A brincar, a brincar, um bom retrato do «estilo» PAIGC & PRS. No Kafumbero.
sexta-feira, 31 de maio de 2013
Aliança post mortem
O PRS acaba de se juntar ao PAIGC no «Titanic» da reposição da ordem constitucional, através de uma nota de imprensa. Esta «aliança» forçada, para tentar conter a tendência que tem vindo a ganhar força e que hoje parece inevitável, apenas demonstra como os dirigentes desses partidos se sentem fragilizados (evitei dizer «culpados»).
O PRS, numa incompreensível opção estratégica, em vez de tentar «cavalgar» a onda, prefere assinar a sua certidão de óbito. Clarificação importante, mas já pouco relevante para travar aquele que parece o inelutável curso dos acontecimentos.
Vox populi
Num espontâneo e interessante exercício de cidadania activa, um grupo informal de 17 jovens, depois de organizar uma discussão em torno da actual situação do país, decidiu-se a avançar com um «manifesto» resumindo a conclusão a que chegaram. A iniciativa consiste no apelo a que ninguém vote «Nim PAIGC, nim PRS».
Feito o balanço, são «40 anos de desgovernação, que se resumem em atraso, intimidação, crimes, má imagem da Guiné no exterior, desestruturação social e futuro comprometido». Salvaguardando que não estão contra ninguém em particular, pois também existem pessoas bem intencionadas nesses partidos.
Estão sim contra toda a cultura de irresponsabilidade que conduziu à infeliz situação actual, os seus modi operandi e a total incapacidade demonstrada. «É preciso entregar o país a pessoas capazes», cuja legitimidade não lhes advenha de obrigações partidárias, mas de um compromisso claro com a Guiné.
Levando até às últimas consequências a ideia: Nem PAIGC, nem PRS, nem eleições.
Desde já, com conhecimento aos interessados por email, coloco este blog à vossa disposição, no sentido da divulgação de futuros comunicados no âmbito da vossa feliz e oportuna iniciativa, traduzindo o sentimento que se vive, em crescendo, no seio da população da Guiné-Bissau.
quinta-feira, 30 de maio de 2013
Regime angolano cai no ridículo
O regime autocrático de José Eduardo dos Santos mantém reféns as mentes dos angolanos, conduzindo a situações que, se não fossem dramáticas, seriam risíveis. Um manifestante, detido numa marcha pacífica, desaparecido durante dois dias e sem acesso aos seus companheiros e advogados, aparece agora, num comunicado oficial, como acusado de «tentativa de homicídio» na pessoa do chefe de uma esquadra!
Desde armas colocadas na mala do carro de um general para o acusar de porte de armas, a cocaína na mala de um músico em viagem para o incriminar no destino, os recursos empregues parecem não recuar, nem perante recatos de maquiavelismo, nem perante um elementar senso do ridículo.
Ver notícia do Público.
Singular incongruência
Num comunicado do PAIGC, há pouco divulgado pela Lusa, o partido pretende lavar as mãos relativamente aquilo que designam por «impasse político» e pressionar o Presidente da República. Transcrevo o parágrafo relevante
«A base e a origem das propostas de formação de Governo são os partidos políticos e o primeiro-ministro. Os responsáveis da transição devem colocar os interesses da Nação e dos guineenses acima dos seus interesses e compromissos pessoais».
O PAIGC a moralizar? Há uma dupla incongruência. A base, a iniciativa e a origem da proposta de formação de governo é (no singular) o Presidente que pode demitir o Primeiro-Ministro e nomear outro. Por outro lado, se estão a falar do Presidente (no singular), não se percebe porque falam no plural («os responsáveis da transição»).
Ex-militante desse Partido, sua Excelência o Presidente da República, tem mantido uma grande dignidade em toda esta situação (por enquanto, não vejo transição). Os ataques à sua pessoa, em nada podem ajudar ao processo em curso. Quem não tem dado mostras de saber estimar os «interesses da Nação» são os elementos desse Partido, que parecem estar a bloquear uma solução política que vai contra os seus interesses pessoais.
Resposta do embaixador americano na UA
Quando questionado sobre a abordagem «militarista» dos Estados Unidos aos problemas africanos:
«The U.S policy towards Africa has never been a militarized policy. We never colonized any African nation. We never controlled a single country in Africa, we never sought to control a single country in the continent.»
Em extensa entrevista concedida em inglês, em Addis Abeba, ao The Ethiopian Herald.
Gastronomia
A cozinha guineense afirma-se no panorama internacional.
«Muito embora tenhamos que recorrer às ajudas internacionais, o cozinhado far-se-á no caldeirão dos guineenses e de forma soberana, porque quem o irá servir (e comer) - seja quente ou frio - somos nós e mais ninguém! Por isso damos prioridade à estabilidade política na nossa terra, em detrimento das eleições»
Apenas para felicitar o Nababu Nadjenal por mais um relevante contributo
para a análise da actual situação na Guiné, publicado na nova página do
Doka. Aproveito para transcrever alguns trechos que me parecem mais
relevantes, mas começo por criticar um ponto em particular, que me
pareceu dissonante:
Ter-se-á mesmo de recorrer a essas ajudas? Não será um mau princípio? Não será colocar o ouro nas mãos dos bandidos? Entregar o rebanho ao lobo? As afirmações soberanas precisam de se alicerçar na plena independência, não podem estar reféns de mitos da dependência impostos do exterior.
A democracia tem muitas formas, e a melhor forma de perverter o seu espírito é esse escrutínio de que fala Nababu. Não esquecer, na Guiné-Bissau (tal como em Portugal, aliás), a metade silenciosa do eleitorado, cuja abstenção talvez seja uma opção consciente e «activa».
