sábado, 24 de novembro de 2012

Respeito e inclusão

Retomando as últimas palavras da mensagem anterior.

As autoridades no poder em Bissau deveriam dar um exemplo de serenidade, demonstrando assim a sua força. Já que me referi ao Editorial nº9 do Victor Gomes Pereira, vou fazer o mesmo ao seguinte, o nº10.

Não concordo com a hostilização que alguns cidadãos estão a sofrer. Em relação ao Aly, referi-me a isso logo no dia 13 de Abril, como contra-producente; em relação ao Melcíades Fernandes, que recentemente se refugiou na representação da UE pela urdidura de múltiplas suspeitas e sórdidas cabalas contra a sua pessoa, acho uma barbaridade: Manel Mina, para além de mito, é um elemento essencial da força e qualidade das FAGB.

Caro Daba: não seria possível, nem que por solidariedade com o seu ex-congénere Porta-Voz da extinta Junta Militar, levantar esse círculo de má-vontade e reintegrar com respeito o Major na estrutura e hierarquia (GARANDI) das FAGB? Caso isso não seja possível, pelo menos para já, por uma questão de oportunidade, nem quero pensar na possibilidade que lhe possa acontecer algo de mal: seria um crime de lesa-pátria, perder um homem com as suas qualidades, que ninguém ouse levantar um dedo para ofender a sua integridade física.

Para não dar razão aos críticos, há que fazer um esforço (como, aliás, já aqui defendi, logo após o 12 de Abril) de reintegração de todos elementos das FA que regressaram às tabancas por não se reverem nas recentes orientações hierárquicas. Essa seria a melhor prova de força e de pacificação que poderia ser dada à sociedade, uma verdadeira unidade funcional da tropa, independente de etnias e olhando apenas ao mérito!

Respeitar a Guiné é começar por respeitar aqueles entre os guineenses que têm valor.

Kil ki di nos tem balur?

Balantização das FA

Em comentários a um post aqui publicado, prometi debruçar-me sobre este tema, que embora recorrente (e de longa data), parece estar a ser renovada e insistentemente apontado como fonte de todos os males da Guiné-Bissau (quem não quer cozinhar, vai ao restaurante, ou compra comida enlatada; quem não quer pensar nos verdadeiros problemas da Guiné, recorre a um bode expiatório...)

Mas Victor Gomes Pereira antecipou-se, no seu editorial nº 9, publicado no site do Didinho (link na barra lateral à direita). Muito daquilo que tinha para dizer ficou dito. Apenas, a essas ideias, seja-me permitido acrescentar:

Alguém concorda com o sistema racista das «quotas», que tanto desprestigia os Estados Unidos, disfarçando mal o mal-estar xenófobo económico-social, que (supostamente) serve para exorcizar? Não vamos tirar o lugar aos mais competentes: a competição e o mérito devem surgir por si, não por esse género de «favores», piores que cunhas, por serem baseados em princípios étnicos, ou de género.

A ocupação de lugares proporcional ao que quer que seja (até porque há sempre múltiplas tipologias transversais: raça, sexo, religião - imagine-se o trabalho que daria definir quotas cruzadas por essa diversidade toda) é uma barbaridade incompatível com o orgulho próprio e o reconhecimento do estatuto socio-profissional devido ao titular de um cargo ou função. Os incompetentes que roubarem o lugar a outros graças a esse expediente serão sempre vistos como uns coitadinhos.

Só o esforço próprio, contra todas as adversidades e arbitrariedades, poderá qualificar e dar um exemplo identitário ao sujeito e à própria sociedade, tornando-se um digno motivo de orgulho, para si e para os seus, aos olhos dos outros. Permitam-me que sublinhe ainda duas coisas que considero importantes:

a questão da vocação: o balanta está bem preparado para a guerra, devido a intensos exercícios físicos desde jovem, à cultura da Guerra de Libertação (com uma actualização em 1998-99) dos seus mais velhos, traduzida em experiência e manha; no entanto, é preciso dizer, em abono da verdade, que nunca dará um bom soldado; um óptimo guerrilheiro, sim, mas um soldado obediente e disciplinado, nunca.

a questão da reprodução como «casta»: assim como há castas de comerciantes, de pais para filhos, só o mundo «moderno» e pseudo-científico vê nisso um problema; numa sociedade tradicional, parece ser antes uma forma eficiente não só de manter e aperfeiçoar a vocação e o know-how, como de reforçar os laços no seio da família.

