terça-feira, 17 de abril de 2012

Humildade, precisa-se

O Presidente de Angola já deve ter percebido: os tugas roeram a corda no que toca a darem o corpinho ao manifesto por um assunto que não é deles... ora outra coisa não seria de esperar, pois, senhor Presidente, as suas expectativas eram demasiado elevadas, fez o erro de sobreavaliar a disponibilidade de Portugal, aferindo-a apenas com base nas palavras do Ministro Paulo Portas (uma coisa boa, pelo menos por uma vez, agora que precisavam, deram crédito aos portugueses - exagerado, pelos vistos - mas perdoe ao senhor Ministro, senhor Presidente, pois em criança tinha um fetiche por soldadinhos de chumbo, mesmo se mais tarde se baldou ao SMO; é o ambiente de QG que o excita) e o bluff fez pufff logo à saída do Alfeite; foi tudo um pouco mal feito e conduzido, pelo lado político e diplomático, delapidando um capital de confiança, o qual, explorado com as devidas reservas e distâncias, poderia ter ajudado a resolver a crise no seio da CPLP, em vez de a agravar. Em Conakry também adiaram a consolidação da forte e recente amizade que Angola benevolentemente descobrira pelos nossos homopatrínimos do Sul. Quanto à democracia, vejam lá se não se enganaram na Guiné que escolheram, pois há três e esta é a mais afastada: se a ideia é invadir o continente, talvez possam começar pela que está aí mesmo ao vosso lado... É que Bissau é pequeno, não chega para a cova de um dente e os guineenses são duros de roer. A isso chama-se ter mais olhos que barriga. Encontra-se assim outra vez na estaca Zero, sem ninguém para lhe acudir em tempo útil.

Egas Moniz foi tutor de Afonso Henriques (há quem defenda mesmo que era o seu próprio pai), e ficou conhecido na história de Portugal pela célebre «humilhação» a que se sujeitou a si, à mulher e aos filhos, ao entregar-se com uma corda ao pescoço para compensar o Rei de Leão, a quem o infante de quem era aio prometera uma vassalagem que não era oportuno concretizar: como ficara fiador da promessa, sujeitava-se ao inimigo, pagando com a sua vida e dos seus. Na corte de Leão, passada a primeira surpresa com o gesto, conhecendo a irascibilidade do Rei, todos esperavam um desfecho rápido e violento para esse desplante do português; mas o Rei, graças a Deus, acalma, tem um lampejo de magnanimidade e perdoa-lhe, trata de gasalhá-lo e manda-o de volta para o seu Rei com grandes elogios, e, virando-se para os seus súbditos, suspira: «_Tivesse eu meia-dúzia destes.»

José Eduardo dos Santos deveria mandar aprontar o seu jacto pessoal, pedir autorização para aterrar em Bissalanca, sugerir uma entrevista à TV guineense, assumir a responsabilidade pelo deslize da sua política externa, pedir desculpas a todos os guineenses por aquela que acabou por configurar ou, pelo menos, parecer (à mulher de César, não basta ser séria, tem de o parecer), uma ingerência externa nos assuntos internos da Guiné-Bissau; para não deixar contas por saldar, clarifique e quantifique os interesses angolanos na Guiné-Bissau, predisponha-se a ver anulados todos os contratos que eventualmente tenha assinado, que não sejam transparentes para todos os guineenses (pois estes querem legitimamente saber - e controlar - para onde vão parar os frutos da sua terra, não querem uma cópia deslavada - quanto mais imposta à força - do modelo angolano: torna-se realmente difícil discernir quais as suas vantagens).

Já agora, não fique ressabiado e mantenha a sua disponibilidade para colaborar com o povo guineense na base de um entendimento de igual para igual, de forma bem clara e transparente quanto aos objectivos, e sempre em prol da Paz e de um Desenvolvimento sustentável para o Continente. Um mea culpa sentido (sem exageros de retórica) não o desprestigia, senhor Presidente, antes pelo contrário, mesmo em termos internos, mostraria o seu lado humano de grande estadista. Ninguém vai notar grande coisa (no mundo ninguém está a perceber nada, de qualquer forma, desta situação), a coisa resolve-se sem ninguém se magoar e fica tudo amigo outra vez. Não custa nada: sai-lhe imensamente mais barato que qualquer outra opção. Rezo sinceramente para que o pragmatismo que sempre o orientou, o possa agora iluminar e guiar neste passo complicado da sua carreira. Vai lá, leva consigo as tartarugas de volta para casa e para as mães, e esta história tem um final feliz.

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