«A comunidade internacional não tem ideias para África, tem uma cassete: as eleições, como se isso fosse o remédio para todos os males. (...) Para a comunidade internacional, a democracia redunda na realização do escrutínio, como se isso fosse a única forma apropriada, em cada etapa, de aclarar a situação política. Foi-nos incutida a noção eleitoral que distingue, de um lado, os vitoriosos, aos quais tacitamente é outorgada carta-branca (até para matar se for preciso) e, por outro lado, os derrotados, que devem ser silenciados e escorraçados. Ou seja, as legislaturas transformaram-se em transições sucessivas para o monopartidarismo, no seu sentido puro e duro»
Um monopartidarismo cinzento, apenas preocupado com o seu umbigo e a sua manutenção no poder, a todo o custo (que acaba sempre por ser o do desenvolvimento). Essa «democracia» autista e, em muitos casos, «musculada», não serve os interesses dos povos africanos nem a sua aspiração ao desenvolvimento.
«Estamos a pensar no fenómeno “banho” muito em voga nos nossos países, organizado pelo partido no poder, uma forma hipócrita e sarcástica de abertura ao multipartidarismo (...) As cartas estão viciadas, porque baralham e voltam a dar as mesmas cartas!»
Não é preciso um governo «inclusivo». É necessária uma governação «inclusiva», que oiça os principais interessados, escute os actores, medeie e modele um compromisso entre a modernidade e uma sociedade exemplarmente diversa, tolerante e construtiva como é a guineense, fazendo-a brilhar no plano mundial.
P.S. Salazar, a propósito de democracia, dizia: «Se quiseres que continue tudo na mesma, nomeia uma comissão; se quiseres deixar obra, nomeia um responsável.» Atingidos certos consensos nacionais, torna-se mais prático plasmá-los legal e legitimamente através de formas mais directas de democracia.
quarta-feira, 29 de maio de 2013
Jagudi na sonda si limária
Face à desintegração da CPLP, à sua manifesta incapacidade para desempenhar um papel positivo e mobilizador no desenvolvimento dos países de expressão portuguesa, os Estados Unidos parecem resolvidos a ficar com uma parte do bolo: a que lhes é mais chegada.
Ver recente artigo publicado por Nikolas Kozloff no Huffingtonpost.
África decerto dispensa importar uma «guerra religiosa», trazida no rasto de chumbo e cinzas dos fantasmas dos americanos. Chocou-me o comentário ponderando como factor positivo [para a instalação de uma base militar] a «ausência» do Islão. «São Tomé and Príncipe could be a promising site, the Americans believe, since the islands are heavily Catholic and have no history of Islamic militancy.»
Os Estados Unidos parecem actuar tal como um elefante numa loja de porcelana. Por este andar, brevemente haverá muitos cacos para apanhar.
Descolonização dos Açores
Os Estados Unidos desinteressaram-se da manutenção do grande porta-aviões que mantinham no Atlântico Norte. A Europa, constituída como bloco, deixou de ser um foco de atenções, o interesse deslocou-se para Sul, num contexto mais global e actual de neo-imperialismo, com objectivos já não tanto estritamente militares, como era o caso durante a guerra fria, mas agora de garantir o acesso privilegiado a fontes de energia e matérias primas, sobretudo fazendo face à intensa actividade de interesses chineses na zona.
Preparam-se agora para colonizar os arquipélagos de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, transformando-os em bases militares avançadas dos seus interesses económicos. Qual espada de Damocles suspensa sobre o Continente, toda a África Ocidental (em sentido lato - do Cabo a Gibraltar) ao alcance do punho. Os americanos não devem iludir-se: o problema de África, bem exemplificado pelo caso da Somália, é precisamente o de encararem apenas soluções militares, sem lidar com as causas profundas.
Se a intervenção da França no Mali irritou a União Africana, que dizer da anexação à América continental da orla costeira ocidental? Acabou-se a deriva: é a união dos continentes!
Caricaturas UA
Com os devidos créditos ao excelente site alemão DW, pela recolha, três cartoons espectaculares sobre os desafios da UA...
Haswel Kunyunye, do Malawi
John Swanepoel e John Curtis, da África do Sul
São Tomé & Pilatos
Num show off de contabilidade duvidosa, as autoridades são tomenses promoveram uma «queima» de droga que pretendia demonstrar o seu empenhamento na luta contra o tráfico, como noticia hoje o site alemão DW, num artigo da autoria de Ramusel Graça.
No entanto, salvo erro de transcrição do jornalista, é difícil perceber como, com 11Kg de haxixe e 2,4 de liamba, se consegue perfazer o valor estimado de meio milhão de dólares: em Portugal, por exemplo, as quantidades apontadas dificilmente ultrapassariam os cinquenta mil dólares e a preço de retalho.
Para mais, tratando-se de drogas «leves», em processo de descriminalização em vários países (inclusive em alguns estados dos Estados Unidos), a encenação revela-se um pouco forçada, para não dizer mesmo, de mau gosto, no sério contexto da luta anti-droga transatlântica.
Pouco mais de três meses antes de 12 de Março de 2012, o mesmo site publicava uma notícia afirmando que estudos recentes evidenciavam o quanto o Brasil se tornou numa grande porta de saída de droga da América Latina para outras partes do mundo, com destaque para a África, com Angola e a Guiné-Bissau no centro do tráfico da droga
«O Brasil se tornou o principal ponto de partida da cocaína enviada para África. O delegado da Polícia Federal cita Angola e Guiné-Bissau, para além da Nigéria e do Senegal, como parte das placas giratórias da droga, destacando o papel de passageiros africanos que fazem o transporte da droga. Segundo o criminólogo, Genilson Zeferino, muitas vezes, envolvem jovens, tanto por aqui, como no continente africano: “No caso de África, sem uma política que dê à juventude condições de estudo, de trabalho, o tráfico de drogas aparece como possibilidade para ganhar dinheiro. É muito comum o caso de jovens que são envolvidos como “mulas”, o que não quer necessariamente dizer que são viciados”.»
