempo indevidamente passado na prisão...Ler declarações de Luati Beirão.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Visita de Cortesia

Nos títulos da imprensa dos Emiratos Árabes Unidos, anteontem, foi veiculada a notícia da visita do ex-presidente da Guiné-Bissau, Serifo Namadjo. As notícias começam por Former president... tanto no Zawya como no WAM. Depois de clarificar, no título, o seu estatuto, tratam-no simplesmente por Presidente, por cortesia.

Ontem, já na ressaca, um jornalista que leu mal a notícia dos seus congéneres mais actualizados e melhor informados, retransmitiu a notícia no Gulf Today, mas omitindo a designação de former, podendo dar origem a eventuais equívocos. É louvável que Serifo continue a utilizar os seus conhecimentos no mundo árabe, no sentido de angariar apoios para a Guiné-Bissau.

Informação & Governo

Li, no Progresso Nacional, que começa hoje uma acção de Formação de dois dias para quadros do INEC (Instituto de Estatística), patrocinada pelo BAD (Banco Africano de Desenvolvimento). É louvável o interesse na divulgação de Estatísticas actualizadas: a informação é essencial para a Governação. No entanto, avanço algumas reservas: falar no «lançamento» de um «portal web» é desadequado, pela simples razão de que este já existe. Simplesmente, como muitas das páginas oficiais da Guiné-Bissau, está desactualizado, podendo afirmar-se que não há produção estatística regular na Guiné-Bissau. Pura e simplesmente nada se fez nos últimos quatro anos.


Também a autoridade reguladora da concessão de domínios se veio «re»-anunciar por esta altura. No entanto, estas iniciativas mediáticas parecem esconder a falta de «trabalho de casa» e uma simples vontade de mediatizar ex novo a «transição», sem verdadeiro e consistente contributo positivo para as respectivas «missões». A autoridade poderia ter apresentado a «migração» de páginas oficiais para o domínio .gw, fazendo algo simples e útil, como a supervisão da sua actualização e meios para garantir a sua sustentabilidade. Este governo, em benefício da sua missão, deveria pensar estratégias eficazes de comunicação e fazer da internet uma aposta, em abono da apregoada transparência.

Voltando ao Instituto Nacional de Estatística e Censos, como «amostra» do «estado» das coisas. Embora o país tenha sido dotado, tal como outros PALOP (por influência do meu estimado mestre Manuel Vilares, actualmente catedrático do ISEGI, Instituto Superior de Economia e Gestão da Informação), de um Sistema Nacional de Estatística, no ano de 1991, pelo Decreto 2 desse ano, este continua sem aplicação até hoje, por falta de regulamentação e práticas governativas eficientes, traduzindo-se num Instituto completamente inoperacional e um Conselho Nacional simplesmente inexistente, tornando-se evidente a falta de capacidade técnica e financeira nesta área, dependendo completamente a sua actuação, incipiente e irregular, de financiamentos estrangeiros.

Espera-se que o novo Governo, nesta, como outras áreas, dê sinais de determinação, reforçando a autonomia nacional e evidenciando consistência na sua actuação, mas de forma sistémica e genérica, e não de forma particular e reactiva. O irmão Didinho tem vindo a chamar, com razão, a atenção para a importância do «estilo» de liderança, rompendo com os erros do passado, quando arrogância e prepotência eram a «imagem de marca» do PAIGC, servindo apenas para camuflar a incompetência e inconsistência, redundando num exercício de pura mediocridade (os resultados de quarenta anos dessa política estão à vista). E Didinho tem legitimidade para o fazer, pois há uma década que escreve publicamente, mantendo a sua independência e contributo positivo «avisando» para os «desvios», regra geral, com carácter «premonitório».

«Quem te avisa, teu amigo é». Lembro-me de um texto de Didinho com algum tempo já, mas perfeitamente actual, em que explicava como o golpe de 12 de Abril tinha sido construído por uma série de «pequenos golpes» que foram sendo dados na Lei, pelas recorrentes machadadas de hipocrisia na legalidade...

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Um erro por sílaba

O balofo Secretário de Estado das Comunidades, em acrescentamento (aliás, entretanto já desactualizado, mas ainda on-line) aos elementos que constavam na página de informações destinadas aos portugueses que pretendem viajar para a Guiné-Bissau (coisa impensável, que o mesmo desaconselha vivamente):

«Os portugueses cuja estadia se prolongue na Guiné-Bissau devem imperetrivelmente proceder à sua inscrição na secção consular da Embaixada de Portugal em Bissau»


Engraçado o Secretário de Estado, dando uma de Big Brother, sem esclarecer a «obrigação» ou fundamentar o seu «direito». Quantos às facadas na língua oficial do seu país, nem se fala. Uma jóia!

Data

Faz hoje 30 anos que Thomas Sankara ascendeu ao poder no antigo Alto Volta, cuja designação viria a alterar para a actual, de Burkina Faso. Uma semana antes de morrer, conhecendo o seu destino, afirmaria que «podem matar o homem, mas não as ideias». Um belo exemplo que poderá servir de inspiração aos actuais dirigentes da Guiné-Bissau, como modelo de governação. Precursor dos direitos da mulher e da abolição da excisão, defensor da sustentabilidade económica e da autonomia alimentar («quem nos dá de comer dita a sua vontade»), desfez-se da frota de Mercedes de serviço do Estado, substituindo-os pelos carros mais baratos do mercado, o Renault 5, fixou-se um ordenado de pouco mais de $400, praticou uma política de industrialização ligeira no sector têxtil, lançou uma enorme campanha de plantação de árvores, para lutar contra a desertificação... O seu percurso merece estudo e admiração. A sua identificação política com o marxismo e o seu carácter irredutível, o seu discurso de independência face à França, antiga potência colonial (Miterrand seria humilhado numa deslocação ao país), conduziu à sua perda, da qual manifestou perfeita consciência: entrevistado pela televisão francesa pouco antes do seu assassinato, traído pelo seu melhor amigo e companheiro de armas (o ainda actual presidente do país), um Sankara cansado, mas como poeta dotado de grande carisma, oferece uma magnífica imagem alegórica: «Tenho um dilema. Sou como um ciclista, que pedala numa rampa inclinada, ladeada de precipícios por ambos os lados. Se deixo de pedalar, caio.» Esse é, para mim, o seu maior exemplo e a sua maior glória. A vontade inabalável. Como Cabral, os homens «perigosos» para o sistema, se, regra geral, acabam mortos à traição, são responsáveis por grandes saltos mentais.

Por falar em teimosia, hoje também se memora o dia fatal de Alcácer Quibir.