segunda-feira, 29 de abril de 2013

Futuro dirigente

O último nexo que fiz para um blog, aqui no painel de ligações do lado direito, foi para o Progresso Nacional, um colectivo de jovens cheios de boa vontade, que estão a preparar-se para revolucionar a informação sobre a Guiné na internet. Prometem notícias on-line e in-loco, para além de seriedade e honestidade, e embora tenham começado há pouco mais de três meses, o seu entusiasmo parece estar a recolher a adesão de muita gente.

Apenas para propagar (não esquecendo a fonte, claro) um dos contributos para um desafio que lançaram «Futuro - Dirigentes», do Neivaldo Lima, com o qual concordo plenamente.

«Boa noite a todos,


Na minha humilde opinião, e tendo em conta o estado em que o pais se encontra, fruto da não governança, da incompetência ou da má fé dos sucessivos dirigentes e políticos que temos tido desde a independência aos nossos dias, é de que umas das soluções para estancar a hemorragia interna, seria que o pais fosse dirigido por um grupo de tecnocratas sem filiação partidária, por um certo período (...).

Pessoas com provas dadas a nível internacional, pessoas que não têm telhado de vidro e que por isso não hesitarão em atirar pedras ao vizinho se necessário, sem medo de represálias, pessoas cujo o único compromisso seja para com o povo da GB e cuja missão seria a de reformar e organizar o Estado da Guiné-Bissau.» .

Nesse sentido, também eu sonhei com um elenco de luxo, utilizando apenas candidatos já nomeados no PN, no âmbito deste «exercício de cidadania»:

PR - Daba Na Walna
PM - Carmelita Pires
CEMFA - Melcíades Fernandes

Tomei a liberdade de acrescentar alguns ministros

Didinho - Negócios Estrangeiros
Silvestre Alves - Justiça
Filomeno Pina - Saúde
Filipe Sanhá - Educação

Concordo com vantagem da proposta de Miloca Sambu, seria um grande trunfo no âmbito internacional, capaz mesmo de gerar uma onda de simpatia, pela «Mulher sem Medo» que ousou desafiar os traficantes de droga como Ministra da Justiça, evidenciando assim a firme intenção de o país lavar não só as mãos, mas também a cara.

PS Acrescento que este artigo é apenas um exercício de imaginação quase «privada», portanto os nomes propostos são-no sem autorização dos(a) nomeados(a), visando demonstrar como não é difícil encontrar, fora do círculo dos grandes partidos de clientela fixa, quadros à altura de um grande desafio como aquele que se impõe actualmente à Guiné. Por muito absurda que possa parecer a minha proposta, é o meu contributo, com os desejos, do fundo do coração, que o futuro prove que afinal, todos estes padecimentos da Guiné não foram em vão. Julgo mesmo que a Guiné se encontra perante uma oportunidade histórica sem precedentes para renascer das cinzas.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Descubra as diferenças


Transcrição literal, ipsis verbis, tal e qual, sem tirar nem pôr (perdoem os múltiplos pleonasmos) dos dois excertos da entrevista de Rusty Payne, da DEA, à Radio France Internacional (em português) em torno das acusações pendentes sobre:

António Injai

RP / DEA - Temos informações indicando que ele está envolvido em várias formas de tráfico e tráfico de armas, nomeadamente mísseis, tráfico de droga e contactos com indivíduos que ele acreditou serem membros das FARC, da Colômbia.

RFI - Tiveram contactos com o Governo guineense para os ajudar a capturá-lo?
RP / DEA - Não, não tivemos contactos com o Governo da Guiné-Bissau, a Guiné-Bissau é considerada como um narco-estado pelos Estados Unidos, portanto não temos cooperação com a Guiné-Bissau.

RFI - Recentemente capturaram outro militar da Guiné-Bissau, Bubo Na Tchuto. Em que condições isso aconteceu?
RP / DEA - Ele foi detido em águas internacionais num navio e pôde ser imediatamente levado para os Estados Unidos para responder às acusações de tráfico de droga e crimes ligados a esse tráfico.

RFI - Diz-se que ele foi capturado em território guineense...

RP / DEA - Só lhe posso dizer que ele foi capturado em águas internacionais e levado para os Estados Unidos.

RFI - Também se diz que Cabo Verde cooperou com os Estados Unidos nessa captura.

RP / DEA - Não, não tenho a lista de países que participaram.

RFI - Não está seguro da participação de Cabo Verde?

RP / DEA - Não, não estou. Não sei, é muito possível, mas não tenho a certeza.


Bubo Na Tchuto

RP / DEA - As acusações que pesam sobre Bubo Na Tchuto são: conspiração, narco-terrorismo, conspiração com vista a exportar droga para os Estados Unidos, conspiração com vista a apoiar as FARC, uma organização terrorista, ele arrisca-se a uma longa pena de prisão.

RFI - Não incorre em pena de morte?

RP / DEA - Não, ele enfrenta uma pena máxima de prisão perpétua.

RFI - Qual é a sua leitura da reacção do governo guineense, que se mostrou chocado com o método utilizado pelos Estados Unidos para capturar um cidadão guineense como Bubo Na Tchuto?
RP / DEA - A Guiné-Bissau é um narco-estado, há certas coisas que podemos fazer ou não podemos fazer noutros países, é por isso que esta detenção ocorreu em águas internacionais. Mas para todos os efeitos a Guiné-Bissau é um narco-estado envolvido em actividades terroristas que representam um perigo para os Estados Unidos, portanto não gozam de muita credibilidade junto de nós.

RFI - Qual é a sua resposta quando o governo guineense diz que quer que os seus cidadãos sejam julgados em território guineense?
RP / DEA - Não do nosso ponto de vista, não quando estão a conspirar contra os Estados Unidos, não quando estão ligados a organizações terroristas que querem prejudicar os EUA, não quando fazem tráfico de droga destinado aos Estados Unidos.


XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX


 Já descobriu as diferenças?


XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX



Sinto-me abusado, desta vez, quanto à interpretação feita no blog Ditadura do Consenso, da peça da RFI. Como frequentador do blog desde o início, acreditava que a honestidade do Aly não estava em causa, que estava apenas a ser um pouco tendencioso, ou sensacionalista. Agora inventar de todas as peças, para conseguir deturpar o sentido das declarações da DEA, nunca julguei que o fizesse.

É completamente abusivo colocar na boca do porta voz da DEA «tanto os seus dirigentes políticos como militares estão todos ligados ao narco-tráfico e ao terrorismo» (claro que, não havendo «aspas», não estamos perante uma citação literal, mas procure-se no texto esta interpretação fantasiosa). Tal como «é um país de narco-traficantes». Em lado algum se encontra qual a parte do texto que poderá ter dado origem a «Os EUA têm muitos meios ao seu alcance para capturar e traduzir o António Injai perante a justiça», mas o pior é que, mesmo que não estando entre «aspas», é referido como uma «resposta com convicção» aos jornalistas... idem para «salientando estarem já no terreno meios e homens para consumar a sua detenção no mais curto espaço de tempo» (neste segmento não se percebe a utilização dos negritos - para camuflar não citações?).

Aly, por favor, apaga esse artigo. Todos erramos. Bem sei que tens por política «deontológica» do blog nunca apagar nada, o que é bom, porque assim fica para a história. Mas neste caso julgo que se justifica uma excepção. Todos compreenderíamos, quem nunca se enganou? Logo a seguir apagaria também este artigo aqui, para não ficar pendurado, e não se falava mais nisso... Se manifesto a minha indignação é porque julgo que o Ditadura do Consenso deve ser considerado património nacional, e é sem dúvida uma peça essencial para a história recente da Guiné-Bissau. Mas neste momento, mal grado alguns reparos, o seu editor parece estar engrenado numa lógica alheia, da qual acaba por ressentir os altos e baixos, acabando por se tornar revelador de algum «desajustamento» face a expectativas goradas...

Estamos perante um pico de desespero de Cadogo e Companhia Mundial, ou melhor, a ponta de um iceberg... «A última oportunidade» soa a nome de código da conspiração C&CM. Cadogo foi para Cabo Verde para estar por perto e se apresentar como «salvador da pátria» porque esperava que a publicação do nome de Injai conduzisse à sua entrega aos americanos (bem embrulhadinho, claro) - a lógica destes «estrategas» da moral militar era a de que haveria rapidamente uma insubordinação na qual o CEMFA seria traído e capturado, ou teria uma oportuna morte em funções (para não dizer em «combate»), pois não passaria pela cabeça a nenhum «soldado» resistir aos americanos.

Pelos vistos o «cataclismo» que atingiu a Guiné-Bissau foi forjado, com grandes quantidades de boatos e contra-informação. Nem quero pensar nesse cenário, pois teria sido mesmo muito mau, com a força da CEDEAO a assumir «temporariamente» a segurança (enquanto se esperava por uma da ONU, sim, sim) tchau soberania, e para sempre. Cadogo passaria a ser um palhaço da situação e a Guiné desapareceria do mapa, com muita violência pelo meio... Mas a «espera» de Cabo Verde saiu gorada e Ramos Horta apercebe-se de que já ninguém quer Cadogo na Guiné... usurpando-lhe assim a «coroa» e o slogan: apresenta-se como salvador da pátria, apenas para cair imediatamente com o próprio Cadogo, sendo rapidamente desmascarado como agente encoberto dos actuais donos da CPLP, deitando fora todo o trabalho que vinha desenvolvendo ao serviço da ONU. Recomenda-se à entidade empregadora, em dificuldades financeiras, a sua transferência para a China, para que possa aprender o idioma local antes de voltar à Guiné, sempre ficando assim mais perto de casa, permitindo à organização cortar nas despesas de deslocação.

Um último parágrafo, apenas para frisar que uma leitura atenta, a fazer «nas entre-linhas» desta entrevista é precisamente a inversa daquela que o Ditadura do Consenso nos quis apresentar, e foi isso aquilo que mais me chocou. Os americanos dizem que há certas coisas que não podem fazer noutros países (leia-se uma intervenção directa para ir buscar o António Injai) por isso insistem tanto que o Bubo foi preso em águas internacionais. De qualquer forma, não é o estilo dos americanos fazer ameaças: o que não quer dizer que não as executem (eles nunca ameaçaram prender o Bubo). Até pode provar-se, daqui a uns tempos, que o Aly tinha razão quanto aos americanos terem mais acções em preparação, mas deve afirmá-lo, sem confusões, como opinião sua e não colocando-o na boca dos outros. De outra forma, o que faz com o Ditadura do Consenso deixará de se chamar jornalismo, para passar a chamar-se desinformação, ou mesmo intoxicação. É lamentável ver o Ditadura do Consenso desbaratar assim o seu capital de confiança, é caso para lembrar ao Aly a história de Pedro e do lobo...

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Ground Zero

O senhor procurador de Manhattan não veja neste título uma provocação, pois este exprime a sincera esperança de muitos guineenses de conseguir reconstruir um novo país (tal como os EUA construíram um monumento sobre as ruínas do World Trade Center), sobre as cinzas do Estado, uma vez dissipada a névoa de pó que lhe hipotecou os destinos.