Reparámos, no Progresso Nacional, que ainda ontem, o embaixador da paz da CEDEAO apelou aos governos e instituições da Organização para darem mais poder aos jovens, em prol da paz, estabilidade e desenvolvimento. Na sociedade africana, ainda bastante tradicional, o lugar dos mais velhos, com a sua experiência e sabedoria, deve ser acautelado; mas o papel dos mais novos, que poderão dar um impulso vital para o desenvolvimento, não deve ser descurado!
Preparem-se para intervir por todo o lado
A AFP, agência noticiosa francesa, acaba de publicar um artigo do seu correspondente em Nairobi, com vários contributos, um deles o de Musambayi Katumanga, professor de Ciências Políticas na Universidade de Nairobi:
«Si vous voulez créer une force de réaction rapide, préparez-vous à intervenir partout, car la plupart des Etats africains ne sont pas viables, même si leurs dirigeants refusent de le reconnaître. Ils sont dans la même situation que le Mali, c’est juste une question de temps.
L’insécurité africaine a commencé dés la Conférence de Berlin, quand les puissances coloniales européennes se sont partagé le continent, traçant des frontières niant l’histoire.»
Uma decisão histórica para a UA seria abolir o «tabu» que pesa sobre esse facto!
terça-feira, 28 de maio de 2013
Mensagem de esperança II
Thomas Friedman, um jornalista consciencioso, sentiu-se atraído pela Guiné-Bissau, por todo o «barulho» em torno deste pequeno país; e não se quis ficar pela recolha de informações (talvez tenha sentido o contraditório), viajou até Bissau há um mês, para ver com os seus próprios olhos: e o resultado foi uma total surpresa, que partilha com os seus leitores.
Critica os media, por não estarem atentos ao que se passa no terreno, «papando», sem espírito crítico, aquilo que lhes querem vender. Afirma que, passadas quatro décadas de ditaduras, violências e guerras, se abriu no último ano uma improvável e quase «estranha» janela de paz e estabilidade, que se sente na rua. Só depois então se pronuncia.
E a sua opinião vai precisamente no sentido contrário ao da «carneirada». Pergunta-se «Que deveríamos fazer [comunidade internacional] quanto ao aparente caos na Guiné-Bissau?» e responde: «Bem, talvez seja mais fácil começar por aquilo que não deveríamos fazer. (...) Temos de ter cuidado com a tessitura dos ideais de democracia que pretendemos exportar.»
E continua: a liberdade que se sente em Bissau representa uma grande e histórica oportunidade; seria injusto trair o povo guineense, retirando-lhe a confiança que parece manifestar nas suas hipóteses de desenvolvimento, fazendo-o duvidar das suas próprias capacidades. Depois elogia o espírito empreendedor dos guineenses...
Num oportuno recado, iluminado por uma imagem, diz que a Guiné-Bissau se encontra perante uma descida pejada de obstáculos, que deverá percorrer «muito lentamente». E talvez daqui a uns anos a Guiné seja um país completamente diferente, que compara (no título), imagine-se, com o Japão! Utopia? Talvez. «As pessoas em Bissau ainda não deixaram de sonhar».
Ver New York Times.
segunda-feira, 27 de maio de 2013
Estranheza
Como sou apaixonado por balística talvez seja suspeito.
Mas acho estranho que um homem como Osvaldo, esteja sub-aproveitado em Cabo Verde. Mesmo considerando a sua responsabilidade política (no verdadeiro sentido do termo, que não se resume a conotações «democráticas»), como combatente da liberdade das pátrias (é relevante que não use o singular), o facto é que existe uma manifesta dissonância.
Uma pesquisa utilizando o seu nome completo, retorna essencialmente (a 90%) fotos da entrega dos prisioneiros portugueses à Cruz Vermelha (numa delegação de duas mulheres e um homem - isto há mais de quatro décadas - sendo uma delas Titina Silá), o seu livro autobiográfico (precoce) «Nos tempos da minha infância», o facto de ter sido Ministro da Economia... e pouco mais.
Estive fisicamente na sua presença (em público e depois num pequeno particular). Se é capaz de hipocrisia (por exemplo quando afirmou que Coutinho Lima estava cercado e não tinha alternativas), não deixa de ser um homens de causas. Para além do grande respeito e amor que indubitavelmente sentia por Amílcar Cabral (o que o prejudicou, claro, pelo resto da sua carreira), é um verdadeiro patriota (no singular).
Ainda nos últimos dias, estivemos em campos opostos (o Senhor Comandante que me perdoe pela familiaridade recém-adquirida, não a utilizaria se não tivesse ficado agradavelmente surpreendido), quando vem defender a entrada da Guiné Equatorial na CPLP (diga-se em abono da verdade, no único sentido possível, o futuro) quando eu, pela minha parte, escrevi um artigo condenando-o.
Talvez tenha sido a presença do Julião, mas (e há coisas que não podem passar através das simples palavras escritas, é preciso ouvir - e estar a ver - quem as diz) fiquei com a nítida sensação de que o Senhor Comandante sabe algo sobre a morte de Cabral, que não só não é do domínio público, como lhe pesa e gostaria de partilhar, no espírito da queda dos tabus da mesa redonda de quinta.
Quando morreu Nino, publiquei uma notícia (que hoje considero parva) aqui neste blog provocatório. Eram uma data de coisas juntas. Um elogio ao Aly, como bom jornalista (tal como os bons avançados, no futebol), no sítio certo, no momento certo. Mas fartei-me de pensar nesse tipo de apresentação (choque), sobretudo porque, infelizmente, foi Mário Soares que deu o mote (e não gosto dele).