Importante: o facto é que as FA são o principal alicerce dos muito abalados e delapidados orgulho e identidade nacionais; porque não pensar em promover «o produto» para exportação? Não forçosamente o aluguer de mercenários; comece-se pelo contexto regional... Sugere-se desde já à CEDEAO que, no Mali, coloque de lado os oficiais franceses e entregue o trabalho aos guineenses (já estou com pena dos secessionistas).

Levando ao extremo a ideia da «correcção» do desequilíbrio, o ideal para obter um exército disciplinado, seria contratar 100% de quota de fulas (mas esses estavam do lado «errado» na guerra de Libertação - tendo optado em 1998 por uma complacente neutralidade), o que também não seria má ideia, se fosse exequível.

Não é solução: o exército guineense é bom (faz a inveja, entre outros, dos angolanos, o próprio José Eduardo dos Santos o confessou subliminarmente ao referir-se, em Junho último, no calor da disputa MISSANG, ao «mito» de invencibilidade que grassaria no exército guineense) há sim que aplaudi-lo e dar graças a Deus pelo prestígio, fortaleza e unidade das FA e dos seus mitos.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Situação tensa e perigosa em Bissau

Calma apenas superficial.

A ANP declarou-se soberana, reconheceu a alteração da ordem de 12 de Abril, legitimou o instrumento «legal» utilizado: este pacto com os alegados «golpistas» vem reduzir ainda mais o espaço político de manobra do pseudo-governo no exílio.

Numa curiosa conjuntura, em que os militares golpistas, ao contrário de um golpe de estado convencional, NÃO querem o poder, nota-se o mal-estar entre os «políticos»: o problema reside no próprio PODER e como aceder a ele; quem tem legitimidade?

O problema não está no Chefe de Estado Maior, nem sequer em quem é acusado (justa ou injustamente, agora não interessa) de o querer tramar. Para o bem e para o mal, representa o último verdadeiro pilar da nação, as Forças Armadas.

Fosse a classe política, na Guiné, tão boa como a castrense. Essencialmente, o ajuste de contas que parece preparar-se não faz sentido, arriscando-se a traumatizar o pouco que sobra da sociedade guineense... Aprofundar a ferida pode ser sem remédio.

Não será chegada a hora de uma verdadeira reconciliação, de se sentar toda a gente à mesma mesa? Há que lançar uma vasta amnistia, ultrapassar o passado, aceitar um novo começo, novas regras do jogo! A Guiné já pagou um preço exorbitante pela diversidade!

Não é hora para deixar encalhar a canoa. É preciso refundar a Guiné-Bissau, redesenhar o Estado, reencontrar uma legitimidade nacional suficiente que se sobreponha aos interesses particulares e razões étnicas, um PODER também social e economicamente competente e eficiente.

É mau princípio remeter essa decisão para eleições, esperando que o mito europeu da democracia se revele adequado (depois de múltiplas provas em contrário). Esperemos antes que surja uma liderança política forte, que prometa e dê garantias de paz, progresso e orgulho.

Todos fazem parte da solução (até Cadogo, porque não?), felupes, balantas, fulas, mandingas, gentios, cristãos, de fato e gravata ou de tanga, vermelhos, verdadeiros filhos do chão ou não (e até tugas!): os cabelos de todos estão contados, nem um deve cair por terra!

Chega de ver a identidade guineense ofendida, humilhada. Há que varrer a casa, não tolerar mais os erros do passado. E para varrer a casa, começa-se pelo sótão: é pelas mentalidades (pelo sentimento da rua, pela opinião dos mais velhos, pelo boato, pelo rumor, pelos blogues).

Chega de «coitadeza», desse morno sentimento de inferioridade legado pela decadência tuga. A grande diversidade guineense não é um problema, é um desafio. Não deve ser encarada como uma ameaça, mas como uma oportunidade! O mau exemplo vem do Mundo.

Sim, que infelizmente, é esse o caminho, sem regras, cada vez mais «tribal» e violento, a que a falência do liberalismo desenfreado (já sem oposição depois da queda do Muro) nos conduz. Mas estarão os guineenses destinados a servir de paradigma aos piores defeitos do mundo?

