Repare-se que «assimilados» tem duas acepções: uma igualitária, assumindo ser «mais ou menos» tuga ou, pelo menos, «até disfarça bem»; uma outra propriamente gástrica, na qual «assimilado» significa «estar no ventre de» ou «engolido», como o Capuchinho Vermelho na barriga do lobo (noutra versão é o lobo do mar no ventre da baleia).
Note-se que aqui, quando falo de «assimilados», não me refiro apenas ao conceito «guineense», de certa forma descendente daquele que já aqui foi genericamente enunciado para o «Império» português, mas em geral a toda a humanidade «entre duas culturas», envolvendo portanto também toda a Diáspora guineense. Um enorme desafio.
Quem migra de cultura tende a apresentar duas formas diferentes de lidar com a sua diferença de origem perante o outro: uma, negativa, procura ocultar essas origens; outra, positiva, deseja cultivar as suas raízes. Regra geral: na experiência número um, obtêm-se macacos; só é benéfica uma experiência total, cruzando as referências culturais.
Para a identidade do «migrante» pode ser altamente destrutivo, num ambiente sentido como hostil (mesmo que não o seja propriamente), sentir-se humilhado, ou simplesmente desprezado nesse papel. Daí se perceba a tentação de disfarçar, de imitar o maior número possível de sinais exteriores do outro, símbolos da pretendida inclusão.
Contaram-me, em jeito de anedota, mas a título de história verídica, que em tempos coloniais não muito longínquos um comerciante juntou um pequeno cabedal e, tendo ouvido histórias dos bons negócios que por Angola se podiam fazer, decidiu preparar grande encomenda de smokings, que estavam na moda, com os respectivos laçarotes.
O facto é que parte da encomenda extraviou-se e, se bem que não se tenha perdido, acabou por voltar à Metrópole por erro, sem que ao pobre dono, já embrenhado em terras estranhas, tivesse sido dado aviso. Só levara consigo os laçarotes, para poupar a sua fragilidade e também um pouco nos portes. Instala-se numa casa e abre a porta.
Entretanto, depois de gastar tudo o que trazia e nada de chegar o resto da encomenda, deita contas à vida... Parece que o sócio, em Portugal, ao saber do retorno da mercadoria a Lisboa aproveitara uma oferta para a revender com pouco prejuízo e comprou uma viagem para Angola esperando ir encontrá-lo na miséria. Qual quê? Um sucesso.
Tê-lo-á percebido quando chegou e «viu todos de laçarote, mesmo sem camisa, como se andassem de smoking»
. Um bom vendedor até banha da cobra vende. Enquanto o simples símbolo, o parecer, valer mais que o ser... Não desprezemos nós próprios a nossa identidade, não façamos o ofício «normalizador» do colonizador mental.
Faz parte dessa «ideologia» castrante, o mito de que as culturas são exclusivas, abstraindo a ideia de um possível e desejável «contacto». Quem foram aqueles que levaram o Terror a Nova Iorque? Agentes iranianos, provocadores afegãos, ou loucos paquistaneses? De maneira nenhuma: foram jovens americanos promissores.
A cavalo entre duas culturas, entre civilizações, entre religiões, sentiram a sua identidade tão humilhada pelo discurso hegemónico a que os sujeitaram, que ofereceram as suas vidas em Holocausto julgando agradar ao seu Senhor. Mas não eram pobres, nem excluídos, nem incultos, nem desempregados, nem pouco inteligentes...
Poderiam ter sido, em vez de Anjos da Destruição, Pontes de Paz, ajudando as duas culturas às quais se sentiam pertencer a compreenderem-se melhor. É essa a missão de todos aqueles que estão no «meio», a de mediadores. Mas para isso é essencial redignificar a diferença... Somos incrivelmente interessantes porque somos diversos.
