Fechou-se a tenaz. O território está selado. A ameaça paira. Será que agora José Eduardo dos Santos já se apercebeu do que o espera? A sua oposição, sim. Já exigiram a comparência no Parlamento, do Ministro que teve o triste comportamento em Bissau. Cheira-lhes a sangue. Bem sei que não é o de JES, como desejariam (ou da sua família: porque não manda para estas coisas os sobrinhos e afilhados? ...pensam os angolanos), mas a humilhação internacional parece motivo suficiente para rufarem os tambores, depois da cagança que a nomenclatura quis ostentar... Entradas de leão, saídas de palanca. Claro que o referido Ministro, bem como o Embaixador, acabarão por pagar com o cargo: desde já uma nota de desagravo; de simples vítimas da situação passarão rapidamente a bodes expiatórios.
A libertação do cidadão guineense (retirado do seu domicílio na Quinta-Feira e retido pelo Comando Militar) tão insistentemente solicitada pela comunidade internacional parece estar por um fio: condicionada apenas, claro, a uma pequena formalidade: a sua demissão; de um cargo que desonrou e de outro para o qual já não tem qualquer legitimidade, traduzindo nesse acto o saneamento tranquilo de uma situação na qual tem grandes e iniludíveis responsabilidades. Julgo que, nesse caso, em vez de lhe designar residência compulsiva ou de o proibir de deixar o país (também, como?), a sua experiência deveria ser reconhecida e ser convidado para Ministro (parece que não vai haver disso no novo regime, apenas Comissários) da Educação ou da Saúde; seria uma outra forma de dar um sinal ao exterior de coesão interna; e Cadogo deveria pensar seriamente na proposta, neste momento a Guiné precisa de todos os seus filhos.
Já a actuação de Portugal não está ainda completamente comprometida. A colagem a Angola parece ter sido desmentida pelas declarações extemporâneas do Primeiro-Ministro, à hora do almoço, garantindo que não está implícita nenhuma ameaça, no envio da Força (então para que a enviou?). Acordou agora, caro Primeiro? Também o Almirante Melo Gomes, com o saber de experiência feito (estava no porto de Bissau em 1998) insistiu em frisar que está fora de questão qualquer intervenção activa. Senão iria parecer que na tropa, contentes com a oportunidade para demonstrar a sua «utilidade» e contrariar o downgrade de 40% no respectivo orçamento, se tinham apressado a dizer que sim, sem saberem muito bem a quê... Os camiões que se viam passar numas imagens da televisão portuguesa, com peças de 85mm atreladas, não andavam a passear-se para serem filmados à sucapa de um segundo andar... Não queiram experimentar a pontaria dos guineenses pois os últimos que o fizeram, os senegaleses, deram-se mal.
Depois da inoportuna diabolização de um avião de transporte, eminentemente «civil», como o Orion, transformado pela propaganda desadequada de Paulo Portas num terrível avião-espião, não se confundam relativamente a uma suposta «abertura» do espaço aéreo: isso refere-se apenas à normalidade que se pretende conservar em Bissau, no sentido também de não prejudicar a TAP, que é uma companhia comercial (e tem nessa carreira uma linha bastante lucrativa); dificilmente essa «abertura» pode ser entendida como beneplácito para voos não autorizados por quem de direito. Portanto, parece um risco inconsequente tentar fotografar as posições da artilharia guineense, pois primeiro, felizmente, ainda há muita gasolina em Bissau (ainda ontem abriu um novo posto de combustível) e podem sempre ir mudando de localização, e além disso os guineenses não acreditam em OVNIs, ou seja, se insistirem em tão insensata «missão», estejam alerta, com os flairs na mão, não vão os guineenses ao Museu da Guerra Colonial e descubram algum Strella não muito podre; ah, e se virem um MIG, não se assustem (muito), porque em princípio, segundo informações com mais de dez anos, os guineenses não têm nada para o armar (a não ser que as providências junto da Ucrânia por parte do Chefe de Estado Maior da Força Aérea, à época da Junta Militar de Ansumane Mané, no sentido de colmatar essas carências, se tenham revelado frutíferas). Por via das dúvidas, recomenda-se aos tripulantes que se untem bem com repelente, pois o ambiente é um pouco hostil: a terra está cheia de canibais, os rios de crocodilos e o mar de tubarões. Consulte-se também, já agora, o breve apanhado de armas e munições que os russos deixaram, publicado ontem na internet,
http://movv.org/2012/04/16/estado-das-forcas-armadas-da-guine-bissau-exercito-marinha-e-forca-aerea/
Uma coisa são as missões de Paz a que o exército português já se habituou, isto não é bem a mesma coisa...
Agora não há mais nada a fazer senão desenganar o recém constituído galifão da política internacional acoitado nas necessidades... Não faz qualquer sentido o pretexto apresentado de «salvar os portugueses» (o repórter da RTP bem tenta fazer-lhe a vontade, incentivando as pessoas a irem ao Consulado, mas não viu nenhuma por lá, só estava mesmo ele... aliás, a reportagem efectuada a esse propósito foi esclarecedora: ninguém quer ser «salvo») porque não vai à televisão e explica aos portugueses o que está realmente em jogo? É tabu? Há na Guiné um ditado que diz: Ku mati garafa na jugu di pedra, s'i ka kebra ki misti? Também é válido, claro, para Angola; traduzindo a moral da história: não te metas nas contendas alheias, pois mesmo sem motivo, podes magoar-te. Sr. Ministro: se Angola tinha um problema grave nas mãos, não valia a pena ir-se lá inscrever para o castigo, arrastar todo o país com o seu masoquismo. País que anda a mendigar pelas instâncias internacionais não abre assim o erário público a despesas militaristas, aventureiras... e inúteis (esperemos que o bom senso dos militares prevaleça e não se tornem desastrosas).
Na boca ficadu i ka ta entra mosca. O Ministro dos Negócios Estrangeiros português não apenas caiu numa «armadilha» ao «unir» os seus esforços a Angola «na procura de uma solução»; como falou demais quando a situação aconselhava contenção, discrição e, sobretudo, distanciamento de Angola. Agora é tarde e já está «agarrado à carroça» ou «pregado na cruz»: tem uma Força de Inacção, Lenta e inutilizável, que vai ficar a coçar a micose em Cabo Verde. Um navio mercante, desarmado, mas com gente decidida, teria um valor muito maior, neste contexto: que o diga o senhor Almirante. Talvez valha a pena pensar em carregar um cargueiro com comida não perecível e água engarrafada: para além de eventualmente poder servir para aliviar minimamente uma sempre possível crise alimentar, sempre me parece um pretexto melhor (e infinitamente mais barato, acrescente-se) para ter ali à mão, com a vantagem de ser considerado um gesto de boa vontade, impedindo a espiral gratuita de promessas violentas a que se tem assistido; nem é preciso ir roubar a comida aos pobres, ou ao Banco Alimentar, apresente a conta ao seu amigo angolano, que o meteu nesta embrulhada. Quem não pode ser leão, não lhe veste a pele.
Dizem que o caranguejo anda para trás... mas é impressão. Do cardápio comunista constam algumas bocas interessantes, no campo da estratégia: uma delas é decerto que, às vezes, «é preciso saber dar um passo atrás, para poder dar dois à frente». Kakre, caranguejo são signos do Zodíaco, cancer, mas é a designação guineense que mais se aproxima de cancro. A Guiné já foi uma vez um verdadeiro cancro para o exército (e para o regime) português. É que os guineenses podem ser pobres, mas são tenazes.
Há 4 minutos
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