A alternativa poderia ser criar uma verdadeira ruptura epistemológica, dar um exemplo de convivência e tolerância (de que o mundo tanto precisa), mostrando como a diferença pode ser enriquecedora: pela cultura podemos aprender outras formas de sentir as coisas.

Reconhecer o outro na plenitude da sua diferença, não nos diminui em nada, só nos engrandece. Um país que quase não se vê no mapa (não olhemos durante a maré alta), abrigar um mosaico humano tão grande é uma verdadeira dádiva de Deus em glória.

Longa vida à Guiné-Bissau e a todos os seus filhos

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Grave atentado à soberania nacional

Depois do Enxovalhanço da Bandeira, em Bissau, desta vez é bem pior: Paulo Portas, o triste MNE português (em última análise, o responsável por toda a situação), tem agora uma (alta) bota para descalçar. O seu amigalhaço de Luanda não gostou de uma notícia vulgar (não percebe mesmo nada de política, porque senão, depois de ler o Expresso e as «luvas» que puseram para o redigir, devia ter reparado que o caso iria envelhecer nas «prateleiras»: «fase de investigação apenas» ou «nenhuma medida tomada» ou os suspeitos poderem «continuar a movimentar as suas contas»), apressando-se a elaborar uma teoria da conspiração, num caso em que o silêncio era de longe a atitude mais aconselhável (acabadas as eleições, foram dispensados os consultores de imagem). O eixo Lisboa-Luanda rompeu? (terá sido a fractura tectónica pelas latitudes de Bissau?) Estão a dar ao mundo uma má imagem da CPLP... (que anda envolvida noutras guerras).


Disfarçado sob a capa das amizades íntimas estabelecidas por este governo, o mal-estar estrutural das relações luso-angolanas fica assim bem patente. É a natureza perversa do «protocolo» que está na base da paranóia publicada por Luanda: julgará o Jornal de Angola que Portugal é um protectorado de Angola? Que o dinheiro é suficiente para tudo comprar? Que podem ofender assim, para além das instituições da República, cidadãos portugueses em particular e a nação em geral? É que o referido pasquim, o Jornal de Angola, é tido por órgão oficial do país, para além de ser o único com tiragem diária. É um acto grave, a frisar o hostil, exigindo uma reparação rápida e consistente. Quem esperam ameaçar (ou melhor, tomar por reféns)? Os portugueses que trabalham em Angola? Precisam mais deles em Angola que os portugueses deles em Portugal: cozam-nos com batatinhas, como fizeram em 1975.

A quem cabe a resposta, do lado português? À PGR? Ao presidente da república? Ao MNE? Depois de uma escalada gratuita destas, terá forçosamente de ser uma coisa à altura. E o melhor é mobilizar já a Força de Intervenção Rápida, mandá-la para o largo de Cabinda, porque temos muitos cidadãos em Luanda, havendo que garantir a sua segurança (ou não foi esse o princípio aplicado em Bissau?).

Agora na minha humilde opinião, embora as «elites» portuguesas não estejam isentas de culpa, o problema, neste caso específico, é mesmo das «elites» angolanas: o caso, para além de uma imensa falta de tacto, é altamente revelador da senilidade que atinge o regime angolano: a descolagem da realidade faz lembrar os discursos do Xá da Pérsia no fim da década de 70: prenúncio de derrocada?

Espermatugazoide II

Afonso de Albuquerque, capitão da guarda de Dom João II, foi para a Índia com a intenção de cumprir os desígnios, não de D. Manuel (o qual, venturoso, herdara a coroa), mas da própria nação, concretizando o sonho (apenas) de um plano imperial. Tentou, por todos os meios, criar uma elite local, que falasse português e assumisse uma verdadeira e positiva miscigenação, potenciadora das férteis experiências civilizacionais dos dois povos, o português e o indiano.

Deste feliz cruzamento, logo resultou um belo estilo artístico, conhecido por indo-português, e talvez mais frutos não tenha gerado devido à infeliz intervenção da inquisição. Este era o verdadeiro sonho português: não se limitava a «mostrar o mundo ao mundo», mas mostrava-se inquieto de dar o exemplo na prática. O português tem muitas anedotas sobre o mestiço, todas tentando disfarçar o inegável orgulho que o português sente por ser pai dessa invejável «raça».

