sábado, 31 de outubro de 2020

Reader's Digest

Referimo-nos ontem a uma certa desinformação, no seio da sociedade guineense (apesar de algumas tentativas para lançar o debate), quanto ao acordo de cooperação com o Senegal, o qual foi um logro em que caiu Nino na sequência dos sucessivos desaires sofridos no processo internacional de definição de fronteiras marítimas (aliás ainda por concluir) e engodado por aquilo que se supunha, à época, serem promissoras e importantes prospectivas do lado senegalês.

Nesse sentido, preparámos um pequeno ponto da situação, que pretende resumir o actual status quo jurídico, para que os guineenses possam compreender melhor aquilo que se encontra em jogo. Como uma imagem vale mais que mil palavras, optámos por uma representação cartográfica, com base num Atlas recentemente publicado, ao qual acrescentámos as informações mais relevantes para o caso que nos interessa, propondo ao leitor que acompanhe no mapa as referências.

Tudo começa em 1958, com prospecções desenvolvidas pelos franceses da Total, do lado senegalês, e da companhia americana Exxon, do lado português, que indiciaram a presença de petróleo. Note-se que os franceses, perante a óbvia aproximação das independências resultantes do referendo promovido pelo General De Gaulle, associado ao advento da V República, estavam estrategicamente interessados no inventário de recursos, cuja exploração pretendiam partilhar.

Note-se igualmente que, no mesmo momento e face à intenção francesa de conceder a independência às suas colónias africanas num novo quadro de cooperação (ou de exploração neo-colonial), Portugal se encontrava internacionalmente isolado, perante a opção de reconverter o seu império sob novas roupagens de províncias ultramarinas. Salazar precisava desesperadamente de garantir, não só o apoio diplomático francês, nem que dissimulado, mas também o militar.

É neste contexto que, através de simples troca de notas diplomáticas datadas de 25 de Abril de 1960, Salazar vai fazer um presente territorial aos franceses, aceitando o azimute 240, centrado em Cabo Roxo, para a partilha do fundo do mar guineense. Parece óbvio que a discrição do Presidente do Conselho e o carácter claramente desfavorável se prendeu com contra-partidas secretas, nomeadamente ao nível do fornecimento de equipamento militar, violando o boicote.

Com a independência, colocou-se o problema da definição de fronteiras marítimas, já que as terrestres se encontravam delimitadas desde o final do século XIX, consequência do Tratado de Berlim. Para evitar a eclosão de disputas territoriais com a independência das colónias europeias, estabeleceu-se como critério absoluto o respeito pela intangibilidade dessas fronteiras, conceito recentemente abalado de forma flagrante pela secessão do Sudão do Sul e outros casos.

A tardia independência das colónias portuguesas, fez com que este problema só fosse levantado com a reivindicação, por parte do novo Estado da Guiné-Bissau, do paralelo correspondente ao azimute 270, para fronteira marítima. Essa linha encontra-se representada a vermelho no mapa. Era uma reivindicação justa, atendendo à configuração da Gâmbia, e que a costa só abandona a configuração longitudinal e começa a inflectir para sudeste a partir de Cabo Roxo.

Por essa altura, os limites marítimos restringiam-se às 12 milhas náuticas. Note-se contudo a grande evolução sofrida pelo Direito do Mar, nas últimas quatro décadas, nomeadamente desde a convenção de Montego Bay, inclinando-se para a extensão da exclusividade das zonas económicas associadas ao mar territorial, com base no critério da profundidade e origem sedimentar da plataforma continental. As duas plataformas em causa na zona são representadas por círculos.

O referido Atlas, que nos serve de base, resulta de consultas com várias instâncias, mas, para o caso que nos interessa, parece ter enfileirado com as teses franco-senegalesas, que referem "a" plataforma "casamançaise-bissau-guinéènne". Ora esta expressão é um claro silogismo, que pretende englobar dois sistemas de amplitude muito diversa. A plataforma bissau-guineense é muito superior à de Casamança, sendo esta última claramente tributária da primeira.

Até 1977, vigorou informal e usualmente a reivindicação original da Guiné-Bissau. Contudo, nessa data, um investigador senegalês esteve em Portugal a consultar os arquivos e descobriu a troca de notas entre Salazar e Charles de Gaulle, das quais tirou cópias e levou para o seu país. Estas viriam a servir para a contestação das pretensões guineenses, passando o Senegal, a partir dessa data, a reivindicar o respectivo azimute, o 240, como delimitação da fronteira.

Saltando sobre a questão do litígio fronteiriço (já suficientemente documentado nas suas peripécias pelo mano Didinho), a que esta situação deu origem, em que a Guiné-Bissau avançou sem a devida preparação jurídica e fundamentação técnica, importa apenas lembrar, para aquilo que nos interessa, que ambos os países acabaram por recorrer consensualmente a uma mediação internacional (não era novidade na história do território), já com Nino Vieira como presidente.

A tese defendida pelo Senegal assentava no proto-acordo de 25 de Abril de 1960, em conexão com o sacro-santo carácter de intangibilidade das fronteiras coloniais. Assinale-se, contudo, um pequeno pormenor, que escapou à parte guineense: o Senegal ainda hoje continua a comemorar a sua independência a 4 de Abril. Essa incoerência retira em bloco toda a credibilidade à argumentação senegalesa: Paris já não tinha legitimidade para dispor desses recursos.