Claro que o meu maior problema foi que alguém julgasse que, uma vez na vida, concordava (ou, pelo menos estava em sintonia) com esse medíocre e responsável maior (a quem, para além - e mais que - dos afilhados, imputo grandes responsabilidades pela actual situação de Portugal); mas não consegui escamotear a minha alegria (não, não é apenas falta de tristeza) pela morte de Nino, que já esperava.
Apenas lamento que Manel Mina não tenha feito o mesmo grau de esforço que fez para salvar Nino (fiquei mesmo irritado com ele nesse dia 7 - não pela cartilha revolucionária herdada da vila de Ekaterine, porque sou estritamente franciscano e respeitador da vida - mas pelo lado prático, pela verdadeira «razão de estado» que legitima um mal menor para evitar um maior) para salvar um homem que respeitava ainda mais.
Mas os tempos eram outros, talvez não fosse mesmo possível. Mas quando se trata da razão, da verdade, julgo que estas se devem sobrepor a outros considerandos, mesmo com os riscos associados. Lembre-se o destino do Comodoro Lamine Sanhá, mais que herói da verticalidade, um mártir que talvez só não seja reconhecido porque o seu islamismo é inconveniente e inoportuno para a maior parte dos actores.
Todo este desabafo, apenas para lembrar as declarações públicas de Osvaldo, por essa altura, quando lhe pediram para se pronunciar sobre a ausência de qualquer chefe de estado no funeral de Nino Vieira: «Teve a sorte que mereceu. Era um homem sinistro». Na ideia do senhor Comandante, o komandante Kabi terá tido alguma coisa a ver com o assassinato de Amílcar Cabral?
A minha opinião sobre isso, já a dei, numa pequena biografia que publiquei aqui, por isso estou à vontade. Mas, da minha humilde pena, é considerada pura especulação (ou até loucura). Já de alguém que pressentiu o atentado... passadas quatro décadas e toda a amargura e recalcamento que daí possam advir, teria outro valor. A história talvez mereça que aclare esses momentos sombrios...
Perdoem a ingenuidade - e se souberem mais do que eu, chamem-me a atenção - mas julgo: que é óbvio que o carácter utópico de Cabral estava a «prejudicar» a ofensiva que veio a ter o seu nome, mas também que essa «deriva» emocional (talvez motivada pelo íntimo desejo de não humilhar Portugal) não parece suficiente para que a sua morte tenha sido decidida a leste.
Dever de ingerência ou maquiavelismo?
Grande novidade na UA (quero dizer, grande vitória diplomática de Angola): os líderes africanos reunidos na XXI Cimeira da UA, decidiram hoje de manhã o estabelecimento de uma força de intervenção rápida para acudir a situações de emergência. Veja notícia da Reuters.
Se a pressa revelada e o imediatismo da decisão, ao fim de 50 anos de actividade da Organização, são de si suspeitos; mais grave é o voluntarismo na constituição dessa força, cuja mobilização fica entregue aos países que «estiverem em condições de a fornecer».
Portanto: o respectivo Conselho de Paz e Segurança, poderá aceitar as prestáveis ofertas dos estados membros (acorrendo cada um, claro, às suas emergências «preferidas»)... uma vez flexibilizada a actuação dessa FIR até aos limites do inconcebível.
No entanto, com a guerra no Mali em banho maria (e a mensagem terrorista enviada do Niger para a UA), é óbvio que este novo princípio de ingerência vai dar pano para mangas, arriscando-se a agravar os problemas que pretende resolver...
Já agora, a Líbia também está precisada, e é um bom exemplo dos perniciosos resultados obtidos por uma «libertação» imposta de fora. Talvez o Brasil, que tem «um» olho no continente, devesse partilhar o seu conceito de «responsabilidade ao proteger»... De boas intenções está o inferno cheio.
domingo, 26 de maio de 2013
Cabo Verde exporta democracia!
Entrevista do Presidente de Cabo Verde à RFI, em Addis Abeba, na XXI Cimeira da UA.
Será que o Senhor Presidente também pretende restaurar o PAICG? Sim, agora com o cabo antes do fim.
Pelos vistos, a sensatez de Corsino Tolentino não foi suficiente para o esclarecer.
Eu cá acho que está a tornar-se um pouco repetitivo. Há mais de um ano a dizer a mesma coisa...
Condicionar um futuro governo? Tropas no terreno? E mais que veneno?
Fim do Mandato da CEDEAO
O mandato da CEDEAO, inicialmente de Maio a Novembro de 2012, foi depois estendido por mais seis meses, perfazendo portanto um ano, que agora expira.
Os burkinabés, os primeiros 140 soldados da força a chegar a Bissau, há exactamente um ano e uma semana, chegaram anteontem a Ouagadougou, com o sentimento da missão cumprida, sendo recebidos com grande pompa pelo CEMFA General Traoré, destacando a conduta exemplar dos seus elementos, como noticia hoje a imprensa local.
Seriedade e responsabilidade
Tal como Julião Soares defende no seu último livro «A destruição de um país», este «precisa de uma nova política externa de credibilidade e boa governança, o que pressupõe um diagnóstico rigoroso». Depois de tanto tempo à espera de um potencial «governo inclusivo», seria inglório apresentar uma solução de meias medidas (troca tintas). Talvez a melhor política fosse distinguir claramente duas fases para um Governo de Transição: uma primeira de diagnóstico, de recenseamento desenganado da realidade; seguida da discussão de um plano bem sistematizado, envolvendo organicamente o Governo numa actuação transparente, que permitisse a sua fiscalização pública, podendo para isso servir os blogs, que têm servido de procuradores informais e de veículos da liberdade de expressão.