Mais do que o mundo, e, dele, as riquezas transaccionáveis, o sonho português aspirava à universalidade, concebida como o contrário do tribalismo. Isso era também uma crítica à Europa desse tempo, comprometida e exausta pelas guerras ainda feudais. Ora isso implica um profundo respeito pelo outro, que estava presente nos primórdios da colonização portuguesa, respeito que nunca alimentaram holandeses, ingleses e franceses, para quem o indígena é sempre inferior.

Este é o dilema essencial do colonizador: supostamente, o atrasado (social, mental, industrial) estaria (desesperada e essencialmente, acrescente-se) à espera dos seus bons ofícios. Se a «civilização» serviu de legitimação para o colono, essa ingénua e altruísta motivação opunha-se, quase por definição, à vontade de domínio, a qual acabava sempre por se sobrepor; esse antagonismo, exarcerbado por factores económicos, prejudicou a sã convivência multi-racial.

Mas não era ainda esse o espírito, nos inícios de quinhentos. Para o demonstrar, bastaria invocar a troca de embaixadores com o reino do Congo, com a admissão em Coimbra (a elite portuguesa) dos príncipes congoleses, vindos expressamente, com todas as honras, para aprender o português, com o objectivo de virem a servir como futuros mediadores. Essa ideia generosa e universalista viria a ser rápida e inteiramente corrompida pelo poder do dinheiro, que o tráfego mundial gerava.

P.S. Continua. Tenho muito mais a dizer sobre o assunto, mas tem de ser devagarinho, porque tenho de organizar as ideias. Continua brevemente (vai ter mais umas tantas partes).

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

PAIGC para o museu que Cabral está no Inferno

Citação de uma irritação justificada: 

«Querem ter lucros e direitos de monopólio colonial! Será que até agora não acertaram o passo com o mundo? Continuam agarrados aos sonhos quinhentistas? Dão-se mal com a democracia? Acautelem-se, porque os sinais de aviso são muito graves dentro da própria sociedade dos vossos patrões, dentro da vossa metrópole»

(vide Doka - um dos 3D's da Guiné, link ao lado direito)

Frase que resume o essencial. Assente-se o passivo; logo lembraremos também o activo (em Espermatugazoide II ou III - em preparação). Já se adivinhou, claro, os destinatários da mensagem... Claro que há uma pequena injustiça (quando se fala de «sonhos quinhentistas», pois esses eram belos, ecuménicos e multiraciais), mas compreende-se o sentido, no contexto da libertação.

Espermatugazoide - Assimilados ou Burmedjos? Parte I

Conta uma fábula que uma vez houve uma guerra entre os animais da terra e do céu. Enquanto parecia que os do ar estavam a ganhar, lá andavam os morcegos a esvoaçar, gritando e apoiando o ataque. No entanto, veio a acontecer que os da terra recuperaram terreno e acabaram por ganhar; no fim da guerra, aquando do ataque final contra os últimos ninhos de resistência, viram-se os morcegos na frente de combate, do lado dos da terra, dando vivas sobre as patas e tentando disfarçar as asas o melhor que podiam. Claro que os bichos não eram parvos e criaram um tribunal para julgar o caso, que condenou, para sempre, os morcegos a só poderem viver de noite.

Reparem que a condenação à escuridão não aconteceu por causa da maravilhosa capacidade de adaptação dos morcegos: em si, a polivalência é uma boa qualidade (quantas espécies não se extinguiram por estarem demasiado dependentes de certas condições ou nichos particulares? quantas firmas ou mesmo países não faliram por estarem dependentes de um único comprador ou de um único produto?); o que tramou os morcegos foi terem utilizado essa competência para tentar enganar os outros. Em português há um provérbio (ou melhor, uma única palavra utilizada como epíteto) que ilustra bem a atitude dos morcegos neste caso: «vira-casacas».

Parece que, na origem da expressão, terá estado um aristocrata alemão, o qual, vivendo numa zona de conflito, com avanços e recuos de ambas as partes, terá mandado fazer, a um alfaiate, um casaco com a particularidade de ser «retro-verso»: quando vinham os soldados de um dos lados, era azul, quando vinham do outro, também não havia problema, virava-se o casaco, ficava vermelho. Esperto. Se calhar safou-se melhor que os morcegos, mas o acto ficou-nos plasmado na língua e no espírito como pouco deontológico (se bem que muito comum). Também em Angola, em 1975, a maior parte da população era multi-filiada, com cartões de vários partidos (em bolsos diferentes).

(Continua)