Permitam-me que conte um pequeno facto para o ilustrar... Nos campos de concentração nazis, uma parte anormalmente elevada dos sobreviventes eram diabéticos: a «componente» genética que nos parece negativa, uma doença que ninguém quer ter, pode revelar-se importante, em circunstâncias especiais, para a sobrevivência da espécie...
Também me parecem existir actualmente duas atitudes diferentes e extremas, das culturas de acolhimento relativamente aos migrantes: a francesa, que pretende «despir» o migrante das suas antigas roupas e «vesti-lo» à francesa; e a inglesa, que assume a manutenção das diferenças, mas em apartado, colocando de parte qualquer real integração.
Mesmo assim, num contexto laico, julgo que a atitude dos franceses é mais humana; no entanto, também acho que lhes falta alguma humildade, na exigência de «conformidade» aos seus «parâmetros», que não lhes permite beneficiar da adesão de «corpo e alma» de uma franja importante da população, evidenciando os limites e riscos do modelo.
Quem tem assim tantas certezas acerca da sua superioridade, seja genética, intelectual ou, mesmo, moral, a ponto de poder prescindir da diferença que o Outro oferece? Não é condenável este discurso, nem que por ser revelador de simples ignorância? Não será a intolerância assassina que reina no mundo um reflexo dessas atitudes reprováveis?
Quem não se lembra da virulenta campanha «étnica» contra os burmedjos, há pouco mais de dez anos, promovida pelos verdadeiros fidju di tchon? A retórica utilizada passava pela enumeração dos «vícios» destes; é claro que estou longe de defender essas práticas, que visavam essencialmente afastá-los dos lugares mais importantes...
Pode parecer chato e grosseiro lembrá-lo, mas para o «migrante» o verdadeiro «pacto» só pode consistir em caminhar para uma identidade compósita
1) não sobrestimar a cultura de destino
2) não subestimar aqueles que ficaram na cultura original
3) construir pontes, mesmo no «meio do nada»
4) ajudar o mundo a aderir a uma culturação «global»
Mais do que tornar-se, para sempre, um aculturado, não pertencendo realmente nem a um lado nem ao outro, o verdadeiro desafio está em cultivar-nos em relação ao Outro, sem perda de identidade, para com ele podermos ter algo a partilhar. Uma elite não o é por se mostrar superior, mas sim se respeitar e puxar o resto dos irmãos.
Em vez dos caldos de frustração a que nos quiseram habituar, chegou a hora das sínteses; senão estaremos condenados a ver continuar a crescer exponencialmente a intolerância e o fanatismo (mas também a arrogância e a ganância) os conflitos o terror... Amar ao próximo, como defendem Os Livros, parece decerto uma melhor opção.
Estou lembrado de um passo em particular d'O Corão:«Cremos em Deus e em todas as coisas que nos revelou, a Abraão, a Ismael, a Isaac, às Tribos, naquilo que foi dito a Moisés e a Jesus e naquilo que foi dado aos profetas do Senhor. Os judeus, os cristãos, todos os que acreditaram em Deus e praticaram boas acções terão recompensa junto de Deus».
«Rivalizai portanto nas boas acções. Todos regressarão a Deus que decidirá sobre vossas divergências...E não disputai com os povos d'O Livro, senão do modo mais cortês, excepto com aqueles que agem de forma iníqua, e dizei: _Acreditamos naquilo que desceu sobre nós e naquilo que desceu sobre vós: o vosso Deus e o nosso são Um só.»
Há 6 minutos
9 comentários:
Era mais fácil um balanta ou felupe ser assimilado, "assemelhado" ao tuga, do que balanta, feluoe, fula, assimilarem-se mutuamente.
Mais difícil é um burmedjo ou tuga ser asimilado por feluoe, balanta e fula simultaneamente.
Será que Mandela acabou com o problema do apartheid? Todos se auto-assimilaram?
Decerto que os sul-africanos não se «auto-assimilaram»; se o apharteid continua sob outras formas, isso é outro problema. Mas contra as expectativas de muita gente, têm convivido sem grandes barbaridades...