A questão não é nova e vinha sendo insistentemente denunciada por muitas pessoas. Quem quiser relembrar basta seguir os links que o Didinho deixou em comentários nas mensagens anteriores. Depois da desgraça que constituiu o assassinato de Ansumane, Veríssimo seguiu o mesmo caminho, por não ter conseguido pagar a tempo os salários aos seus soldados. Nino Vieira mostrava assim o «pau»: «querem morrer à fome?»; depois, inteligente (para o mal) como era, mostrou a cenoura, trazendo o cancro da droga para as altas instâncias do poder militar na Guiné, como forma de remunerar «discretamente» os favores relativos ao seu retorno. Mas não há almoços gratuitos...

Nino rapidamente perdeu o controlo da «galinha dos ovos de ouro», sendo a coisa primeiro interpretada como uma questão pessoal com Tagma, mas depois este irritou-se com a concorrência de outros free-lancers, que andavam a traficar debaixo do seu nariz. Até que lhe chegou a mostarda ao dito. Hoje alguns guineenses parecem ter-se deixado intoxicar por um clima de «colaboração» forçada com a América, diabolizando responsáveis militares em funções, a quem se deve a presunção de inocência, até eventual condenação em tribunal legítimo. Ora se nada disto é novo (nem sequer a ameaça dos americanos), não se percebe o porquê desta reacção de tão viva «admiração».

Mas o que pretendem agora? Entregar o Chefe de Estado Maior num embrulho aos americanos? A expatriação, neste contexto, é uma tremenda humilhação para uma pessoa, e na minha opinião, todos os guineenses se deveriam sentir solidários com António Injai. Como é possível querer expatriar alguém? A pátria, a pertença à terra, é um direito inalienável. Neste contexto, como para bom entendedor meia palavra basta, permitam-me que partilhe a lamentável história de Humberto Delgado, candidato à Presidência da República portuguesa, em 1958. Durante algum tempo encarado por Salazar como um potencial delfim, este general da Força Aérea foi enviado para West Point nos Estados Unidos. De retorno a Portugal foi instrumentalizado pela maçonaria e pela oposição para se candidatar contra o regime. O próprio Salazar parecia disposto a tolerar ser afastado do poder e a deixar o lugar a sangue novo. Até que, numa fatídica entrevista, aquele a quem chamavam «General sem Medo», cometeu o maior erro da sua vida, demonstrando mesmo, na minha opinião, que não merecia a confiança que os portugueses ingénua e esperançadamente nele depositaram: quando lhe perguntaram o que pensava fazer com o Presidente do Conselho (Salazar), respondeu: «Obviamente, demito-o».

Quem, em duas palavras, é capaz de dizer uma a mais, gratuita e desnecessariamente, não merece governar. Foi precisamente o que achou Salazar e foi por isso que tratou de viciar as eleições e afastá-lo do poder. Para além disso, há uma regra de ouro: não se humilha quem ainda está no poder. Salazar poderia, no fundo da sua alma cristã, ter aceite o «Demito-o». Para que foi o «Obviamente»? Já não tem a ver com a história mas vem igualmente a propósito a forma como morreu o General, que se tivesse Medo (ou fosse mais desconfiado e matreiro) talvez ainda pudesse estar vivo, como o Manuel de Oliveira: foi atraído a uma armadilha, em Espanha, na fronteira com Portugal, onde agentes da PIDE o abateriam, bem como à sua secretária brasileira.

Permito-me especular, como exercício meramente académico: mesmo se admitíssemos (não vou acrescentar «pelo absurdo») que o senhor General Injai esteve realmente conscientemente implicado nalgum caso de proventos com origem em facilidades concedidas no âmbito do tráfico de droga, não lhe poderá servir de atenuante o ter eventualmente utilizado parte desse dinheiro para pagar despesas dos quartéis? Neste momento, parece-me que a solução terá de ser ferranhamente (evitámos o ferozmente) endógena, convencendo os americanos de que os guineenses são capazes de varrer a casa sozinhos, dispensando «ajuda» (evitámos utilizar «ingerência») externa, dando rapidamente provas dessa boa vontade com uma verdadeira refundação do Estado.

Quanto aos métodos utilizados pelos americanos, são no mínimo discutíveis. À luz do direito português, por exemplo, são ilegais as armadilhas como meio de produção de prova, ou seja, criminosos seriam, neste caso, os agentes americanos que montaram toda esta tramóia. Atente-se em pormenores que saíram à luz como a «oferta de fardas para o exército»: aqui já não estamos perante métodos «pouco ortodoxos» mas simples má fé. É como colocar um prato de comida à frente de um esfomeado, dizer-lhe que é proibido comer e ficar à espera que morra de fome por questões éticas e morais. Se não fosse trágico, poder-se-ia achar engraçado perguntar aos americanos, face à sua disponibilidade em meios ultra-sofisticados, porque não controlam as origens do tráfico, ou o fazem em águas internacionais. Um avião para atravessar o Atlântico leva umas boas horas, dando claramente tempo para ser interceptado e seguido para fiscalização, em caso de suspeita, quiçá por drones especializados nessa função, que se «agarrariam» ao avião como «lapas».

Imaginando, num golpe de sorte, apanhar dois coelhos de uma cajadada, os americanos tiveram de se contentar com uma coxa de coelho (que de si era um pouco coxo). Mas parecem querer manter a pressão, pela classificação de «traficante» oficialmente atribuída agora a Injai por um (sublinha-se) procurador (e não Juiz), supostamente baseadas em confissões de Bubo. Mas aqui lembramos que os Chefes dos Estados Maiores da Marinha e da Força Aérea já estavam indiciados há bastante mais tempo, só agora se tendo cumprido a ameaça. Depois dos acontecimentos na Somália, parece-me que a visão geo-militar americana não concebe operações convencionais em solo africano (excluindo obviamente, pelos vistos, operações encobertas). O que não quer dizer que não usem vias diplomáticas, recorrendo a organizações sub-regionais, como parece ser neste momento o caso, havendo quem sugira que o discurso americano implica uma ameaça para a CEDEAO, de esta se ver desautorizada, no seu próprio terreno, por uma intervenção americana, (talvez oportuna, para mostrar aos franceses, em retirada do Mali, que também têm uma palavra a dizer no continente; ou mero bluff?).

Suspeita-se que os vários CEMFA que anunciadamente se preparam para aterrar em Bissalanca venham imbuídos dessa missão. No entanto, que vão pedir ao seu congénere guineense? Que se exile? O senhor General, caso pense em aceitar alguma proposta mais generosa, não deve deixar de acautelar a continuidade da sua função no âmbito do Comando Militar, assegurando a passagem do seu «bastão», último bastião da Nação. Esta saberá ficar-lhe grata se, num gesto de generosidade, considerar afastar-se tranquila e humildemente, para evitar mais sobressaltos, tratando depois de defender por vias legais a sua honra ofendida. Fora das «negociações» parece-me que deve manter-se a questão da integridade da soberania, que, por princípio, não é partilhável com forças estrangeiras, que vieram com a missão formal de proteger as personalidades de transição. Dava um palpite: que Daba vai estar à altura; chegados a uma encruzilhada, não é hora para deitar fora aquilo que se começou. Deve-o ao futuro, aos jovens guineenses, que esperam uma defesa intransigente dos direitos aos seus recursos minerais (parece pertinente, a este propósito, a comparação feita com Noriega: depois de ter sido um menino querido dos americanos, quando puxou a brasa à sua sardinha - canal neste caso - aos interesses do seu país, aí a porca torceu o rabo, sendo rotulado de narco-traficante e rapidamente deposto pelos seus ex-patrões da CIA).

A «falta de comparência», nesta altura, no país, do Presidente da República, ou a má prestação ( e o mau gosto) de Fernando Vaz chamando ao seu próprio país «última nação do mundo», não enfraquece, de forma alguma, a posição negocial do Estado-Maior guineense. Também a recente atitude dos dois maiores partidos, que parecem ter entrado em negociações, parece ser construtiva, no sentido de se entenderem para apoiar uma solução de transição e evitar a dissolução do Estado. Já aqui defendi no blog que, na minha opinião, o estado de excepção (renovado, neste caso) deveria prever a concentração momentânea do poder civil com o militar. A Guiné não é muito grande, segundo dizem não há lá Estado, só tropa, portanto essa realidade deveria, como já defendi aqui há um ano, ser assumida pelo Comando Militar, reunindo as figuras de Presidente e Primeiro-Ministro, mas responsabilizando-se «operacionalmente» e pessoalmente por um «caderno de encargos» político, num espaço relativamente curto. Parece a melhor garantia relativamente ao muito trabalho que há para fazer: uma nova constituição para o desenvolvimento, que contemple umas Forças Armadas fortes e capazes de defenderem o país e garantirem a segurança nacional e o continuado respeito dos países vizinhos, que alicerce uma aposta no mérito e na competência e não na inveja, o envolvimento e participação de todos no progresso social e económico, um apelo à diáspora para um retorno ao país, um apelo, consistente pelas suas garantias de estabilidade, aos investidores para confiarem numa nova fórmula e «pacto de regime», que faria da Guiné um paraíso à face da terra e onde todos teriam reconhecidamente o seu valor na diversidade. Está na hora de recomeçar do zero!

Djarama

P.S. Que quereria dizer Cadogo com «a última oportunidade para a Guiné», expressão depois retomada (para evitar dizer usurpada) pelo representante da ONU? Estaria a falar do desaparecimento «jurídico» do país? (em espírito, soou quase a «físico» - perdoem-no, ainda não ultrapassou o trauma da rejeição de que foi «vítima») Para quem se auto-intitula Primeiro-Ministro em exercício, é caso de traição! Para além de ter sido o principal responsável (pelo menos moral - porque não pensam os americanos em incriminá-lo?) por toda esta situação, no sentido de ter sido quem esteve melhor posicionado para lidar com o problema, com toda a legitimidade adquirida nas urnas: mas que se enredou numa teia de condescendências as quais rápida e previsivelmente se transformaram num beco sem saída. Há um provérbio que encena uma prostituta veterana dirigindo-se a uma novata e desculpem o vernáculo: «_Ó filha, puta por um dia, puta para o resto da vida.» O que parece ser preciso, na Guiné, é precisamente o contrário: seriedade e honestidade intelectual, bem como a necessária firmeza para as sustentar.

Mais lenha para a fogueira

Como afirma um comentário ao anterior post, também me parece que o blog Ditadura do Consenso tem vindo a perder a sua imparcialidade, assumindo cada vez mais uma orientação de actor na cena «política».

Como todos os guineenses insatisfeitos com a realidade actual, fruto de quatro décadas de regime PAIGC, não estou a dizer que essa vocação «política», que chegou a assumir contornos de intenções de eleição presidencial, seja má. De forma alguma! Mas há que saber distinguir os papéis.

Aly: sabes que respeito o teu trabalho e admiro a tua coragem, e só por isso me atrevo a estes reparos: pareces apostado em seguir o persurso de Paulo Portas, que abandonou o jornalismo pela política. Eu também trabalhei para o Independente (não num lugar tão destacado como o teu) e já manifestei neste blog o que acho sobre isso: nós, portugueses, perdemos um bom jornalista e ganhámos um mau político.