É preciso começar por algum lado! Uma das promessas a que deu origem o pacto de transição em vigor foi a da realização de auditorias, não só às contas do antigo governo de Cadogo, como ao Governo então criado. Passado um ano e em término de mandato, está na altura de se começarem a dar sinais de seriedade, que possam inequívocamente ser interpretados como de boa vontade pela comunidade internacional. Caso não arranjem mais ninguém, ofereço-me eu para fazer essas auditorias (na condição de não ter qualquer entrave ao acesso a todo o tipo de dados que solicitar), pois, para além da indispensável competência técnica, estou minimamente por dentro da realidade guineense (e sou bem mais barato que uma equipa de consultores estrangeiros a alojar em hotéis de luxo).
Acabo voltando ao dissolvente e destrutivo título de Julião Soares: «depois de tantas convulsões, da desagregação da sociedade guineense e das ameaças que pairam sobre o seu futuro imediato, parece ter chegado o momento de grandes decisões.»
Sai a portuguesa, entra a espanhola
Na CPLP, os critérios andam um pouco alterados, numa óptica não só linguística, como ética. Veja-se o caso das 3G (desta vez os Gs são de Guinés): a organização forçou a saída da Guiné «portuguesa» por motivos políticos de ordem interna; mas admite a Guiné «espanhola» (onde ninguém fala português). Se se tratasse de uma promoção honorífica, de um exemplo para a organização, mas leia-se o recente título do DN «Aceitar ditador cruel na CPLP afectará credibilidade lusófona» e tirem-se as necessárias conclusões. Tudo isto para satisfazer um capricho de José Eduardo dos Santos (que também não é propriamente um santo)? Já agora, para legitimar internacionalmente o regime de Conacri, porque não admitir também a Guiné «francesa»?
Enunciado de bons princípios II
Acabei de ler (obrigado Progresso Nacional) duas notícias interessantes saídas na Jeune Afrique, no âmbito da XXI Cimeira da UA, que começa já amanhã.
Uma entrevista concedida por Nkosazana Dlamini-Zuma, presidente da UA, na qual estima que o grande desafio para África, uma vez liberta do colonialismo, é libertar-se da dependência. «Nenhum país deve ter, por base do seu desenvolvimento, a ajuda externa. (...) É uma questão de mentalidades.» Único país de África, para além da Argélia (o caso da Etiópia é especial), que me parece poder ser considerado como vencedor de uma guerra colonial / de libertação, está agora na hora de a Guiné se libertar das grilhetas da dependência (dissimulando ingerências interesseiras).
No mesmo tom, Carlos Lopes convida os africanos a criar a sua própria visão do (e lugar no) mundo. África deve romper com as percepções negativas em proveniência do exterior, «dissipar os mitos e a incompreensão», de forma a captar investimentos sérios e sustentáveis, e já não apenas draconianos e delapidatórios dos seus recursos. Acrescentaríamos que essa foi a última preocupação publicamente manifestada por Amílcar Cabral, numa conferência em Conacri, pouco tempo antes de morrer. Insurgia-se contra a continuação da exploração colonial por outros meios, mais sofisticados e pesados de consequências. E aproveitava para lembrar que a libertação tem de ser mental: «o arroz só coze dentro da panela».
«A hora é de aurora, estamos perante um renascimento africano» exclamou-se Carlos Lopes, «não sem lirismo» acrescentaria o cepticismo do jornalista. «África tem de assumir o controlo da sua narrativa e das suas relações internacionais». Já tinha desconfiado num artigo anterior, mas agora começo seriamente a pensar que parte destes felizes pensamentos, mesmo que classificados pelos outros de utópicos, se referem a uma secreta esperança que alimenta em relação ao seu país natal. A Guiné, que deu um exemplo final, autónomo e independente, na I Guerra de Libertação, estaria em condições de liderar a II?
sábado, 25 de maio de 2013
O fim dos tabus: mesa redonda de G3
Realizou-se na quinta-feira à tarde, em Coimbra, uma mesa redonda organizada pelo professor doutor (o primeiro guineense doutorado pela Universidade de Coimbra) Julião Soares sobre a guerra colonial / de libertação «Os 3 Gs da Guiné: Guidage - Guiledje - Gadamael». O cartaz, moderado pelo professor doutor da mesma Universidade, Luís Torgal, incluía vários oficiais superiores portugueses na reforma, o Tenente-Coronel Sandji Fati (que, por impedimento de última hora, não esteve presente) e o Doutor Osvaldo Lopes da Silva, que dirigiu a flagelação de Guiledje pelo PAIGC.
Conforme declarou o Julião (a quem, depois de ter lido o livro de Cabral, tive o prazer de conhecer pessoalmente nesta ocasião) à RTP, também a mim me parece importante sublinhar a importância do evento, assumindo definitivamente a queda dos tabus. Neste contexto, há igualmente que destacar o papel de destaque que tem vindo a desempenhar o blog de Luís Graça e a reaproximação à Guiné da sua «rede social» Tabanca Grande, incluindo o convívio entre antigos combatentes dos dois lados, patrocinado pela ONG guineense AD, de Carlos Schwarz (Pepito).
Chegou a hora de se fazer história, de forma positiva, como forma de intervenção informada na realidade actual, conforme defendeu Luís Torgal na introdução que fez a esta mesa redonda, que se constituiu como preparatória para um grande evento a organizar em Novembro, no mesmo espírito. No fim do encontro, o mesmo professor viria a fazer uma constatação que me parece bastante relevante: sendo a memória algo de tão selectivo e traiçoeiro, porque razão se teriam afigurado, aos presentes, as memórias da Guiné de forma tão viva e emotiva? Amigos da Guiné...
