Quando um responsável político não tem nada para dizer, o melhor mesmo é não abrir a boca, para não entrarem moscas. Foi o que aconteceu com as declarações perfeitamente dispensáveis e a todos os títulos lamentáveis do Ministro das Finanças Fadia à LUSA sobre a nova moeda ECO. Mais não fez que patentear a sua mediocridade, bem como a imperiosa necessidade de ser rapidamente substituído no cargo. Vejamos as razões.
Em primeiro lugar, por uma questão de oportunidade. Não havia qualquer urgência, pois o tema tem mais de meio século e já toda a gente percebeu que não será propriamente para amanhã, como o próprio reconhece. Efectivamente, em vésperas de apresentar um desastroso Orçamento Geral do Estado para 2021, estas declarações despropositadas parecem mais uma diversão (mesmo atendendo à pesada herança do governo Aristides, que descreveu como "à beira do colapso"). Não diz absolutamente nada de relevante sobre o importante assunto da futura moeda única da CEDEAO, limitando-se a propagandear disfarçada e envergonhadamente a posição francesa, frisando as vantagens e esquecendo não só as desvantagens, como o contexto político. "Certos países decidiram politicamente adiantar-se". Por que não diz quais são, uma vez que não é segredo nenhum? A França e a Costa do Marfim encomendaram-lhe o serviço? Que pretende quando diz que "já estão acordadas entre a CEDEAO e a França, antiga potência colonizadora de oito dos 15 países que integram a comunidade"? apresentar a coisa como um facto consumado? A sua francofilia com o rabo de fora é tão descarada que trata a Guiné-Bissau como colónia francesa... Lembre-se que no fim do ano passado, Ouattara deslocou-se a Paris para anunciar pomposamente "o fim do franco CFA", naquilo que, de facto, era uma manobra de antecipação, destinada a sabotar os esforços dos países anglófonos, como denunciou a imprensa sub-regional mais esclarecida. Atendendo aos recentes desenvolvimentos, é hoje possível suspeitar ter sido essa a moeda de troca usada por Ouattara em Paris para assegurar a perpetuação no poder.
Em segundo lugar, está a comprometer a posição do país: então acha que "a Guiné-Bissau tem aproveitado as vantagens da integração" no CFA? Ah, sim? E será que poderá enumerar quais são? Os outros países construíram estradas, infraestruturas, aproveitaram a fundo o aumento da massa monetária, recorrendo a financiamento obrigacionista sub-regional. Onde estão as correspondentes obras na Guiné-Bissau? Isto quando durante mais de duas décadas de adesão, esta apresentou entradas de divisas per capita entre duas a três vezes maiores que a Costa do Marfim, considerada a menina dos olhos de Paris e a locomotiva da zona, como se pode consultar na base de dados do BCEAO, na conta de reservas depositada no Banco de França. Vejamos então: não só a Guiné foi quem mais dinheiro estrangeiro trouxe para alimentar o franco CFA, como também foi o país que menos aproveitou (mesmo que digam que por culpa dos seus políticos, da instabilidade crónica e desgovernação associada). Acabando-se o CFA, será preciso ressarcir a Guiné-Bissau, ou estudar em que medida pode ser compensada. Contudo, acautelar esses direitos não ocorreu à mediocridade do Ministro.
Em terceiro lugar, o senhor Ministro, para além de pouco esperto, é hipócrita. Afirmar que a Guiné-Bissau "está a preparar-se para cumprir com os critérios impostos para fazer parte do ECO", destacando a taxa de 10% fixada para a inflacção (forçosamente cumprida por fazer parte dos 8 países da actual UMOA, tal como aliás reconhece afirmando que a Guiné cumpre largamente, nunca tendo tido mais de 3%) a qual foi fixada para facilitar a convergência dos anglófonos, é puro engano. Decerto esqueceu-se que a proposta de orçamento que apresentou em finais de Julho (que não passou despercebida neste blog) e apresentou na ANP no último dia de Agosto, considerava um défice de cerca de 39%, ou seja 13 vezes superior ao permitido (o que lhe valeu a ira e a desautorização do FMI, bem como uma inevitável revisão em baixa). Esqueceu-se igualmente de outro critério de convergência, que fixa 70% como máximo para o peso da divída pública em relação ao PIB, também já largamente ultrapassado e em vias de descarrilar definitivamente segundo se percebe pelas suas palavras. Em suma, sem qualquer mérito especial, cumpre um único critério, por inerência da pertença à UMOA e quer-nos convencer do contrário.
Em quarto lugar, o senhor Ministro, para além de inoportuno, alienado e incoerente, é um trapalhão. Em vez de um discurso sóbrio e objectivo, abusa de uma suposta "linguagem técnica" que, pelos vistos, pura e simplesmente não domina, metendo sistematicamente os pés pelas mãos. Que dizer quando classifica como "dívidas a curto prazo" as garantias de compensação financeira da União Europeia em relação às pescas, para dar apenas um exemplo? O que pretende com esse discurso atabalhoado? Confundir as pessoas? É tal e qual como ter uma página oficial que, apesar de uma fachada garantindo "a transparência na Gestão Orçamental", todos os links dão erro, incluindo o do Orçamento (já para não falar que a designação mef.gw não corresponde à actual, ainda incluindo "economia").
Atestada a absoluta incompetência do ministro, sem prejuízo da responsabilidade incumbente a Aristides Gomes (que o senhor ministro das finanças, apesar de denunciar vagamente, se revela incapaz de aprofundar, ou de dar troco às réplicas do PAIGC lavando as mãos), resta encontrar um/a substituto/a à altura da tarefa, que saiba bater-se pela defesa dos interesses do país, pois a Guiné-Bissau tem todas as condições (e interesse) em participar activa e soberanamente na definição das estratégias monetárias. Note-se que, há 23 anos, a França tinha todo o interesse em cooptar um país para o lado francófono da união, perfazendo dessa forma a maioria de oito. Assim, apesar de ser um pequeno país, pode fazer alterar com o seu voto as decisões a tomar pela CEDEAO, o que lhe pode atribuir um papel decisivo no lançamento do ECO, ao lado da Nigéria.
Dapi Jomav ku fadi Fadia!
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