Quem se mete em política «activa» (ainda para mais na actual Guiné-Bissau), acaba invariavelmente com as «mãos sujas». Compreendo que o «media» é um blog e não um jornal ou revista, deixando-te portanto margem de manobra para fazeres dele o que bem entenderes. No entanto, por respeito pelo teu próprio trabalho, julgo que não deverias «jogar» nesse «tabuleiro».

Uma solução talvez pudesse ser manter uma linha de imparcialidade e objectividade jornalística no Ditadura do Consenso, e abrir outro blog desdobrando essa tua vocação, onde poderias dar aso às tuas emoções e fazer actividade «política». Ocorreu-me «Democracia da Divergência», que daria um bom título...

O que já não posso é concordar com esta maneira de utilizar a tua reconhecida e merecida capacidade mediática, com a manifesta intenção de tentar criar um clima de tensão política, fazendo apelo à opinião pública mundial (já não só guineense), para uma intervenção em solo guineense, o que não me parece adequado às circunstâncias actuais. Para quê acirrar mais os ânimos?

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Perigoso megalómano

«Eu nem gosto de falar disso porque o povo reagiu em função das suas necessidades. Nós, como somos um partido democrático e que já enfrentou sérios desafios, entendemos que o povo da Guiné-Bissau não devia ser confrontado com outras situações» (ver blog Ditadura do Consenso - hoje um pouco atrasado na difusão das notícias). Cadogo diz que nem gosta de falar... mas vai confidenciando. A maior parte das verdades, que entretanto se souberam, vieram porque esta comadre se zangou com a vida.

Eu, o povo, nós, o partido... E é sempre o homem que fala e opina (e «manda»), tudo uma mesma pessoa. E este fim-de-semana, teve uma grande apoteose na conferência para decidir o futuro do «seu» país, apresentado como uma «grande» vitória contra os desígnios da maléfica CEDEAO, a qual terá sido «obrigada» a enveredar por um diálogo «inclusivo». Como é possível querer apresentar as coisas precisamente ao contrário do que foram! Mas os guineenses não se deixam intrujar, sabem muito bem que quem se recusava a negociar era a CPLP, Portas e Cadogo, que se enclausuraram a si próprios numa posição autista e sem saída, que agora querem esconder virando o bico ao prego.

Cadogo parece pensar que se aproxima um desenlace e joga forte, sacando um «trunfo» da manga, documento da Presidência da República (do tempo de Malan Bacai Sanhá - será verdadeiro? ou um embuste do photoshop? o Presidente já cá não está para desmentir) que Injai terá assinado para se livrar de responder por desobediência ao então CEMGFA seu predecessor, na altura, Zamora - terá sido ele a guardar cópia do documento (ou mistificação) como forma de futura defesa? porque, se bem me lembro, os comunicados, na altura dos factos, mostram um Zamora ultrapassado e confundido com a sua desautorização relativamente às apreensões do Lamu Star (e não esquecer, no actual contexto, que Zamora era o menino bonito - peão - dos americanos) e não queria correr riscos futuros como os incorridos por Bubo.

Cadogo parece apostado na intriga interna e na subversão das Forças Armadas, tentando dividir o Comando Militar, numa aparente estratégia de ruptura hierárquica, sem considerar os inúmeros perigos que poderão advir de um colapso de comando e de o poder cair na rua. Ou seja, para este pária, não interessa todo o mal que possa fazer à Guiné-Bissau, desde que aumentem as suas possibilidades de voltar ao poder.

Nunca mais conseguiria lavar as mãos! E engana-se nas suas expectativas, pois, mesmo a dar-se o caso da «dissolução» das FA e de um improvável protectorado da ONU, também já não precisariam de Presidente... continuaria portanto desempregado. Já quanto a Daba, é sem dúvida um bom estratega, um bom militar, um bom porta-voz, um bom advogado. Um indispensável e insubstituível trunfo do Comando, na esperança de uma transição digna e tranquila, após estes sobressaltos sem precedentes.

Onde o Ditadura do Consenso pretende sugerir e diabolizar antecipadamente uma traição de Daba, intrigas e guerras viscerais, eu vejo antes uma transição natural, face ao cansaço e vontade já manifestada por Injai de se reformar: Daba tornar-se-ia o garante da soberania (graças à sua própria independência) da nação, único capaz de enfrentar os americanos e garantir aos agora acusados na Praça os seus legítimos direitos de defesa e julgamento em território nacional, depois de observados os trâmites protocolares, graças a um «empowerment» (para usar um termo em voga nos EUA) da Justiça guineense, lavando assim a cara da nação.

Chefe reforça chefia


«Não gosto de pronunciar-me sobre os meus subordinados. Os meus subordinados têm de respeitar a hierarquia e eu sou o Chefe» Carlos Gomes Junior, respondendo aos jornalistas, em Cabo Verde, que lhe pediam para se pronunciar sobre as acusações mediáticas de tráfico de droga a António Injai.

Patético! Salazar, depois de cair da cadeira, também julgava que continuava a governar. Senilidade e arrogância. Já quanto a autoridade, o ex-Primeiro-Ministro deve estar esquecido, ainda antes do 12 de Abril do ano passado, o primeiro do mesmo mês dois anos antes...

Não passa de um palhaço falhado, agente do neo-capitalismo mais grosseiro, que só conseguia manter o poder comprando as boas graças do General António Injai com chorudas gorjetas (isto segundo inconfidências do próprio Cadogo - o tal que não fala dos subordinados - ao Ditadura do Consenso).

Tal como vem agora confessar que afinal, tinha ganho as eleições presidenciais à primeira volta, com 54% dos votos, e que «só» terá «aceitado» falsear os resultados para manter a «paz»... isso sim, diga antes por espírito pouco probo (para não lhe chamar aldrabão) para um candidato a Presidente.

Para além da falta de seriedade e coragem, faltava-lhe também «autoridade». É que autoridade e legitimidade conquistam-se com actos, não com corrupção (estamos a falar de corrupção intelectual, que a financeira, essa, já não seria novidade).

Chefe é chefe. Presume-se que tenha assumido a chefia das conversações estrangeiras e alheias à Guiné, insistindo na sua retórica de governo no exílio que não passa de uma tremenda fantochada, ofensiva da simples realidade. Um chefe assim só pode morrer na Praia.

sábado, 30 de março de 2013

A génese de um mártir

Às autoridades angolanas, ao seu responsável máximo, o Presidente: qualquer coisa que possa acontecer ao Luaty só vai reforçá-lo. Se o matarem e fizerem desaparecer, vão nascer dez como ele; se o magoarem, ele fica mais forte; o melhor mesmo para os responsáveis, na própria perspectiva da repressão, é soltá-lo já.

Para quem não conhece, o Luaty Beirão é um corajoso rapper angolano que encarna um espírito de inconformismo e revolta contra o regime de José Eduardo dos Santos. Já o ano passado fora vítima de uma cabala, da qual aqui demos conta neste blog. Passado quase um ano sobre o desaparecimento de dois activistas, que também aqui denunciámos, esperemos que não façam agora, mais uma vez, «desaparecer» a pessoa mais incómoda para o regime. É que hoje de manhã, na sequência da dispersão pela polícia de uma manifestação pacífica convocada para Luanda para pedir esclarecimentos sobre o seu paradeiro, o Luaty Beirão e o Nito Alves, entre outros, foram presos e levados para parte incerta...

Fica mal à «nomenclatura» ter medo de um simples músico!


Libertem as mentes dos angolanos! Libertem Luaty!

segunda-feira, 11 de março de 2013

Aero Bio Grafo III - Nelson Mandela

No dia 28 de Fevereiro apresentámos outro grande líder africano, nascido antes de Cabral, mas ainda vivo. Oportunamente colocarei aqui a respectiva crónica.

Bio Aero Grafo II - Amílcar Cabral

A sessão do Aero Bio Grafo prevista para 14 de Fevereiro, de homenagem a Agostinho da Silva (um dia depois da data do seu aniversário de nascimento) não se realizou, devido à presença obrigatória numa Assembleia Geral de convocação intempestiva. No entanto, passou-se uma coisa curiosa: depois da Assembleia, lembrei-me de ir beber um copo até ao Xantarim... onde encontrei o Fernando Romão, com um livro na mão; quando fui ver o que era, era uma recolha sobre Agostinho da Silva, cuja foto de capa foi precisamente a mesma que dera origem ao graffiti! O «pulgão» tinha ouvido na rádio a notícia do aniversário e lembrara-se de ler um pouco... Combinámos logo que faríamos uma apresentação em conjunto, na primeira semana de Junho, para dar continuidade a esta presença, às quintas, no Xantarim.

Ou seja, o segundo evento desta série acabou por ser uma semana depois, no dia 21 de Fevereiro, dedicado a Amílcar Cabral, o grande líder guineense. Nasceu a 12 de Setembro de 1924, filho de um cabo-verdeano, Juvenal Lopes Cabral, e de uma guineense, Iva Pinhel Évora, que este conhecera no continente, por lá exercendo como professor primário (mesmo sem habilitações). Era um homem motivado para a política, que se mobilizara no ensejo de melhorar as difíceis condições de vida do seu povo, procurando uma solução para as grandes fomes endémicas que assolavam o seu arquipélago, chegando a propor, aquando da visita de um Ministro, a construção de sistemas de irrigação e de armazéns que conservassem os alimentos produzidos em anos bons e permitissem atenuar as carências em anos de seca. O Ministro deve ter deitado o papel para o lixo...

Portugal perdeu, em pleno século XX, a oportunidade de se distanciar e distinguir do modelo colonial europeu que nunca fora o seu. Há colonialismos e colonialismos...Os coitados dos alemães (ou sortudos, talvez por não terem tido propriamente mercados coloniais protegidos, estão onde estão...), que chegaram atrasados, depois da sua unificação, só começaram a sua experiência no fim do século XIX, depois das conclusões do Congresso de Viena, na qual o Direito Internacional deixou de reconhecer como legitimidade para a soberania o simples facto de ter sido o primeiro a chegar para passar a basear-se na ocupação de facto; uma boa comparação é a coluna que desembarcou na Namíbia e foi exterminada a poucos quilómetros da costa; já, pela mesma altura, Capelo e Ivens fizeram a travessia integral, de costa a costa, do continente. Quem tem boca (e respeito) vai a Roma.

Para tentar ilustrar essa diferença, apontei o exemplo de Honório Barreto, também ele nascido de mãe guineense e pai caboverdeano, mas um século antes: em colónias de franceses ou ingleses, seria impensável uma carreira como a sua; pura e simplesmente impossível um preto (pedi desculpa à assistência, incluindo um distinto convidado guineense, por usar termos que poderiam ser confundidos com racismo, mas é esse mesmo o assunto!) aceder ao cargo máximo da administração colonial, o de Governador da província. Envolveu-se em polémicas com políticos da Metrópole, a quem chegou a dar lições de patriotismo; até à independência, funcionou como exemplo e expoente de uma certa «igualdade» de oportunidades e de respeito pelo mérito, devido independentemente da raça. Foi mesmo nomeado comendador da Ordem de Cristo, alta distinção honorífica.


