O senhor procurador de Manhattan não veja neste título uma provocação, pois este exprime a sincera esperança de muitos guineenses de conseguir reconstruir um novo país (tal como os EUA construíram um monumento sobre as ruínas do World Trade Center), sobre as cinzas do Estado, uma vez dissipada a névoa de pó que lhe hipotecou os destinos.
A questão não é nova e vinha sendo insistentemente denunciada por muitas pessoas. Quem quiser relembrar basta seguir os links que o Didinho deixou em comentários nas mensagens anteriores. Depois da desgraça que constituiu o assassinato de Ansumane, Veríssimo seguiu o mesmo caminho, por não ter conseguido pagar a tempo os salários aos seus soldados. Nino Vieira mostrava assim o «pau»: «querem morrer à fome?»; depois, inteligente (para o mal) como era, mostrou a cenoura, trazendo o cancro da droga para as altas instâncias do poder militar na Guiné, como forma de remunerar «discretamente» os favores relativos ao seu retorno. Mas não há almoços gratuitos...
Nino rapidamente perdeu o controlo da «galinha dos ovos de ouro», sendo a coisa primeiro interpretada como uma questão pessoal com Tagma, mas depois este irritou-se com a concorrência de outros free-lancers, que andavam a traficar debaixo do seu nariz. Até que lhe chegou a mostarda ao dito. Hoje alguns guineenses parecem ter-se deixado intoxicar por um clima de «colaboração» forçada com a América, diabolizando responsáveis militares em funções, a quem se deve a presunção de inocência, até eventual condenação em tribunal legítimo. Ora se nada disto é novo (nem sequer a ameaça dos americanos), não se percebe o porquê desta reacção de tão viva «admiração».
Mas o que pretendem agora? Entregar o Chefe de Estado Maior num embrulho aos americanos? A expatriação, neste contexto, é uma tremenda humilhação para uma pessoa, e na minha opinião, todos os guineenses se deveriam sentir solidários com António Injai. Como é possível querer expatriar alguém? A pátria, a pertença à terra, é um direito inalienável. Neste contexto, como para bom entendedor meia palavra basta, permitam-me que partilhe a lamentável história de Humberto Delgado, candidato à Presidência da República portuguesa, em 1958. Durante algum tempo encarado por Salazar como um potencial delfim, este general da Força Aérea foi enviado para West Point nos Estados Unidos. De retorno a Portugal foi instrumentalizado pela maçonaria e pela oposição para se candidatar contra o regime. O próprio Salazar parecia disposto a tolerar ser afastado do poder e a deixar o lugar a sangue novo. Até que, numa fatídica entrevista, aquele a quem chamavam «General sem Medo», cometeu o maior erro da sua vida, demonstrando mesmo, na minha opinião, que não merecia a confiança que os portugueses ingénua e esperançadamente nele depositaram: quando lhe perguntaram o que pensava fazer com o Presidente do Conselho (Salazar), respondeu: «Obviamente, demito-o».
Quem, em duas palavras, é capaz de dizer uma a mais, gratuita e desnecessariamente, não merece governar. Foi precisamente o que achou Salazar e foi por isso que tratou de viciar as eleições e afastá-lo do poder. Para além disso, há uma regra de ouro: não se humilha quem ainda está no poder. Salazar poderia, no fundo da sua alma cristã, ter aceite o «Demito-o». Para que foi o «Obviamente»? Já não tem a ver com a história mas vem igualmente a propósito a forma como morreu o General, que se tivesse Medo (ou fosse mais desconfiado e matreiro) talvez ainda pudesse estar vivo, como o Manuel de Oliveira: foi atraído a uma armadilha, em Espanha, na fronteira com Portugal, onde agentes da PIDE o abateriam, bem como à sua secretária brasileira.
Permito-me especular, como exercício meramente académico: mesmo se admitíssemos (não vou acrescentar «pelo absurdo») que o senhor General Injai esteve realmente conscientemente implicado nalgum caso de proventos com origem em facilidades concedidas no âmbito do tráfico de droga, não lhe poderá servir de atenuante o ter eventualmente utilizado parte desse dinheiro para pagar despesas dos quartéis? Neste momento, parece-me que a solução terá de ser ferranhamente (evitámos o ferozmente) endógena, convencendo os americanos de que os guineenses são capazes de varrer a casa sozinhos, dispensando «ajuda» (evitámos utilizar «ingerência») externa, dando rapidamente provas dessa boa vontade com uma verdadeira refundação do Estado.
Quanto aos métodos utilizados pelos americanos, são no mínimo discutíveis. À luz do direito português, por exemplo, são ilegais as armadilhas como meio de produção de prova, ou seja, criminosos seriam, neste caso, os agentes americanos que montaram toda esta tramóia. Atente-se em pormenores que saíram à luz como a «oferta de fardas para o exército»: aqui já não estamos perante métodos «pouco ortodoxos» mas simples má fé. É como colocar um prato de comida à frente de um esfomeado, dizer-lhe que é proibido comer e ficar à espera que morra de fome por questões éticas e morais. Se não fosse trágico, poder-se-ia achar engraçado perguntar aos americanos, face à sua disponibilidade em meios ultra-sofisticados, porque não controlam as origens do tráfico, ou o fazem em águas internacionais. Um avião para atravessar o Atlântico leva umas boas horas, dando claramente tempo para ser interceptado e seguido para fiscalização, em caso de suspeita, quiçá por drones especializados nessa função, que se «agarrariam» ao avião como «lapas».