A primeira apresentação esteve a cargo do Coronel de Paraquedistas José Moura Calheiros, que, mesmo contra as fortes restrições de tempo (e teve o dobro do dos outros participantes, pois esteve em ambos os teatros de operações, Norte e Sul) fez uma brilhante apresentação táctica dos cenários com que se deparou, primeiro em Guidage, no Norte, depois em Gadamael, na sequência do abandono de Guiledje. Recomenda-se a leitura do seu livro, profusamente ilustrado «A última missão» (que consistiu na repatriação dos restos mortais de alguns homens sob o seu comando).
Em relação ao tempo, julgo importante anotar que a mesa redonda duraria quase 7 horas ininterruptas, sem sequer pausa para café, que chegou a ser anunciada, mas não respeitada. Depois do Coronel Calheiros, a palavra passou ao Coronel dos Comandos Raúl Folques, um dos comandantes da operação de Comandos Africanos efectuada sobre uma base do PAIGC, já em território senegalês, para aliviar a pressão sobre Guidage. Por várias vezes o senhor Coronel teve de controlar a sua emoção, para não explodir. Eu, como estava na assistência, virei a cara para o lado e chorei como uma Madalena arrependida.
Um por um, desfiou o rosário dos seus mortos em combate, dos seus mortos às mãos da fúria cega e assassina do PAIGC, para depois se perguntar, quase com raiva: «para quê»? Passados estes anos, para que serviu a guerra? Aos de cá, não! Aos de lá, pelos vistos, ainda menos. É desesperante! A Guiné e Portugal parecem partilhar um destino comum de incompetência dos seus políticos. Numa pequena conversa informal que tive depois com o senhor Coronel, lamentou a «ausência», na mesa redonda, de Salgueiro Maia, com quem conviveu por essa altura em Guidage: se fosse vivo lá estaria, claro.
Em seguida, calhou a vez ao Coronel Coutinho Lima, ainda hoje visivelmente perturbado pelo papel que desempenhou no único abandono de um Quartel durante a guerra colonial. Talvez fosse melhor, para se justificar humanamente, assumir que errou, pelo menos em termos de uma análise exclusivamente militar. Ordenou a retirada tempestiva de um quartel relativamente bem fortificado, para outro onde não existiam as mínimas condições de defesa, expondo os seus homens, para além do desastre moral, à morte às mãos dos guerrilheiros do PAIGC, que, estranhamente (ou não - valeria a pena eliminar esses combatentes «inutilizados»? - eram mais úteis vivos, para desmoralizar o inimigo, que mortos), não explorou a situação.
O livro lançado na Academia Militar, a insistência em justificar-se (fez questão de distribuir o texto fotocopiado por todos os presentes), não me parece que sirva a paz interior que procura. Neste levantar do véu sobre a Guerra Colonial (não estaria a ser justo se me esquecesse de citar o importante papel que desempenhou na televisão Joaquim Furtado), importa não confundir dramas pessoais, com a verdade. Plagiando um blog guineense, a verdade liberta. Valerá a pena querer branquear e apresentar uma má decisão militar (por mais atenuantes que possam ser invocadas), como uma boa decisão humana?
O mal estar de Coutinho Lima assumiu uma manifestação um pouco desadequada: tinha preparado uma pequena encenação, no momento em que lhe é passada a palavra, abandona a sala, criando um momento de suspense (teria tido vergonha? e fugido?); voltando pouco depois trajado de guineense. Pareceu-me uma demonstração deslocada da sua necessidade de aprovação. Abandonei a sala, como fez também o Coronel Folques e mais uma ou duas pessoas. Esta sim, uma verdadeira retirada estratégica.
A desconchavada «palhaçada» foi denunciada na sala, quando tentou «comungar» com um guineense igualmente em trajes tradicionais: saiu humilhado, quem estava ao lado do comando africano, respondeu-lhe: «olhe que ele não era da sua equipa!» Por isso me pareceu deslocado e pouco fiel um pormenor no relato da Lusa, publicado pela agência noticiosa angolana: quando diz que a generalidade os participantes concordaram com Coutinho e Silva, que a retirada foi a decisão mais acertada. Eu estava presente e não me reconheço nessa afirmação. O jornalista chegou ao ponto de afirmar que foi um acto de «ousadia». Enfim...
Para além de ter falado outra vez José Calheiros, mostrando como os paraquedistas que se preparavam para reforçar Guiledje, chegados a Gadamael, conseguiram conter o PAIGC varrendo as redondezas (a mais forte razão o teriam feito em Guiledje), falou o Coronel Ferreira da Silva, que defendeu o quartel com um punhado de homens, mantendo uma presença de ocupação «psicológica»: «íamos disparando um obus de vez em quando para o PAIGC saber que ainda cá estávamos». Num estilo muito popular, lançou «nós fomos a maior geração desde os descobrimentos!» Concordo que, com uma excepção, a mesa era constituída por heróis: «em perigos e guerras esforçados, mais do que prometia a força humana...»
Em seguida, falou o Comandante da Marinha Pedro Lauret. Nesses dias comandava um dispositivo que consistia numa Lancha de Fiscalização Grande (a Orion) e duas Lanchas de Desembarque, com botes de apoio. A sua apresentação fotográfica dos modelos permitiu-lhe uma feliz referência à Lancha Vega, e ao seu Comandante Oliveira e Carmo, herói de outro G, uma década antes. Mas voltando aos Gs da Guiné: a retirada de Guiledje provocou uma grande confusão em Gadamael, que não tinha condições para acolher tanta gente. O PAIGC rapidamente rebateu o seu dispositivo sobre Gadamael, recomeçando a fustigar com redobrada intensidade...