Lembrei depois que quando visitei a Guiné, em 2009, na minha incursão até Jemberém, no Sul, passei por Bafatá, para visitar a casa na qual viveu Amílcar Cabral, até aos oito anos, a qual encontrei num estado de lastimável ruína, invadida pelas ervas; também a antiga cidade parecia quase deserta e abandonada (ao contrário de Gabu que prosperou bastante). Esse casarão pertenceu a uma família de Santarém, os Pita Soares. Quando Amílcar Cabral fez oito anos, surgiu uma oportunidade para a família em Santiago, Cabo Verde, para onde se mudaram. Já depois, o Liceu, viria a acabá-lo em São Vicente, com uma média altíssima, após o que arranjou trabalho na Imprensa Nacional.

No entanto, esse emprego não duraria muito, pois em 1945, no fim da Guerra, surgiu a oportunidade de uma bolsa de estudo, que aproveitou para se mudar para Lisboa, inscrevendo-se no curso de Agronomia, no qual era o único aluno «preto». A sua paixão e jeito para o futebol levam-no a inscrever-se na equipa de Agronomia, na qual não passa despercebido: chega a ser convidado para jogar no Benfica, convite que recusa, mantendo a camisola académica. Os seus colegas de curso lembram-no como muito activo, de uma alegria e simpatia contagiantes. Em 1950, acabado o curso com distinção e nota a um ponto do máximo, vem trabalhar para Santarém, para a então Escola de Regentes Agrícolas, por aqui se mantendo por dois anos.

Sempre em contacto com Lisboa, onde frequentava a Casa dos Estudantes do Império: aquele que estava desenhado para ser um clube da elite colonial indígena (esse era o plano ultramarino de Adriano Moreira como Ministro, durante algum tempo apoiado por Salazar: formar uma elite de quadros que pudesse vir a assumir os destinos das suas nações, mantendo os vínculos históricos que as uniam a Portugal), acabou por se tornar numa incubadora de líderes revolucionários. Uma fugaz aproximação ao Partido Comunista Português, por parte de Cabral, não teve continuidade, por o Partido ter mantido a sua política nacionalista e se recusar a encarar seriamente a luta anti-colonial nas províncias ultramarinas, reduzindo o problema ao «todo» da metrópole, a resolver pela «democratização» do regime.

Foi aqui, em Santarém, que sentiu a saudade e o irreprimível desejo de voltar à sua terra natal, plenamente imbuído já da missão política que sentia ter sido chamado a desempenhar. Como viria mais tarde a referir numa conferência dada no mato, poderia ter adoptado por projecto de vida aburguesar-se no âmbito de uma carreira profissional na sua área, com um bom ordenado... mas não, optou por se apresentar ao lado do seu povo, na luta contra a injustiça de que era alvo. Iria voltar para a Guiné! Rapidamente arranja emprego e em 1953 percorre o país, por conta do Instituto Nacional de Estatística, realizando o Recenseamento Agrícola desse ano, ainda hoje uma fonte documental de grande interesse histórico para o conhecimento do regime de agricultura tradicional, na Guiné.

No entanto, o seu empenho, a evidência do seu carisma e simpatia, o seu envolvimento activo com os problemas das pessoas, rapidamente lhe atraíram o ódio do Governador da Província, Melo e Alvim, que não vê com bons olhos a ascendência que o jovem estava a ganhar no seio do seu povo: em 1955 obriga Cabral a abandonar a Guiné, apontando o seu carácter subversivo; Cabral troca assim a Guiné por Angola, onde se relaciona com aqueles que viriam a ser os futuros líderes do MPLA, começando por defender, tal como o ANC de Mandela, uma luta política pacífica, possibilidade que foi definitivamente a enterrar com o massacre de Pidjiguiti, em 1959. Quantas oportunidades perdidas...

Em 1960, ainda antes do estalar da crise da Índia e dos massacres em Angola, desloca-se à Conferência Internacional de Londres, na qual denuncia o colonialismo português, mas também afirma que essa luta não é contra um povo, mas sim contra um regime, o colonial. Em Janeiro de 1963 dá início à luta armada, com a abertura da frente sul, num ataque ao quartel de Tite a partir da fronteira com a Guiné Conacri, graças ao apoio do Presidente pan-africano Sékou Touré. É aí, no mato, que em 1965 é visitado por Che Guevara, curioso com aquele líder africano; um ano mais tarde é Cabral que retribui a visita, deslocando-se a Cuba, onde se faz fotografar ao lado de Fidel Castro. Aceita a ajuda técnica cubana, mas mantém o seu espírito crítico, não sem humor: uma vez confessou o seu «erro político», ao aceitar, num «pacote» de formação em guerrilha, um módulo de sabotagem de comboios; só depois se teria lembrado que na Guiné não haviam (nem existem) caminhos de ferro.

Também em relação ao marxismo e à sua aplicabilidade em África, mantinha as suas reservas: afirmava peremptoriamente que «Marx não vivia numa sociedade tribal». Cabral sentia-se mais um pedagogo do que propriamente um engenheiro social compulsivo, como Estaline: a revolução seria um facto eminentemente orgânico, deveria vir de baixo para cima, e não ser imposto de cima para baixo. Isso mesmo reconhecia Paulo Freire, grande filósofo e pedagogo brasileiro, que fazia questão de partilhar a sua grande admiração por Cabral, lamentando com desgosto nunca ter chegado a conhecê-lo pessoalmente. Admirava essencialmente a qualidade de liderança que evidenciava Amílcar Cabral, sempre a falar com todos os do seu povo.

Paulo Freire viria depois a trabalhar na Guiné, num revolucionário projecto de alfabetização de adultos, que o deixou bastante desiludido: vai uma grande distância da teoria à prática... por isso, recomendo a quem não conheça esta experiência, mais o livro que Paulo Freire escreveu em parceria com Sérgio Guimarães, «África ensinando a gente», no qual avalia o seu falhanço, do que propriamente as «Cartas à Guiné-Bissau», da sua correspondência com o então Ministro da Educação, Mário Cabral. A experiência guineense marcou profundamente Paulo Freire, que defendia que era absolutamente fundamental, como Cabral mostrara, diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, apontando para um ideal no qual fala e prática se confundem eficientemente. Este era um «cavalo de batalha» que Freire tinha em comum com o seu amigo Agostinho da Silva.

Em Julho de 1970, numa grande vitória diplomática, Amílcar Cabral é recebido pelo Papa em audiência privada. Já uma carta apostólica de 1967, Africae Terrarum, tinha irritado profundamente Salazar. Agora dava-se o caso «Insólito e lamentável» de que o DN fez manchete, de o Papa «receber terroristas». Retaliação do regime ou não, em Novembro desse mesmo ano, dá-se a Operação Mar Verde, uma operação de comandos anfíbia que desembarca em Conacri, com vários objectivos: privar o PAIGC do apoio de Sekou Touré (essencialmente eliminando a Força Aérea, destruindo no chão os MIG soviéticos); eliminar fisicamente a direcção do PAIGC; resgatar os prisioneiros portugueses. Devido a fortes falhas na informação disponível (PIDE), só o terceiro objectivo viria a ser alcançado.

Em 1972, em Conacri, numa Conferência de homenagem a outro grande líder africano, Nkrumah, critica o neo-colonialismo que parecia em vias de reconquistar o continente. Uma parte das críticas eram endereçadas aos antigos países colonizadores que agora vestiam outra pele mas continuavam por outros meios as antigas práticas predatórias; mas criticava também os próprios africanos, referindo um provérbio guineense: «O arroz só coze dentro da panela». Como grande pedagogo social, defende que a libertação só poderia ser cultural... entrando para a prática «mental» do dia-a-dia; deixando assim antever, nas entrelinhas do seu discurso, o seu «amor» por Portugal, ao afirmar, neste contexto, que era necessário não subestimar os contributos da cultura opressora (e outras, claro).

No princípio do ano de 1973 a guerra estava perdida para Portugal. Ao contrário de Angola, quase inteiramente pacificada, ou mesmo de Moçambique, onde os cenários da guerra estavam circunscritos e bem delimitados, na Guiné-Bissau o PAIGC ocupava vastas áreas de território. Mas Cabral estava prestes a desferir o golpe de misericórdia na já de si precária situação do exército colonial no terreno: graças à sua simpatia e diplomacia conseguira obter alguns mísseis Terra-Ar portáteis, conhecidos pela NATO como SAM 7 «Grail», ou Strela. O apoio aéreo ao combate ao solo era a mais importante vantagem de que dispunham os soldados portugueses. Mal chegam as baterias são imediatamente utilizadas com sucesso: o piloto contou depois a sua surpresa, dizendo que só tinha visto uma «coisa» a vir contra ele e mal tivera tempo para se ejectar; surpresa também do seu asa ao constatar o «misterioso» desaparecimento do seu parceiro.

Com dois caças FIAT perdidos em menos de 10 dias, a Força Aérea sofre fortes restrições à sua actuação, sobretudo em termos de tecto, ou seja passa a actuar a altitudes muito maiores, perdendo grande parte da sua eficácia operacional (antes chegavam a fazer voos rasantes para reconhecimento de contacto). Na frente Norte, os helicópteros deixam de evacuar os feridos (e os mortos) e o abastecimento passa a ter de se efectuar por meios exclusivamente terrestres, com maior exposição ao inimigo; por essa altura o exército português controla apenas alguns quartéis, onde se entrincheiram, evitando as saídas e abandonando o resto do território aos guerrilheiros, os seus soldados com uma moral já bastante afectada, sujeitando-se a uma terrível flagelação noturna (sobretudo pelos efeitos psicológicos da falta de sono e constante estado de sobressalto) pelos conhecidos «orgãos» de Estaline.

Quartéis como o de Guidage, na fronteira com o Senegal, para serem reabastecidos, necessitavam de organizar colunas, que se tornavam alvos fáceis, na sua lenta deslocação pelas estradas minadas que tinham de ser picadas. A estratégia de Cabral, decerto inspirada na guerrilha vietnamita, era a de fustigar essas colunas em várias vagas sucessivas, até que os soldados ficassem sem munições, lançando depois o ataque final. Salgueiro Maia, na sua «Crónica dos feitos por Guidage», conta bem as dificuldades por que passou o soldado português, que muitas vezes combatia em condições adversas: sem querer antecipar-me, pois também vai ter direito a uma sessão do Aero Bio Grafo, a 25 de Abril, lembro que Maia «encostara» a G3 e combatia com uma AK apreendida ao inimigo, muito mais leve e manuseável; que inveja que tinham também do cantil em alumínio que usavam os guerrilheiros do PAIGC, com muito maior capacidade mas bastante mais leve de transportar... Maia conta como era difícil comandar uma equipa quando metade dos seus homens estavam desmaiados de cansaço e desidratação, ou à beira disso...