Imaginando, num golpe de sorte, apanhar dois coelhos de uma cajadada, os americanos tiveram de se contentar com uma coxa de coelho (que de si era um pouco coxo). Mas parecem querer manter a pressão, pela classificação de «traficante» oficialmente atribuída agora a Injai por um (sublinha-se) procurador (e não Juiz), supostamente baseadas em confissões de Bubo. Mas aqui lembramos que os Chefes dos Estados Maiores da Marinha e da Força Aérea já estavam indiciados há bastante mais tempo, só agora se tendo cumprido a ameaça. Depois dos acontecimentos na Somália, parece-me que a visão geo-militar americana não concebe operações convencionais em solo africano (excluindo obviamente, pelos vistos, operações encobertas). O que não quer dizer que não usem vias diplomáticas, recorrendo a organizações sub-regionais, como parece ser neste momento o caso, havendo quem sugira que o discurso americano implica uma ameaça para a CEDEAO, de esta se ver desautorizada, no seu próprio terreno, por uma intervenção americana, (talvez oportuna, para mostrar aos franceses, em retirada do Mali, que também têm uma palavra a dizer no continente; ou mero bluff?).
Suspeita-se que os vários CEMFA que anunciadamente se preparam para aterrar em Bissalanca venham imbuídos dessa missão. No entanto, que vão pedir ao seu congénere guineense? Que se exile? O senhor General, caso pense em aceitar alguma proposta mais generosa, não deve deixar de acautelar a continuidade da sua função no âmbito do Comando Militar, assegurando a passagem do seu «bastão», último bastião da Nação. Esta saberá ficar-lhe grata se, num gesto de generosidade, considerar afastar-se tranquila e humildemente, para evitar mais sobressaltos, tratando depois de defender por vias legais a sua honra ofendida. Fora das «negociações» parece-me que deve manter-se a questão da integridade da soberania, que, por princípio, não é partilhável com forças estrangeiras, que vieram com a missão formal de proteger as personalidades de transição. Dava um palpite: que Daba vai estar à altura; chegados a uma encruzilhada, não é hora para deitar fora aquilo que se começou. Deve-o ao futuro, aos jovens guineenses, que esperam uma defesa intransigente dos direitos aos seus recursos minerais (parece pertinente, a este propósito, a comparação feita com Noriega: depois de ter sido um menino querido dos americanos, quando puxou a brasa à sua sardinha - canal neste caso - aos interesses do seu país, aí a porca torceu o rabo, sendo rotulado de narco-traficante e rapidamente deposto pelos seus ex-patrões da CIA).
A «falta de comparência», nesta altura, no país, do Presidente da República, ou a má prestação ( e o mau gosto) de Fernando Vaz chamando ao seu próprio país «última nação do mundo», não enfraquece, de forma alguma, a posição negocial do Estado-Maior guineense. Também a recente atitude dos dois maiores partidos, que parecem ter entrado em negociações, parece ser construtiva, no sentido de se entenderem para apoiar uma solução de transição e evitar a dissolução do Estado. Já aqui defendi no blog que, na minha opinião, o estado de excepção (renovado, neste caso) deveria prever a concentração momentânea do poder civil com o militar. A Guiné não é muito grande, segundo dizem não há lá Estado, só tropa, portanto essa realidade deveria, como já defendi aqui há um ano, ser assumida pelo Comando Militar, reunindo as figuras de Presidente e Primeiro-Ministro, mas responsabilizando-se «operacionalmente» e pessoalmente por um «caderno de encargos» político, num espaço relativamente curto. Parece a melhor garantia relativamente ao muito trabalho que há para fazer: uma nova constituição para o desenvolvimento, que contemple umas Forças Armadas fortes e capazes de defenderem o país e garantirem a segurança nacional e o continuado respeito dos países vizinhos, que alicerce uma aposta no mérito e na competência e não na inveja, o envolvimento e participação de todos no progresso social e económico, um apelo à diáspora para um retorno ao país, um apelo, consistente pelas suas garantias de estabilidade, aos investidores para confiarem numa nova fórmula e «pacto de regime», que faria da Guiné um paraíso à face da terra e onde todos teriam reconhecidamente o seu valor na diversidade. Está na hora de recomeçar do zero!
Djarama
P.S. Que quereria dizer Cadogo com «a última oportunidade para a Guiné», expressão depois retomada (para evitar dizer usurpada) pelo representante da ONU? Estaria a falar do desaparecimento «jurídico» do país? (em espírito, soou quase a «físico» - perdoem-no, ainda não ultrapassou o trauma da rejeição de que foi «vítima») Para quem se auto-intitula Primeiro-Ministro em exercício, é caso de traição! Para além de ter sido o principal responsável (pelo menos moral - porque não pensam os americanos em incriminá-lo?) por toda esta situação, no sentido de ter sido quem esteve melhor posicionado para lidar com o problema, com toda a legitimidade adquirida nas urnas: mas que se enredou numa teia de condescendências as quais rápida e previsivelmente se transformaram num beco sem saída. Há um provérbio que encena uma prostituta veterana dirigindo-se a uma novata e desculpem o vernáculo: «_Ó filha, puta por um dia, puta para o resto da vida.» O que parece ser preciso, na Guiné, é precisamente o contrário: seriedade e honestidade intelectual, bem como a necessária firmeza para as sustentar.
Há 14 minutos
1 comentário:
O Burkina roeu a corda aos americanos (sendo dos países com tropas no terreno, era já de si estranha a sua ausência do leque de CEMFA que estão anunciados para aterrar em Bissau), dando o sinal de que está fora de questão «operacionalizar» a força da CEDEAO (então não tinham dito que a força era completamente inoperacional?); aliviando assim a pressão «diplomática» que vem dentro do avião.
Mensagem para os americanos, já traduzida do burkinabê:
«Se quiserem o Injai, vão vocês apanhá-lo à mão»
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