Já desmoralizados, soldados (excepto um punhado respondendo ao comando de Ferreira da Silva e 33 homens da guarnição de artilharia residente) e população fogem para o tarrafo (zona alagada entre marés, onde uma pessoa fica rapidamente enterrada pela cintura), na confluência dos rios Cacine e Cachina. Poderia ter sido uma chacina. Os relatórios eram alarmantes e falavam em soldados completamente «traumatizados», «apáticos». Aparentemente, também o General Spínola ficou traumatizado, teve um ataque de fúria, chamou-lhes «Ratos» e «Cobardes».
No entanto, quando tenta desembarcar no seu Alouette em pleno cenário, como era seu costume, a comitiva de recepção apercebe-se do silvo de um disparo (tinham apurado mais ou menos 18 segundos para o impacto), o oficial só tem tempo para fazer sinal ao piloto do helicóptero, obrigar o General a flectir as pernas (não havia tempo para explicações), levantando este imediatamente voo... no timing previsto ocorreu o impacto, precisamente no local onde tinha estado o heli. A quadrícula estava bem estudada, o PAIGC tinha grandes artilheiros!
O Comandante da Orion, chamado a desempenhar uma missão de transporte dos paraquedistas (que estavam na mata de Cantanhez envolvidos numa caça aos representantes da ONU) para irem reforçar Gadamael, foi com indignação que se apercebeu de uma impensável ordem de Spínola para ninguém ajudar os fugitivos. Chamando os seus subordinados, disse-lhes que estava disposto a não cumprir aquelas ordens e a ir salvar aqueles homens, «nem que fosse de canoa».
Num pequeno momento informal, já depois do fim da mesa redonda, afirmou «Nós, militares, sabemos que certas ordens não são para cumprir». O Marechal Rommel parece-me que foi o único que ousou desafiar a psicopatia de Hitler sem morrer (pelo menos logo de seguida). Em 1940, aquando da guerra que o conduziria como um relâmpago a Paris, depois de cumpridos os melhores cenários operacionais, em Berlim começaram a assustar-se, chegando mesmo a julgar que poderia ser uma armadilha, e deram ordens para parar a ofensiva e consolidar posições. Mas Rommel sabia que a vantagem era precisamente a rapidez fulgurante, precisava sempre de mais gasolina que não lhe vinha de trás e que só podia encontrar mais à frente, se fosse sempre 50Km mais rápido que a propagação das notícias.
Quando se apercebem, em Berlim, que as ordens não estavam a ser cumpridas e que Rommel continuava a avançar em direcção a Paris, o próprio Hitler arranca o microfone das mãos do CEMFA e começa a vociferar com Rommel, que tinha o seu QG reunido a assistir aquilo tudo. Muito calmamente, saca da sua pistola Luger, dá um tiro no receptor, vira-se para os seus homens e diz: «O rádio teve um problema técnico. Como não conseguimos ouvir as últimas ordens, vamos continuar em direcção a Paris. Subam para os vossos tanques.» Outra dessas vezes foi quando, face à iminente queda da África do Norte, recebeu ordens para fuzilar os oficiais ingleses. Não apenas se recusou a cumprir essas ordens, rasgando-as ostensivamente à frente dos seus homens, como ordenou a sua libertação imediata.
O último conferencista, Osvaldo Lopes da Silva, próximo de Amílcar Cabral e de Titina Silá, foi combatente guineense da liberdade da pátria e comandante do assalto do PAIGC a Guiledje. Falou da evolução das estratégias de guerrilha: que começaram por ser de «bate e foge», de forma a obrigar Portugal a distribuir as suas forças pelo território; e que, numa fase mais avançada, passou a ser a de criar «abcessos de fixação» de modo a esgotar o inimigo. Explicou os pormenores tácticos da instalação das baterias no terreno, sua visibilidade e camuflagem, procedimentos de ajustamento do tiro, armas utilizadas e suas características. Lembrou ainda os estágios na China e na URSS e a feroz independência mantida por Cabral nos conflitos entre esses dois países, que o apoiavam. Teve também um triste lamento, de que teve o pressentimento do assassinato de Amílcar Cabral.
A nome da operação 2G do PAIGC (acabaram por ser 3) foi o do seu malogrado líder. É digno de nota que Osvaldo foi quem recebeu a maior ovação de entre os participantes nesta mesa redonda. Homens que se combatiam há 40 anos, reconhecem-se hoje mutuamente, o amor e motivação pela respectiva ideia de pátria que os animava, como também mérito e valentia aos seus adversários. Algumas ideias, que já tinha defendido há pouco tempo, na pequena biografia de Amílcar Cabral que apresentei para a exposição no Xantarim (para a qual contribuiu a minha leitura do excelente livro de Julião Soares), pareceram-me, essas sim, consensuais entre os circunstantes nesta mesa redonda.
Duas das mais importantes parecem-me ser:
1) A de que a introdução no teatro de operações, com sucesso, dos mísseis Terra-Ar SAM7, conhecidos por Strella, desequilibrou definitivamente o já de si frágil status quo no terreno. A força aérea sofre fortes restrições à sua operação, no apoio aproximado ao combate no solo, passando o tecto de actuação das poucas dezenas de metros acima do chão, para altitudes muito maiores, com uma drástica redução da sua eficácia. A guerrilha ganhou em mobilidade, podendo concentrar tropas a seu bel-prazer, com os portugueses pregados ao chão. Ao mesmo tempo, também os helis deixaram de fazer evacuações de feridos (e mortos) em zonas de combate, com grande impacto negativo no moral das tropas.