Quando o General Spínola se afasta, voltando para a Metrópole para redigir o seu livro Portugal e o Futuro, que alguns associaram erradamente ao 25 de Abril, em entrevista com Marcelo Caetano, tê-lo-á avisado de que Portugal estaria à beira de um «colapso» militar na Guiné-Bissau. É essencialmente esse o motor do 25 de Abril: alguns jovens oficiais, saídos da Academia Militar, que se haviam batido com brio na Guiné, aperceberam-se da vergonha que representaria para o exército português a inevitável derrota, num prazo mais ou menos curto. Essa atitude patriótica parece-me ter sido a sua principal motivação, sem querer escamotear que foram também apontados pretextos de classe e de defesa dos seus interesses «corporativos», colocados em causa por Decreto-Lei que pretendia empurrar os milicianos para o oficialato e a continuação do esforço de Guerra.

A conclusão inevitável é a de que o próprio povo português deve a sua libertação a Amílcar Cabral e à  guerra de guerrilha que travou com sucesso na Guiné-Bissau contra o tardio e anacrónico regime colonial português. Mas Cabral não viveria o suficiente para ver a independência do seu país. A 20 de Janeiro de 1973 seria assassinado em Conacri, quando voltava para casa. Embora a PIDE tenha sido acusada pelos guineenses, esta, se é que tenha tido realmente algum vago conhecimento do assunto, como defendem alguns, não foi, de forma alguma, a mandatária. Uma série de programas sobre o assassinato de Cabral, passou há bem pouco tempo na Televisão portuguesa, com entrevistas a muitos dos actores realizadas ao longo do tempo (alguns, como Nino ou Tagma, morreram entretanto): fica-se com a clara impressão de que Sekou Touré é a peça chave nesse puzzle; em franca perda de prestígio, a sua estrela parecia abafada pelo sucesso de Amílcar, que se preparava para «tomar posse»...

A transcrição da apresentação das biografias aqui no blogue está um pouco atrasada, porque tenho tido imenso trabalho; o «boss», no Xantarim, diz que não faz mal, que o evento é lá, e que, portanto, quem «está, está; quem não está, estivesse...». Continuarei a colocá-las, mas a um ritmo lento, até porque tenho de preparar, para cada quinta-feira, o homenageado da semana. Esta semana foi o José Estaline, e já na próxima Quinta, dia 14 de Março, será a vez de António de Oliveira Salazar. O cartaz completo do mês de Março é:

  7 de Março - José Estaline
14 de Março - António Oliveira Salazar
21 de Março - Emiliano Zapata
28 de Março - Corto Maltese

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Aero Bio Grafo I - Winston Churchill


Vou estar todas as Quintas de Fevereiro a Maio, no Xantarim, a partir das 22h30, para uma dupla exposição: uma exposição oral sobre a vida de figuras célebres acompanhadas da exposição visual do respectivo aerógrafo. Por isso dei este duplo título à «performance». Isto acompanhado de um sorteio, no qual o primeiro prémio é um magnífico objecto filatélico de colecção (sobrescrito de primeiro dia), o segundo uma tela (16x16cm), ambos alusivos ao personagem homenageado, e o terceiro uma bebida de pressão. Colocarei depois aqui no blog um breve resumo do personagem da semana. Julgo que há fotografias na página do Xantarim no FaceBook. Todos os meses terão cartaz próprio. Este mês de Fevereiro, ainda em cartaz:

14 Agostinho da Silva
21 Amílcar Cabral
28 Nelson Mandela

O primeiro a ser apresentado, Quinta-Feira 7 de Fevereiro, foi Sir Winston Churchill. Escolhi-o pela sua rebeldia e tenacidade: mesmo criado num ambiente conservador victoriano, nunca deixou de pensar pela sua própria cabeça; depois de ser várias vezes gozado como «gago», conseguiu não só dominar o seu defeito, como ainda se tornou num orador inflamado e carismático.

Nascido a 30 de Novembro de 1874, neto do 7º Duque de Marlboro(ugh), o pequeno Winston nasceu prematuro de sete meses, no seio de uma família aristocrática. O seu pai chegou a ser Ministro das Finanças, casou com a filha de um milionário americano e o herdeiro recebeu uma boa educação britânica: distante. Raramente convivia com os pais, foi Elizabete Everest, a governanta a pessoa que mais o marcou, servindo-lhe de mãe adoptiva, contadora de histórias, depois enfermeira (quando esta morreu, Churchill largou tudo para passar uma semana à sua cabeceira).

Descrito como irreverente e rebelde, foi várias vezes sujeito a castigos corporais por maus resultados escolares. Com uma paixão pelas fardas que lhe vinha desde tenra idade, só à terceira tentativa consegue entrar para a academia militar, escolhendo Cavalaria porque esta arma não exigia Matemática. A sua paixão por assuntos militares leva-o a Cuba, com pouco mais de vinte anos, para estudar como os espanhóis estavam a combater as guerrilhas locais. Aí adquiriu o gosto pelos charutos, que haveria de o acompanhar pelo resto da sua vida (ao mesmo título que o whisky).

Logo no ano seguinte, em 1896, está nas fronteiras do Império, participa na batalha de Malakand e começa a escrever em periódicos sobre as suas experiências militares, ganhando alguma notoriedade pública. Rapidamente compreende que o seu magro salário de oficial não lhe permitia manter o estilo de vida sumptuário a que estava habituado, passando a considerar cada vez mais a escrita, tanto como correspondente de guerra, como de extensos volumes de memórias, como uma importante fonte de rendimentos. Sempre ansioso pela próxima guerra, em 1898 está na «reconquista» do Sudão, participando na batalha de Omdurman, onde ocorreu a última carga relevante de cavalaria do exército inglês.

Em finais de 1899, quando rebenta a segunda guerra dos Boers, e os Estados Livres do Transvaal e Orange se opõem ao Império Britânico, embarca rapidamente para a África do Sul, com o chorudo ordenado (para a época) de correspondente de guerra de 250£ mensais. Aceita uma missão de reconhecimento num comboio blindado, mas este é interceptado e assaltado pelo inimigo, sendo feito prisioneiro e enviado para um campo em Pretória, do qual consegue evadir-se, fazendo quase 500 Km até Lourenço Marques.

Depois de uma grande «tournée» por Inglaterra, Canadá e Estados Unidos, contando as suas histórias de guerra, a primeira década do século foi de uma carreira política de sucesso, sendo Presidente da Câmara de Comércio e Ministro das Colónias. Para a história ficou o seu acto de «virar a casaca» em pleno hemiciclo: demasiado independente para deixar de condenar o seu próprio partido, atravessou a Câmara e foi sentar-se num lugar vago do lado oposto.

Em 1911, afasta-se das querelas partidárias e é nomeado Primeiro Lorde do Almirantado, cargo mais importante na então toda poderosa Marinha inglesa. Aí desempenha um papel visionário, ao antecipar a futura utilidade na guerra de novas invenções como os tanques e os aviões, para os quais financia projectos de investigação e desenvolvimento. Quando estala a Primeira Guerra Mundial propõe uma polémica operação contra o Império Otomano, no sentido de controlar as portas do Bósforo e o acesso ao Mar Negro, para garantir o abastecimento da Rússia.

Aquela que ficaria conhecida como a campanha de Gallipoli, começada a 25 de Abril de 1915, viria a revelar-se um inteiro fracasso militar. A ideia era utilizar barcos de guerra ingleses obsoletos (se utilizados contra os alemães), para uma operação de desembarque nessa península, com o objectivo de a ocupar rapidamente. Das forças envolvidas, apenas os comandos eram ingleses, o restante eram Neo Zelandeses, Australianos, Canadianos, Sul Africanos e Indianos. Os combates foram por vezes mortais a 100% do efectivo, mas as testas de ponte nunca conseguiram sair das praias.

Nos países da Oceania, o dia 25 de Abril é feriado nacional, marcando o início de uma certa consciência nacional. Do lado oposto, na Turquia, a alma da resistência foi aquele que viria a reformar o país, virando-o definitivamente para o Ocidente: aqui começou a sua legitimidade como governante, nas vitórias que obteve. E assim se consumou outra morte política de Churchill: afastado do cargo de Primeiro Lorde, pede transferência para a frente de combate ocidental, num posto modesto, com o objectivo, segundo escreveu à esposa, de recuperar a sua reputação.

Em 1919 é nomeado Secretário de Estado da Guerra, posto no qual tentou, sem sucesso, enviar forças para acabar com a experiência soviética. Em 1924, como Ministro das Finanças, impõe um retorno ao padrão-ouro da Libra, contra a opinião de muitos economistas, como o famoso Keynes; o próprio Churchill viria mais tarde a reconhecer ter sido esse o seu maior erro político. Na crise deflaccionista que se seguiu, o aumento da conflitualidade social conduziu a uma Greve Geral, e quando os mineiros entraram em greve, Churchill, com o seu humor negro e um ar expedito, antes de se demitir, perguntou se não poderia utilizar metralhadoras...

Inicia assim uma nova travessia do deserto, que duraria toda a década de 30, dedicando-se, como sempre, a defender o império onde o sentia ameaçado. Foi o caso na Índia, onde criou uma Liga para a Defesa do Império para se opor a Ghandi, a quem chamava de faquir semi-nu. A partir de 1935, começa a avisar do perigo que representava o rearmamento da Alemanha e as pretensões hegemónicas de Hitler, propondo um rearmamento intensivo, no que foi acusado por muitos de belicista. Em finais de 1939, logo após a declaração de guerra, no entanto, acaba a sua travessia do deserto, recuperando o título de Primeiro Lorde do Almirantado e entrando para o Gabinete de Guerra.

No próprio dia 10 de Maio de1940, no qual estala a guerra relâmpago que conduziria em poucos dias o General Rommel às portas de Paris, torna-se claro, para o Rei, que o pacifista Chamberlain não era o mais indicado para estar à frente de um país em guerra e ameaçado: o nome de Churchill ocorre naturalmente. O seu primeiro discurso, na rádio, como Primeiro-Ministro é o famoso «Nada mais tenho para vos oferecer, senão sangue, suor e lágrimas», logo seguido de um outro, o electrizante «Lutaremos praia por praia, rua por rua, casa por casa, mas nunca nos renderemos».

Já no fim da Guerra, reparte a Europa com Roosevelt e Estaline. Mas alguém disse sobre Churchill que era alguém óptimo para os tempos de guerra, mas que, em tempos de paz, o melhor que os ingleses tinham a fazer era livrar-se dele o mais rapidamente possível, e foi precisamente o que aconteceu. Todas as suas campanhas públicas a partir daí se dedicaram a tentar contrariar o declínio do Império Britânico, então já inexorável.. Foi ainda Primeiro-Ministro de 1951 a 1955, vindo a morrer dez anos depois, em 1965, com 90 anos.

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

DON'T GOE

Comparem-se, com a mesma origem, a Rádio Renascença, através do SAPO, as prudentes declarações da PSP com as de Paulo Portas, sobre o mesmo assunto. Estará o Sr. Ministro a tentar obter, armando em vítima, com toda esta confusão e incompreensibilidade do seu discurso, notícias ao estilo Correio da Manhã (como a de infeliz memória de que se preparava para atacar a Guiné), para tentar desinformar a opinião pública portuguesa e fazer acreditar que os seus rapazes foram feitos reféns?