Mas talvez me tenha entendido mal. Eu não defendo qualquer assimilação; defendo sim, mais do que simplesmente conviver, viver as diferenças e até cultivá-las!
E, face à crise, acho que se exportássemos uns tantos tugas desocupados para chão fula, seriam rapidamente digeridos. (os fulas não são canibais, calma).
É que a «adaptar-se», o tuga é bom, esqueci-me de o referir. Foi de facto um lapso. Para a «troca simbólica», nenhum é menos «maleável» do que outro. É um princípio.
E, já agora, julgo que, em tempos, os colonos fizeram também parte de um projecto de «mediação». Infelizmente, dada a natureza impositiva e perversa da sua relação ao outro, esse projecto, se nunca existiu realmente para os súbditos de outras majestades, falhou redondamente no caso português; muitas razões se poderiam apontar, mas releia outra vez o meu texto... é uma boa ajuda, tente perceber por si. Se não estivessem tão virados para o próprio umbigo e para a Metrópole, talvez não tivessem precisado de perder tudo e retornar de mãos a abanar para um resto de existência tão azedo.
O que sugere como solução para os problemas que aponta? Que se matem todos uns aos outros, liquidando as diferenças de um modo radical? E como sugere que o façam? Por eliminatórias? Os balantas matam os felupes, os mandingas matam os fulas, e depois estes matam-se por sua vez uns aos outros... Quando já só sobrar um ou dois, vamos para lá nós outra vez, matamos os sobreviventes e voltamos novamente a juntar a Guiné ao Algarve...
É um grande plano sim, senhor. Cá para mim questiono-me se o caro comentador do Blog não andará a conviver demais com o actual Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal.
Nunca relacione um retornado com um actual ministro dos estrangeiros, nem nem com o ministro dos estrangeiros que iniciou esta dinastia.
Eles são todos uns europeistas, e de áfrica até tem alergia.
Sugiro aos africanos em geral talvez que se federem (fazer uma dederação) um dia.
O azar dos africanos é que insistem em imitar a europa, gostam e estudam muita a história da europa. o que eles gostam do Átila, do Napoleão e do Hitler!
Sobre o facto de muita gente dizer que os tugas vieram de "mãos a abanar" é uma ideia falsa para uns e verdadeira para outros.
Eu penso que viemos riquíssimos de todos os territórios onde ficou o idioma, e pobrezinhos viemos da Índia, de Tanger e Alcácer Quibir, e de São João Batista de Ajudá, por exemplo.
Sim, o seu último parágrafo já revela um espírito mais construtivo e consentâneo com a linha «editorial».
Obrigado pelo contributo e bom resto de fim-de-semana.
Pelo menos temos uma coisa em comum:
A repulsa por Mário Soares e Paulo Portas.
Esta «dinastia», como lhe chamou, nas Necessidades ou no país, está podre. Começou mal e vai acabar pior...
Perdoe-me ainda, caro frequentador destas paragens, que escolheu a alcunha de «retornado»:
Fiquei a remoer o termo, «demasiado» correcto, que empregou, «dinastia». Embora se perceba claramente que foi empregue de uma forma risível, acho que aqui se justificam palavras mais ofensivas.
Permita-me pois que ouse «traduzir» a sua palavra por:
«Escumalha vende-pátria»
«Lamentável corja de ridículos»
Imaginará que me ocorreram mais expressões, que me privo de publicar por poderem ferir os ouvidos dos outros frequentadores.
Malbarataram a nação, mas espero que ainda vivam o suficiente para serem responsabilizados e devidamente punidos.
«Miserável bando de mendigos»
«Terrível chusma de bandidos»
(ainda sem ferir muito os ouvidos)
«Execrável pandilha de medíocres»
«Ignóbil raça de aculturados»
(enfim... o melhor é parar senão nunca mais acabo)
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