2) A de que o 25 de Abril se deveu essencialmente a estes 3G. Uma geração de heróis, que não recusou o apelo da pátria, face à iminência e inevitabilidade de uma derrota militar, para poupar o seu exército e o seu país a essa humilhação, fez uma revolução inadiável. O povo português ficou a dever a sua revolução aos guineenses, bem organizados e muito bem comandados, como reconheceu José Calheiros. Ditosas pátrias que tais filhos têm.
No fim da mesa redonda, mal grado o avançado da hora, foi aberto um espaço de debate, no qual intervim lembrando as palavras de Raúl Folques (o senhor Coronel, que estava com a filha e tinha de voltar para Lisboa, já não estava presente) quando disse que os Comandos Africanos eram uma verdadeira «casa» multi-étnica, com elementos de todas as etnias; dentro do mesmo espírito, lembrei um estudo feito sobre o islamismo na Guiné, por Salgueiro Maia, no entusiasmo do seu curso de Antropologia, no qual o mais interessante é que assume natural e implicitamente (e, na minha opinião, sem erro científico) a existência de uma identidade guineense, um maravilhoso caldeamento (o termo foi sugerido pelo Julião, no momento) cultural...
sexta-feira, 24 de maio de 2013
Médicos 100 Fronteiras
A União Africana, que no Domingo dará início à sua XXI Cimeira, acaba de publicar, pela voz do seu Comissário para a Paz e Segurança, o enésimo apelo à realização de eleições antes do fim do ano. Quando chegarem a Novembro é isso que vão pedir ao Pai Natal?
O comissário, Ramtane Lamamra, referindo-se ao esforçado representante no terreno, diz que este «envidou até esforços para restaurar a unidade do Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde (PAIGC) para que este partido resgate a serenidade.»
Estamos perante um novo entendimento da esfera de actuação da UA, que agora faz e desfaz na política partidária dos países membros. Restaurar o PAIGC? Porquê? Está a soro? Ligado à máquina? E tem de acalmar? A situação está assim tão mal, senhor doutor?
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Tem um partido moribundo, que perdeu o poder e a confiança das pessoas? Não tem problema: ligue para a UA. Diagnóstico gratuito. Calmantes facturados à parte.
quinta-feira, 23 de maio de 2013
Em defesa de Egas Moniz
Há quem diga que o velho Conde Dom Henrique, com a idade que tinha (morreu quando o putativo filho tinha um ano), não foi o verdadeiro pai de Afonso Henriques. E aqui, há duas «teorias da conspiração» paralelas. Uns apresentam uns relatos referindo que quando viram o bebé, era tão feio e deformado que, apercebendo-se que nunca serviria para rei e não querendo criar um caso «político» de falta de herdeiro do «condado-futuro reino», o enjeitaram e puseram no seu lugar um dos muitos filhos de Egas Moniz, igualmente recém-nascido; outros dizem que Egas Moniz era amante da Condessa portucalense... Só fumo?
Mas não é desse Egas Moniz que eu quero falar. É do seu homónimo e único cientista português que teve um (meio) Prémio Nobel, a quem quiseram recentemente, e sem qualquer justificação, retirar o mérito: o culpado de Hiroshima é Einstein? O que fizeram depois com a sua descoberta e o seu conhecimento neuro-anatómico, que permite transformar pessoas em vegetais, poderá servir para acusar o cientista que ia «roubar» cadáveres ao hospital e os levava no seu carro pessoal (parece um pouco macabro, bem sei), para depois fazer evoluir a ciência? É como acusar Wagner de ser Nazi.
Se nesse caso, o processo intentado, não parece ter qualquer justificação; já com o Prémio Nobel atribuído à causa da libertação timorense, não se passa o mesmo. Todos sabem que os laureados naturais eram Xanana Gusmão e Dom Ximenes Belo. Com a sua simplicidade e humildade, e para mais sendo um chefe de guerrilha aceitando um prémio de paz, pediu a Ramos Horta que fosse buscar a sua metade; consolidado o processo em Timor, não estará na altura de este devolver aquilo que não lhe pertence?
Ninguém quer lançar uma petição? Eu assino.
Orelhas a arder
Segundo consta, Ramos Horta foi chamado ao Estado Maior. Depois das infelizes declarações (a figurar numa futura autobiografia) quanto ao seu carácter heróico enfrentando (desarmado) as bazucas do General Injai, chegou duas horas mais cedo (não fosse um imprevisto qualquer de última hora) e saiu de lá com as orelhas a arder, com a ingratidão demonstrada pelos indígenas (talvez seja apenas um problema de comunicação, pois desconhece inteiramente a língua local, embora esta seja derivada do português).
Recomenda-se vivamente que leia a resolução hoje aprovada no Conselho de Segurança, aprovando todas as sugestões enviadas pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, no passado dia 9. Decerto após ter bem ponderado as coisas, sua excelência o Secretário-Geral fez história, avalizando o processo endógeno em curso. O senhor representante foi transferido para o WC da ONU (Palácio das Necessidades), onde se poderá dedicar com mais calma a aprender etiqueta, diplomacia, para já não falar de simples boa educação.
Tempestade num copo de água
O Tribunal Militar não tem jurisdição sobre civis. Parece um local desadequado, senão mesmo imprudente para fazer campanha ou manifestações de apoio. Não me apercebi que tivesse sido revogada a proibição de manifestação (sem que tivesse sido ofendida a liberdade de expressão: ainda ontem li Filipe Sanhá afirmar que nunca se viveu um momento de liberdade de expressão, sem medo, como o actual).
O Tribunal Militar, no âmbito das suas competências, pode apenas confrontar DSP com eventuais acusações emitidas por um militar, com o objectivo de averiguar da sua veracidade; no entanto, o resultado dessa vereação implica apenas militares; qualquer responsabilidade que daí possa advir para um civil, terá de ser remetida para um Tribunal Civil. Os apoiantes talvez se devessem guardar para essa altura.