Vale a pena lembrar que eles não estão PROIBIDOS DE SAIR da Guiné-Bissau; mas apenas os que estão em Portugal e os deveriam render, esses sim, estão IMPEDIDOS DE ENTRAR. O culpado, um vez mais, é o inepto do MNE: em vez de sujeitar os miúdos às vergonhas da publicidade e da ausência no presépio, poderia assumir ou: a radical retirada da embaixada; ou a ausência de força militar (depois do precedente angolano - e tudo o que fizeram mal em seguida - poderá passar a ser, legítima e reciprocamente, vista como uma ofensa).

Se não têm tomates sequer para esclarecer os leitores acerca das alternativas, não venham tapar a estupidez com peneiras. Muita paciência têm tido as autoridades guineenses para com este incompreensível comportamento diplomático português, que não pára de meter a pata na poça, a ponto de se comprazer em lá chafurdar. Ainda mandam criticar, à boca pequena, uma pretensa aproximação da Guiné-Bissau ao Irão e à China! Já o fiel presidente de Cuba começou por ser um liberal e a história do século XX teria sido outra, se não o tivessem empurrado para os braços de Moscovo.

P.S. Já agora, Sr. MNE, não acha um pouco exagerado abusar da sua posição para mandar piropos? «Agentes magníficos»? Coitados, abandonados em Bissau aos caprichos do Sr Ministro. Talvez a Associação Profissional de Polícia se possa voltar a pronunciar, acusando o senhor Ministro, no mínimo, de sequestro, agravado de assédio.

O PAI recomenda a fusão das principais candidaturas

O «governo» no exílio distribui futuros lugares no seio do PAIGC, como prémio pelo reconhecimento «implícito» da sua autoridade, antevendo que não serão criadas condições para a candidatura de Carlos Gomes Junior.

Pois, sim. Nem o pai morre nem ninguém almoça.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Espermatugazoide III - Culturação versus aculturação

Repare-se que «assimilados» tem duas acepções: uma igualitária, assumindo ser «mais ou menos» tuga ou, pelo menos, «até disfarça bem»; uma outra propriamente gástrica, na qual «assimilado» significa «estar no ventre de» ou «engolido», como o Capuchinho Vermelho na barriga do lobo (noutra versão é o lobo do mar no ventre da baleia).

Note-se que aqui, quando falo de «assimilados», não me refiro apenas ao conceito «guineense», de certa forma descendente daquele que já aqui foi genericamente enunciado para o «Império» português, mas em geral a toda a humanidade «entre duas culturas», envolvendo portanto também toda a Diáspora guineense. Um enorme desafio.

Quem migra de cultura tende a apresentar duas formas diferentes de lidar com a sua diferença de origem perante o outro: uma, negativa, procura ocultar essas origens; outra, positiva, deseja cultivar as suas raízes. Regra geral: na experiência número um, obtêm-se macacos; só é benéfica uma experiência total, cruzando as referências culturais.

Para a identidade do «migrante» pode ser altamente destrutivo, num ambiente sentido como hostil (mesmo que não o seja propriamente), sentir-se humilhado, ou simplesmente desprezado nesse papel. Daí se perceba a tentação de disfarçar, de imitar o maior número possível de sinais exteriores do outro, símbolos da pretendida inclusão.

Contaram-me, em jeito de anedota, mas a título de história verídica, que em tempos coloniais não muito longínquos um comerciante juntou um pequeno cabedal e, tendo ouvido histórias dos bons negócios que por Angola se podiam fazer, decidiu preparar grande encomenda de smokings, que estavam na moda, com os respectivos laçarotes.

O facto é que parte da encomenda extraviou-se e, se bem que não se tenha perdido, acabou por voltar à Metrópole por erro, sem que ao pobre dono, já embrenhado em terras estranhas, tivesse sido dado aviso. Só levara consigo os laçarotes, para poupar a sua fragilidade e também um pouco nos portes. Instala-se numa casa e abre a porta.


Entretanto, depois de gastar tudo o que trazia e nada de chegar o resto da encomenda, deita contas à vida... Parece que o sócio, em Portugal, ao saber do retorno da mercadoria a Lisboa aproveitara uma oferta para a revender com pouco prejuízo e comprou uma viagem para Angola esperando ir encontrá-lo na miséria. Qual quê? Um sucesso.


Tê-lo-á percebido quando chegou e «viu todos de laçarote, mesmo sem camisa, como se andassem de smoking»
.
Um bom vendedor até banha da cobra vende. Enquanto o simples símbolo, o parecer, valer mais que o ser... Não desprezemos nós próprios a nossa identidade, não façamos o ofício «normalizador» do colonizador mental.

Faz parte dessa «ideologia» castrante, o mito de que as culturas são exclusivas, abstraindo a ideia de um possível e desejável «contacto». Quem foram aqueles que levaram o Terror a Nova Iorque? Agentes iranianos, provocadores afegãos, ou loucos paquistaneses? De maneira nenhuma: foram jovens americanos promissores.

A cavalo entre duas culturas, entre civilizações, entre religiões, sentiram a sua identidade tão humilhada pelo discurso hegemónico a que os sujeitaram, que ofereceram as suas vidas em Holocausto julgando agradar ao seu Senhor. Mas não eram pobres, nem excluídos, nem incultos, nem desempregados, nem pouco inteligentes...

Poderiam ter sido, em vez de Anjos da Destruição, Pontes de Paz, ajudando as duas culturas às quais se sentiam pertencer a compreenderem-se melhor. É essa a missão de todos aqueles que estão no «meio», a de mediadores. Mas para isso é essencial redignificar a diferença... Somos incrivelmente interessantes porque somos diversos.

Permitam-me que conte um pequeno facto para o ilustrar... Nos campos de concentração nazis, uma parte anormalmente elevada dos sobreviventes eram diabéticos: a «componente» genética que nos parece negativa, uma doença que ninguém quer ter, pode revelar-se importante, em circunstâncias especiais, para a sobrevivência da espécie...

Também me parecem existir actualmente duas atitudes diferentes e extremas, das culturas de acolhimento relativamente aos migrantes: a francesa, que pretende «despir» o migrante das suas antigas roupas e «vesti-lo» à francesa; e a inglesa, que assume a manutenção das diferenças, mas em apartado, colocando de parte qualquer real integração.

Mesmo assim, num contexto laico, julgo que a atitude dos franceses é mais humana; no entanto, também acho que lhes falta alguma humildade, na exigência de «conformidade» aos seus «parâmetros», que não lhes permite beneficiar da adesão de «corpo e alma» de uma franja importante da população, evidenciando os limites e riscos do modelo.

Quem tem assim tantas certezas acerca da sua superioridade, seja genética, intelectual ou, mesmo, moral, a ponto de poder prescindir da diferença que o Outro oferece? Não é condenável este discurso, nem que por ser revelador de simples ignorância? Não será a intolerância assassina que reina no mundo um reflexo dessas atitudes reprováveis?


Quem não se lembra da virulenta campanha «étnica» contra os burmedjos, há pouco mais de dez anos, promovida pelos verdadeiros fidju di tchon? A retórica utilizada passava pela enumeração dos «vícios» destes; é claro que estou longe de defender essas práticas, que visavam essencialmente afastá-los dos lugares mais importantes...

Pode parecer chato e grosseiro lembrá-lo, mas para o «migrante» o verdadeiro «pacto» só pode consistir em caminhar para uma identidade compósita

1) não sobrestimar a cultura de destino
2) não subestimar aqueles que ficaram na cultura original
3) construir pontes, mesmo no «meio do nada»
4) ajudar o mundo a aderir a uma culturação «global»

Mais do que tornar-se, para sempre, um aculturado, não pertencendo realmente nem a um lado nem ao outro, o verdadeiro desafio está em cultivar-nos em relação ao Outro, sem perda de identidade, para com ele podermos ter algo a partilhar. Uma elite não o é por se mostrar superior, mas sim se respeitar e puxar o resto dos irmãos.

Em vez dos caldos de frustração a que nos quiseram habituar, chegou a hora das sínteses; senão estaremos condenados a ver continuar a crescer exponencialmente a intolerância e o fanatismo (mas também a arrogância e a ganância) os conflitos o terror... Amar ao próximo, como defendem Os Livros, parece decerto uma melhor opção.

Estou lembrado de um passo em particular d'O Corão:«Cremos em Deus e em todas as coisas que nos revelou, a Abraão, a Ismael, a Isaac, às Tribos, naquilo que foi dito a Moisés e a Jesus e naquilo que foi dado aos profetas do Senhor. Os judeus, os cristãos, todos os que acreditaram em Deus e praticaram boas acções terão recompensa junto de Deus».

«Rivalizai portanto nas boas acções. Todos regressarão a Deus que decidirá sobre vossas divergências...E não disputai com os povos d'O Livro, senão do modo mais cortês, excepto com aqueles que agem de forma iníqua, e dizei: _Acreditamos naquilo que desceu sobre nós e naquilo que desceu sobre vós: o vosso Deus e o nosso são Um só.»

sábado, 24 de novembro de 2012

Respeito e inclusão

Retomando as últimas palavras da mensagem anterior.

As autoridades no poder em Bissau deveriam dar um exemplo de serenidade, demonstrando assim a sua força. Já que me referi ao Editorial nº9 do Victor Gomes Pereira, vou fazer o mesmo ao seguinte, o nº10.

Não concordo com a hostilização que alguns cidadãos estão a sofrer. Em relação ao Aly, referi-me a isso logo no dia 13 de Abril, como contra-producente; em relação ao Melcíades Fernandes, que recentemente se refugiou na representação da UE pela urdidura de múltiplas suspeitas e sórdidas cabalas contra a sua pessoa, acho uma barbaridade: Manel Mina, para além de mito, é um elemento essencial da força e qualidade das FAGB.

Caro Daba: não seria possível, nem que por solidariedade com o seu ex-congénere Porta-Voz da extinta Junta Militar, levantar esse círculo de má-vontade e reintegrar com respeito o Major na estrutura e hierarquia (GARANDI) das FAGB? Caso isso não seja possível, pelo menos para já, por uma questão de oportunidade, nem quero pensar na possibilidade que lhe possa acontecer algo de mal: seria um crime de lesa-pátria, perder um homem com as suas qualidades, que ninguém ouse levantar um dedo para ofender a sua integridade física.

Para não dar razão aos críticos, há que fazer um esforço (como, aliás, já aqui defendi, logo após o 12 de Abril) de reintegração de todos elementos das FA que regressaram às tabancas por não se reverem nas recentes orientações hierárquicas. Essa seria a melhor prova de força e de pacificação que poderia ser dada à sociedade, uma verdadeira unidade funcional da tropa, independente de etnias e olhando apenas ao mérito!

Respeitar a Guiné é começar por respeitar aqueles entre os guineenses que têm valor.

Kil ki di nos tem balur?

Balantização das FA

Em comentários a um post aqui publicado, prometi debruçar-me sobre este tema, que embora recorrente (e de longa data), parece estar a ser renovada e insistentemente apontado como fonte de todos os males da Guiné-Bissau (quem não quer cozinhar, vai ao restaurante, ou compra comida enlatada; quem não quer pensar nos verdadeiros problemas da Guiné, recorre a um bode expiatório...)

