sábado, 27 de fevereiro de 2021

Revisionismo histórico made in Guiné-Bissau

Quando o PAIGC tomou Bissau, apressou-se a remover estátuas que simbolizavam o colonialismo. O pequeno forte de Cacheu serve hoje de depósito a esse "lixo" maltratado. O mais interessante é que a revolucionária popular Maria da Fonte constituiu excepção a essa fúria, tendo incrivelmente resistido a todas as tentativas feitas nesse sentido (para a qual chegou a ser utilizado potente carro de combate de origem soviética), continuando actualmente a dominar, do alto da sua imponência, a Praça dos Combatentes da Liberdade da Pátria. A praça quê?


Quem perguntar em Bissau pela toponímia oficial, vai continuar às aranhas. É que, passado meio século, o povo continua a referir-se-lhe como Praça do Império, aliás, simplesmente Império, local mais icónico da jovem república, onde se situa o palácio presidencial, e para onde aflui em massa a população em dias de festa, ou simplesmente ao Domingo, para passar um bom bocado ou degustar um gelado. A recente requalificação do jardim central colocou em relevo, quando vista do ar, graças às fotografias de drones, a cruz de Cristo original.


Maria da Fonte liderou uma revolta popular contra os desmandos "liberais" (derrotada a custo pelo Marechal Saldanha), cujos líderes, incluindo o famoso Zé do Telhado, perdida a causa, acabaram por se refugiar em Santarém, na Real e Insigne Colegiada da Santa Maria da Alcáçova. Curioso é que Passos Manuel, do partido que se lhe opôs, se tenha instalado precisamente nas traseiras, em espaço adquirido a essa multisecular instituição. A história tem destas coisas. Nem sempre aqueles que por ela são derrotados saem pela porta pequena.


Contemporâneo de Maria da Fonte, era Honório Barreto, governador preto da Guiné que fazia muita complicação aos diplomatas europeus, especialmente aos franceses, os quais, no seu racismo estrutural, viam nele um perigo para o espírito da ordem colonial que pretendiam impor no continente. Um preto a comandar brancos? Honório Barreto, tal como Marcelino da Mata, sentia-se orgulhosamente português, e o seu patriotismo fazia corar de vergonha muitos portugueses de gema. A Praça Che Guevara, onde assentava a sua estátua, foi esventrada...

(à procura de uma mítica canoa identitária que os portugueses lá teriam escondido; da sua estátua, sobra a parte superior)


À fúria revisionista, tinha escapado a estátua do Presidente norte-americano Grant, não só por ser estrangeiro, mas por estar situada na mais periférica Bolama. Grant merecera a lembrança por ter servido de mediador entre Portugal e Inglaterra, pela posse das Bijagós. Contudo, também essa viria a ser desmantelada e cortada às postas, mais tarde, num outro contexto. A polícia judiciária viria a encontrá-la no jardim de um saudosista português, grande amigo do Presidente Nino Vieira (e da Guiné), marinheiro e combatente tuga na guerra colonial...

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