Extracto do relato de Mário Dias, sargento comando, que conviveu com Marcelino da Mata de 1963 a 1966, testemunho produzido em finais de 2006, a pedido da filha.
"Cometeu excessos, dizem alguns. Não sei. Não assisti. Porém, ponho as minhas reticências porque, enquanto com ele lidei, nunca o vi realizar acções menos dignas nem ter atitudes desumanas. Era duro e inflexível porque assim é a guerra; mas cruel e sanguinário, não.
Hoje, o Marcelino mantém-se igual ao que sempre foi: determinado, amigo do seu amigo, e senhor de um amor a Portugal que deveria fazer corar de vergonha muitos patriotas da nossa praça. Quando o encontro e por vezes o confronto com esse facto que não é, nos dias de hoje, politicamente (e vantajosamente, digo eu) correcto, ele me responde invariavelmente:
- Eu sou português e sempre serei. Esses gajos (PAIGC) que fizeram a independência só trouxeram desgraça. E em Angola e Moçambique é a mesma coisa. Os governantes enchem a barriga e o povo passa fome. E remata com o vernáculo p... que os pariu."
Aproveito para Homemnagear EM VIDA o Luís Graça e o imenso serviço que prestou à suas duas pátrias, com o registo histórico que deixa na sua Tabanca Grande às gerações vindouras. Que seríamos, sem Camões ou João de Barros? Talvez os desenraizados que alguns teimam em querer fazer de nós... Apesar das pesquisas sobre a Guiné que desde o século XX fazia na net, confesso que não fui eu quem descobriu o blog: foi o meu grande amigo Pepito (apesar das nossas, por vezes igualmente grandes, discórdias) que me o apresentou, em finais de 2007, quando me envolveu na preparação do Simpósio de Guiledje, para o qual contribuí transcrevendo a "Crónica dos feitos por Guidage", do Fernando José Salgueiro Maia. Nesse ano de 1973, o PAIGC, que acabara de martirizar Cabral, tinha a grande ofensiva antes das chuvas em curso e os dois teatros estavam claramente associados, a ponto de figura grada da PIDE (sempre completamente desinformada em relação à Guiné, porque a tropa não colaborava) ter confundido o G da frente Norte com o da frente Sul! Ambos começavam por Gui, como a Guiné.
Interessante notar as pinças com que o Luís (que é da Lourinhã, chão templário) aceitou pegar no mito do Coronel Marcelino: reconhecendo que se tratava de um tema fracturante. Tal como a guerra colonial, que durante muito tempo foi um injusto tabu, imposto à sociedade portuguesa, ignomínia que muitos pagaram com a vida (não estou a falar obviamente daqueles que lá ficaram, mas do tempo de "paz", e conheci bastantes), outros com o sono, ou de outras formas dolorosas. Jovens que foram obrigados a ir para uma guerra que não compreendiam, pela teimosia já senil de um governante (por mais legitimidade e habilidade que possa ter tido in ilo tempore), a maior parte das vezes completamente despreparados (Maia queixa-se nas suas memórias que muitos nem um garrote sabiam fazer), para depois serem tratados como bandidos. São decerto sequelas interiores bem maiores que aquelas que deixa o racismo, que é externo, se não o deixarmos insidiosamente penetrar. E, ao contrário das ideias feitas que por aí abundam à esquerda fascizóide, os antigos combatentes, na sua imensa maioria, não só não são racistas, como não alimentam qualquer espírito revanchista, e aqueles que tiveram a sorte de ter condições económicas para isso, estabeleceram uma relação de amor com o seu antigo teatro de operações... aconteceu isso com o DFE8, cujos homens vieram recentemente a Bissau (cheguei a marcar encontro na garagem do Toni, onde ocupámos por inteiro aquela que alguns chamam "zona libertada"), reconhecendo unanimemente que foi muito salutar. Não ficaria caro, ao Estado português, no âmbito da política de cooperação, criar uma política de turismo sénior exorcizante, a bem da saúde mental daqueles perante quem a nação tem uma imensa dívida de sangue. Aliás, são a prova ainda viva que a história poderia ter sido outra e que podemos no futuro reencontrar espaços de autêntico reencontro.
Enfim, apenas para dizer que o texto sobre o Marcelino foi extraído dessa magnífica base de dados, esperando que esta seja devidamente valorizada, estimulando a sua universalização sistemática a todos os antigos combatentes ainda vivos, para que possamos completar esse puzzle, verdadeiro quebra-cabeças...
Não há desculpa para a ignorância sistémica que os papagueadores de refrões básicos e mentirosos se arrogam em difundir, com ar doutoral de intelectualóides baratos. Estudem a vossa história, antes de aspirarem a uma engenharia social obsoleta. O caso Marcelino da Mata teve um saudável efeito, do despertar da apatia o povo português. E ainda bem. Uma vez mais, meu Coronel, um imenso obrigado.