Mas Victor Gomes Pereira antecipou-se, no seu editorial nº 9, publicado no site do Didinho (link na barra lateral à direita). Muito daquilo que tinha para dizer ficou dito. Apenas, a essas ideias, seja-me permitido acrescentar:

Alguém concorda com o sistema racista das «quotas», que tanto desprestigia os Estados Unidos, disfarçando mal o mal-estar xenófobo económico-social, que (supostamente) serve para exorcizar? Não vamos tirar o lugar aos mais competentes: a competição e o mérito devem surgir por si, não por esse género de «favores», piores que cunhas, por serem baseados em princípios étnicos, ou de género.

A ocupação de lugares proporcional ao que quer que seja (até porque há sempre múltiplas tipologias transversais: raça, sexo, religião - imagine-se o trabalho que daria definir quotas cruzadas por essa diversidade toda) é uma barbaridade incompatível com o orgulho próprio e o reconhecimento do estatuto socio-profissional devido ao titular de um cargo ou função. Os incompetentes que roubarem o lugar a outros graças a esse expediente serão sempre vistos como uns coitadinhos.

Só o esforço próprio, contra todas as adversidades e arbitrariedades, poderá qualificar e dar um exemplo identitário ao sujeito e à própria sociedade, tornando-se um digno motivo de orgulho, para si e para os seus, aos olhos dos outros. Permitam-me que sublinhe ainda duas coisas que considero importantes:

a questão da vocação: o balanta está bem preparado para a guerra, devido a intensos exercícios físicos desde jovem, à cultura da Guerra de Libertação (com uma actualização em 1998-99) dos seus mais velhos, traduzida em experiência e manha; no entanto, é preciso dizer, em abono da verdade, que nunca dará um bom soldado; um óptimo guerrilheiro, sim, mas um soldado obediente e disciplinado, nunca.

a questão da reprodução como «casta»: assim como há castas de comerciantes, de pais para filhos, só o mundo «moderno» e pseudo-científico vê nisso um problema; numa sociedade tradicional, parece ser antes uma forma eficiente não só de manter e aperfeiçoar a vocação e o know-how, como de reforçar os laços no seio da família.

Importante: o facto é que as FA são o principal alicerce dos muito abalados e delapidados orgulho e identidade nacionais; porque não pensar em promover «o produto» para exportação? Não forçosamente o aluguer de mercenários; comece-se pelo contexto regional... Sugere-se desde já à CEDEAO que, no Mali, coloque de lado os oficiais franceses e entregue o trabalho aos guineenses (já estou com pena dos secessionistas).

Levando ao extremo a ideia da «correcção» do desequilíbrio, o ideal para obter um exército disciplinado, seria contratar 100% de quota de fulas (mas esses estavam do lado «errado» na guerra de Libertação - tendo optado em 1998 por uma complacente neutralidade), o que também não seria má ideia, se fosse exequível.

Não é solução: o exército guineense é bom (faz a inveja, entre outros, dos angolanos, o próprio José Eduardo dos Santos o confessou subliminarmente ao referir-se, em Junho último, no calor da disputa MISSANG, ao «mito» de invencibilidade que grassaria no exército guineense) há sim que aplaudi-lo e dar graças a Deus pelo prestígio, fortaleza e unidade das FA e dos seus mitos.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Situação tensa e perigosa em Bissau

Calma apenas superficial.

A ANP declarou-se soberana, reconheceu a alteração da ordem de 12 de Abril, legitimou o instrumento «legal» utilizado: este pacto com os alegados «golpistas» vem reduzir ainda mais o espaço político de manobra do pseudo-governo no exílio.

Numa curiosa conjuntura, em que os militares golpistas, ao contrário de um golpe de estado convencional, NÃO querem o poder, nota-se o mal-estar entre os «políticos»: o problema reside no próprio PODER e como aceder a ele; quem tem legitimidade?

O problema não está no Chefe de Estado Maior, nem sequer em quem é acusado (justa ou injustamente, agora não interessa) de o querer tramar. Para o bem e para o mal, representa o último verdadeiro pilar da nação, as Forças Armadas.

Fosse a classe política, na Guiné, tão boa como a castrense. Essencialmente, o ajuste de contas que parece preparar-se não faz sentido, arriscando-se a traumatizar o pouco que sobra da sociedade guineense... Aprofundar a ferida pode ser sem remédio.

Não será chegada a hora de uma verdadeira reconciliação, de se sentar toda a gente à mesma mesa? Há que lançar uma vasta amnistia, ultrapassar o passado, aceitar um novo começo, novas regras do jogo! A Guiné já pagou um preço exorbitante pela diversidade!

Não é hora para deixar encalhar a canoa. É preciso refundar a Guiné-Bissau, redesenhar o Estado, reencontrar uma legitimidade nacional suficiente que se sobreponha aos interesses particulares e razões étnicas, um PODER também social e economicamente competente e eficiente.

É mau princípio remeter essa decisão para eleições, esperando que o mito europeu da democracia se revele adequado (depois de múltiplas provas em contrário). Esperemos antes que surja uma liderança política forte, que prometa e dê garantias de paz, progresso e orgulho.

Todos fazem parte da solução (até Cadogo, porque não?), felupes, balantas, fulas, mandingas, gentios, cristãos, de fato e gravata ou de tanga, vermelhos, verdadeiros filhos do chão ou não (e até tugas!): os cabelos de todos estão contados, nem um deve cair por terra!

Chega de ver a identidade guineense ofendida, humilhada. Há que varrer a casa, não tolerar mais os erros do passado. E para varrer a casa, começa-se pelo sótão: é pelas mentalidades (pelo sentimento da rua, pela opinião dos mais velhos, pelo boato, pelo rumor, pelos blogues).

Chega de «coitadeza», desse morno sentimento de inferioridade legado pela decadência tuga. A grande diversidade guineense não é um problema, é um desafio. Não deve ser encarada como uma ameaça, mas como uma oportunidade! O mau exemplo vem do Mundo.

Sim, que infelizmente, é esse o caminho, sem regras, cada vez mais «tribal» e violento, a que a falência do liberalismo desenfreado (já sem oposição depois da queda do Muro) nos conduz. Mas estarão os guineenses destinados a servir de paradigma aos piores defeitos do mundo?

A alternativa poderia ser criar uma verdadeira ruptura epistemológica, dar um exemplo de convivência e tolerância (de que o mundo tanto precisa), mostrando como a diferença pode ser enriquecedora: pela cultura podemos aprender outras formas de sentir as coisas.

Reconhecer o outro na plenitude da sua diferença, não nos diminui em nada, só nos engrandece. Um país que quase não se vê no mapa (não olhemos durante a maré alta), abrigar um mosaico humano tão grande é uma verdadeira dádiva de Deus em glória.

Longa vida à Guiné-Bissau e a todos os seus filhos

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Grave atentado à soberania nacional

Depois do Enxovalhanço da Bandeira, em Bissau, desta vez é bem pior: Paulo Portas, o triste MNE português (em última análise, o responsável por toda a situação), tem agora uma (alta) bota para descalçar. O seu amigalhaço de Luanda não gostou de uma notícia vulgar (não percebe mesmo nada de política, porque senão, depois de ler o Expresso e as «luvas» que puseram para o redigir, devia ter reparado que o caso iria envelhecer nas «prateleiras»: «fase de investigação apenas» ou «nenhuma medida tomada» ou os suspeitos poderem «continuar a movimentar as suas contas»), apressando-se a elaborar uma teoria da conspiração, num caso em que o silêncio era de longe a atitude mais aconselhável (acabadas as eleições, foram dispensados os consultores de imagem). O eixo Lisboa-Luanda rompeu? (terá sido a fractura tectónica pelas latitudes de Bissau?) Estão a dar ao mundo uma má imagem da CPLP... (que anda envolvida noutras guerras).


Disfarçado sob a capa das amizades íntimas estabelecidas por este governo, o mal-estar estrutural das relações luso-angolanas fica assim bem patente. É a natureza perversa do «protocolo» que está na base da paranóia publicada por Luanda: julgará o Jornal de Angola que Portugal é um protectorado de Angola? Que o dinheiro é suficiente para tudo comprar? Que podem ofender assim, para além das instituições da República, cidadãos portugueses em particular e a nação em geral? É que o referido pasquim, o Jornal de Angola, é tido por órgão oficial do país, para além de ser o único com tiragem diária. É um acto grave, a frisar o hostil, exigindo uma reparação rápida e consistente. Quem esperam ameaçar (ou melhor, tomar por reféns)? Os portugueses que trabalham em Angola? Precisam mais deles em Angola que os portugueses deles em Portugal: cozam-nos com batatinhas, como fizeram em 1975.

A quem cabe a resposta, do lado português? À PGR? Ao presidente da república? Ao MNE? Depois de uma escalada gratuita destas, terá forçosamente de ser uma coisa à altura. E o melhor é mobilizar já a Força de Intervenção Rápida, mandá-la para o largo de Cabinda, porque temos muitos cidadãos em Luanda, havendo que garantir a sua segurança (ou não foi esse o princípio aplicado em Bissau?).

Agora na minha humilde opinião, embora as «elites» portuguesas não estejam isentas de culpa, o problema, neste caso específico, é mesmo das «elites» angolanas: o caso, para além de uma imensa falta de tacto, é altamente revelador da senilidade que atinge o regime angolano: a descolagem da realidade faz lembrar os discursos do Xá da Pérsia no fim da década de 70: prenúncio de derrocada?

Espermatugazoide II

Afonso de Albuquerque, capitão da guarda de Dom João II, foi para a Índia com a intenção de cumprir os desígnios, não de D. Manuel (o qual, venturoso, herdara a coroa), mas da própria nação, concretizando o sonho (apenas) de um plano imperial. Tentou, por todos os meios, criar uma elite local, que falasse português e assumisse uma verdadeira e positiva miscigenação, potenciadora das férteis experiências civilizacionais dos dois povos, o português e o indiano.

Deste feliz cruzamento, logo resultou um belo estilo artístico, conhecido por indo-português, e talvez mais frutos não tenha gerado devido à infeliz intervenção da inquisição. Este era o verdadeiro sonho português: não se limitava a «mostrar o mundo ao mundo», mas mostrava-se inquieto de dar o exemplo na prática. O português tem muitas anedotas sobre o mestiço, todas tentando disfarçar o inegável orgulho que o português sente por ser pai dessa invejável «raça».

Mais do que o mundo, e, dele, as riquezas transaccionáveis, o sonho português aspirava à universalidade, concebida como o contrário do tribalismo. Isso era também uma crítica à Europa desse tempo, comprometida e exausta pelas guerras ainda feudais. Ora isso implica um profundo respeito pelo outro, que estava presente nos primórdios da colonização portuguesa, respeito que nunca alimentaram holandeses, ingleses e franceses, para quem o indígena é sempre inferior.

Este é o dilema essencial do colonizador: supostamente, o atrasado (social, mental, industrial) estaria (desesperada e essencialmente, acrescente-se) à espera dos seus bons ofícios. Se a «civilização» serviu de legitimação para o colono, essa ingénua e altruísta motivação opunha-se, quase por definição, à vontade de domínio, a qual acabava sempre por se sobrepor; esse antagonismo, exarcerbado por factores económicos, prejudicou a sã convivência multi-racial.

Mas não era ainda esse o espírito, nos inícios de quinhentos. Para o demonstrar, bastaria invocar a troca de embaixadores com o reino do Congo, com a admissão em Coimbra (a elite portuguesa) dos príncipes congoleses, vindos expressamente, com todas as honras, para aprender o português, com o objectivo de virem a servir como futuros mediadores. Essa ideia generosa e universalista viria a ser rápida e inteiramente corrompida pelo poder do dinheiro, que o tráfego mundial gerava.

P.S. Continua. Tenho muito mais a dizer sobre o assunto, mas tem de ser devagarinho, porque tenho de organizar as ideias. Continua brevemente (vai ter mais umas tantas partes).

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

PAIGC para o museu que Cabral está no Inferno

Citação de uma irritação justificada: 

«Querem ter lucros e direitos de monopólio colonial! Será que até agora não acertaram o passo com o mundo? Continuam agarrados aos sonhos quinhentistas? Dão-se mal com a democracia? Acautelem-se, porque os sinais de aviso são muito graves dentro da própria sociedade dos vossos patrões, dentro da vossa metrópole»

(vide Doka - um dos 3D's da Guiné, link ao lado direito)

Frase que resume o essencial. Assente-se o passivo; logo lembraremos também o activo (em Espermatugazoide II ou III - em preparação). Já se adivinhou, claro, os destinatários da mensagem... Claro que há uma pequena injustiça (quando se fala de «sonhos quinhentistas», pois esses eram belos, ecuménicos e multiraciais), mas compreende-se o sentido, no contexto da libertação.

Espermatugazoide - Assimilados ou Burmedjos? Parte I

Conta uma fábula que uma vez houve uma guerra entre os animais da terra e do céu. Enquanto parecia que os do ar estavam a ganhar, lá andavam os morcegos a esvoaçar, gritando e apoiando o ataque. No entanto, veio a acontecer que os da terra recuperaram terreno e acabaram por ganhar; no fim da guerra, aquando do ataque final contra os últimos ninhos de resistência, viram-se os morcegos na frente de combate, do lado dos da terra, dando vivas sobre as patas e tentando disfarçar as asas o melhor que podiam. Claro que os bichos não eram parvos e criaram um tribunal para julgar o caso, que condenou, para sempre, os morcegos a só poderem viver de noite.

Reparem que a condenação à escuridão não aconteceu por causa da maravilhosa capacidade de adaptação dos morcegos: em si, a polivalência é uma boa qualidade (quantas espécies não se extinguiram por estarem demasiado dependentes de certas condições ou nichos particulares? quantas firmas ou mesmo países não faliram por estarem dependentes de um único comprador ou de um único produto?); o que tramou os morcegos foi terem utilizado essa competência para tentar enganar os outros. Em português há um provérbio (ou melhor, uma única palavra utilizada como epíteto) que ilustra bem a atitude dos morcegos neste caso: «vira-casacas».

Parece que, na origem da expressão, terá estado um aristocrata alemão, o qual, vivendo numa zona de conflito, com avanços e recuos de ambas as partes, terá mandado fazer, a um alfaiate, um casaco com a particularidade de ser «retro-verso»: quando vinham os soldados de um dos lados, era azul, quando vinham do outro, também não havia problema, virava-se o casaco, ficava vermelho. Esperto. Se calhar safou-se melhor que os morcegos, mas o acto ficou-nos plasmado na língua e no espírito como pouco deontológico (se bem que muito comum). Também em Angola, em 1975, a maior parte da população era multi-filiada, com cartões de vários partidos (em bolsos diferentes).

(Continua)

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Fraternidade

Tenho a dizer (ou talvez devesse dizer lamentar) que, embora em geral alheio à Guiné, conheço pessoalmente as duas vítimas de espancamento dos últimos dias.

O Silvestre Alves conheci em Lisboa, no ano de 1998... Na altura, apresentou-se nas reuniões da Diáspora como representante pessoal de Ansumane, primando por uma actuação bastante auto-centrada. Ainda me lembro de o ter visitado, em Bissau, no ano de 2001, infelizmente após um outro espancamento (julgo que também por intrigas políticas) numa discoteca.

Com Iancuba, acompanhei a conversão ao Islão, chegando a discutir, ainda me lembro (com o Mamadu), o abandono do álcool como questão teológica... Aparentemente, a adesão ao monoteísmo não o terá tornado mais tolerante (isto não implica qualquer consideração contra essa religião, em muitos aspectos bem mais tolerante que a católica, que é a minha).

Julgo despropositada, indecorosa (e contraproducente) a forma como ambos foram tratados. Aos dois o sincero desejo de um rápido restabelecimento.

Instigação da violência

Lamentável.

Aparentemente, poderosas forças de destabilização estão em jogo.

A teoria da conspiração em curso, quer fazer crer, recorrendo a artificiosas lembranças da guerra colonial (quando os felupes derrotaram realmente uma coluna do exército português com arcos e flechas), que há uma guerra de foro tribal. Simples constatação étnica de mortes anunciadas no Simão Mendes.

Sim, os felupes são calmos, de uma fidelidade a toda a prova, por isso eram etnicamente preferidos pelos colonos para o convívio intra-muros. Mas a teoria apresentada não tem pernas para andar, porque o capitão que supostamente os comandava era balanta, ou estaria simplesmente disfarçado de inimigo?

Os felupes não pedem guerra a ninguém: mesmo etnicamente preteridos (para não dizer ofendidos), é uma população evoluída (peço desculpa pela «forma» colonial), toda fala crioulo (tão bem como os «guineenses» de gema), e, para além disso, a maior parte chama-se Silva, como o Presidente de Portugal.

Tal como muitos povos africanos, não têm a culpa que as suas fronteiras tenham sido traçadas a régua e compasso, noutro continente. Bem sei que me senti bem em território colonial francês, como quando tomei banho frente a Cassine; mas lamento a contra-partida, Ziguinchor.

7ze chora Ziguinchor? Não. Prefiro de longe o chão Balanta. Verdadeiro, genuíno. Falso, traiçoeiro, também. É sempre difícil conviver com a liberdade do outro. Já Cabral distinguia a horizontalidade balanta da verticalidade fula (esses, como sempre, na retranca, do lado do poder instituído)...

Tagma era respeitado em São Domingos e Varela. À bruta, mas era; além disso, tinha legitimidade. Não queiram pois, quem quer que seja que ordena estas «políticas», atiçar rastilhos, num contexto «pós-colonial», porque o felupe é (isto é, claro, um elogio) homem de uma vida inteira.

Quanto aos diolas (les mêmes): jamais (jamé, em francês) se deixem intoxicar por caciques locais... a guerrilha em casa (mansa, porque violenta chateia) cansa: nunca seria razão para chatear os donos do chão. Feel up! Não se passa nada. Isso é o que pretendem os intoxicadores: vão engolir o anzol?

A paz é mansa. Não queiram guerra com aqueles que apenas com arco e flecha fazem frente a metralhadoras! Melhor que isso, no mundo inteiro, só guerrilheiro balanta na defesa do seu chão. A paz é boa, nada de kansá-la com despropósitos. E eu não mendigo!

Um óptimo professor da minha faculdade (mesmo se eu não era dessas áreas) é o Prof Doutor Costa Dias, que tem um conhecimento aprofundado destas questões: não estará na altura de um jornalista esperto o abordar com meia dúzia de perguntas inteligentes (deixem estar que ele faz o resto)?

Estou céptico: consegui disfarçar bem a minha preocupação? Ninguém lucra realmente com esta intriga, a não ser os mesquinhos que por incúria se acoitam nas Necessidades, mais os seus amantes sub-tropicais, cuja infeliz história talvez tenham tornado insensíveis à vida.

Quem faz a guerra dentro para agradar aos de fora? Como diria o cúmulo (perdão, o Kumba), estamos todos condenados a viver juntos: quem quer salpicos de sangue na roupa e/ou na consciência? Já ouvi dizer a entendidos que são mais ou menos indeléveis.

Vamos acordar um por um?*

*Bela expressão guineense face aos (crónicos) tempos de instabilidade: se o primeiro que acordar, acordar o outro, quer dizer que não houve crise durante a noite; que mais pode um homem pedir, face ao omnipotente, senão um dia de cada vez?

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Enxovalhanço da bandeira

Bem sei que me acusam de não explicar bem os contextos e de isto ser só para entendidos... Ok, mas isso é uma crítica de tugas. Não me apetece explicar nada. Aviso que isto tem apenas a ver com a realidade guineense, infelizmente, hoje, sob ameaça de um infeliz candidato a ditador com origem portuguesa.

A bandeira nacional de Portugal foi triste, mas merecidamente, enxovalhada, em Bissau. Sim, porque a bandeira é um símbolo físico, uma imagem actual, não uma herança estrutural, como o português. É o coroar da triste orientação externa deste governo, já desgovernado em negócios estrangeiros desde a Líbia...

O lamentável inspirador desta política de atrofio, Paulo Portas, só e pretensamente orgulhoso, foi aparentemente conivente em mais uma manobra recente (esta semana) de Angola para ocupar militarmente a Guiné-Bissau, numa (portanto inimaginável) operação aero-transportada em aviões pesados Ilyushin?

Para isso era necessário tomar conta do perímetro de Bissalanca, garantindo a aterragem dos blindados da testa de ponte da CPLP, ONU ou qualquer coisa que se inventasse a seguir, sempre muito baseado na retórica da reposição da legitimidade (fica sempre benzoca, claro, Catarina).

Sem qualquer consideração pelas consequências dos seus actos, fizeram avançar um peão (por isso é vendida a «contra-história» no Ditadura) a quem fizeram acreditar na sua «beleza» e super-potência (claro que há comunicação entre actores mas isso não garante argumento sólido a qualquer ficção!).

Já agora, as declarações emanadas das Necessidades, segundo o insuspeito Aly, são perfeitamente histéricas, inconsistentes e «à coté de la plaque»: depois de recusar laconicamente qualquer comentário, sobre o seu envolvimento no caso, vêm desmentir o «estatuto» de exilado político do bicho?

Então não reconhecem o assunto mas discutem-lhe os meandros? Sim, o implicado não era simples refugiado, era pior: tratado com especial deferência, senão mesmo acarinhado, pela hierarquia; um bom peão para avançar na altura certa. O exército português não sangra, gangrena.

Reconhecem portanto, que, mais que um simples refugiado político, teve formação e «inspiração» militar em Portugal... Tinha, como muito mais gente, o número de telemóvel do CEMGFA. Toda esta situação faz-me estranhamente lembrar do provérbio «vira-se o feitiço contra o feiticeiro».

Depois de algum tempo de ausência, aderindo ao impasse, um abraço grande ao Didinho, ao Doka, à Titina, ao Filomeno, e a todos em geral, mas um em especial ao irmão de Gabu, Sancho Fula, de quem não resisto a citar a poesia:

«Bo purdan. Ma ê cuça di squirbi na criol i cuça di brincadera di Didi.
Língua câ tem duno.
Bu pudi raiba cu políticus di Portugal. Ma língua ca tem culpa. Língua e ca di çels.

Português i di nos tudo.»

Que calor na alma.

Saudades & Mantenhas di ermondade