A incompetência técnica da parte guineense na fase processual acabou todavia por redundar numa arbitragem desfavorável. Contudo, para além da declaração de voto vencido de um dos três juízes constituindo o tribunal arbitral, há ainda uma importante declaração do juiz presidente, apensa ao veredicto, referindo que a decisão se aplicava exclusivamente às 12 milhas, nada impedindo a Guiné de fazer valer no futuro os seus direitos para além desse limite.

Passado um quarto de século de vigência, chegara o término previsto para o acordo, já com Jomav na presidência. Face ao risco da sua renovação tácita, prevista no texto, o Presidente decidiu, e muito bem, reencetar as negociações, denunciando os seus termos, claramente desfavoráveis e injustos para o país. Foi constituída uma Comissão, incluindo vários advogados e peritos, com origem nas áreas das pescas e do petróleo, os dois sectores explicitamente envolvidos.

Depois de várias rondas negociais, constatou-se a supremacia técnica da delegação guineense, que esmagou literalmente os negociadores senegaleses, provocando grande irritação junto do presidente senegalês Macky Sall. A parte guineense conseguiu fazer prevalecer o entendimento de que o acordo era historicamente localizado e manifestamente desequilibrado, em seu desfavor, levando os senegaleses a admitirem o princípio da renegociação.

Sem entrar nos meandros, refira-se que as perspectivas de descoberta de reservas de petróleo economicamente viáveis se deslocaram, na sequência das explorações empreendidas e da evolução do conhecimento tecnológico, da parte senegalesa para a guineense. Foram rebatidos com sucesso falsos argumentos de suposto financiamento, sendo a delegação senegalesa confrontada com a reversão dos seus argumentos e encostada à parede com ameaça de ruptura.

Efectivamente, a posição guineense era clara e bem sustentada: se, nos tempos em que se julgava que o petróleo estava sobretudo do lado senegalês, podia ser justificável a partilha desproporcionada de 85/15%, justificava-se uma nova redacção, sem prejudicar os interesses senegaleses; conservando o critério, o que simplificaria as coisas, bastaria portanto uma adenda clarificando que o benefício se aplica à parte que encontrar petróleo. Uma proposta honesta.

Na proposta em cima da mesa, o país que encontre petróleo na parte contratada da zona comum, terá direito a 85%, contentando-se a contra-parte com 15%. Macky Sall de alguma forma terá beneficiado da instabilidade política prevalecente no país para conseguir manter as negociações em águas de bacalhau (uma expressão aliás relacionada com o Direito do Mar). Suspendendo as negociações à espera de outra maré, remetia esta para o campo político.

Por esta razão, é ridículo apresentar um cenário de duplicação genérica da percentagem do país como uma vitória do presidente guineense. Depois de a Guiné-Bissau ter sido injustamente espoliada numa decisão arbitral contestada; de ter cedido o território em disputa à AGC, que ficou, quase para todos os efeitos, nas mãos do Senegal (quando o acordo fala em presidência bicéfala rotativa); a actual situação de impasse negocial é inteiramente imputável ao Senegal.

Será realmente de estranhar que o Presidente Macky Sall tenha tido a lata de trazer para Bissau, precisamente na data comemorativa da sua independência unilateral, um acordo para assinar nas condições aparentemente mais vantajosas, de 30/70% a seu favor? Obviamente que se trata de uma confissão de derrota e de uma proposta inaceitável. São biliões (à portuguesa) de dólares em petróleo que estão em causa, para além da má-fé da contra-parte negocial.

A ameaça de ruptura negocial e de recurso às instâncias internacionais, pode assentar em duas linhas argumentativas: uma assenta nos desenvolvimentos do Direito do Mar, em relação à zona económica exclusiva, suportadas pela plataforma continental; outra, na sugestão do eminente juiz presidente do tribunal arbitral, que explicita que a decisão se refere apenas até às 12 milhas (linha a rosa que une os dois círculos), podendo a Guiné-Bissau reivindicar toda a AGC.

Conhecendo que em ambas as alternativas a probabilidade de ganho para a Guiné-Bissau é elevada, seria ingrato e inglório vir a constatar que os guineenses alienaram os direitos dos seus netos no futuro, descontando-os por um prato de feijões hoje. 

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Fake desmontada II

Não tem nenhum fundamento a informação segundo a qual o Senegal é que suporta as despesas da ZEC. A ZEC é auto-sustentável, gera receitas próprias com bónus pagos pela assinatura dos contratos de pesquisa e prospecção. Tinha fundos de mais de 15 milhões de dólares americanos quando o engenheiro Júlio Baldé foi exonerado do cargo, geridos, ou melhor, repartidos, durante mais de 20 anos, apenas entre o Presidente do Senegal e o Secretário-Geral da AGC, sem prestação de contas. 

Apresentar o aumento para o dobro da percentagem da Guiné-Bissau, para uma distribuição de 30/70% é obviamente um logro, para enganar os menos entendidos quanto ao ponto em que se encontravam as negociações com o Senegal, no momento em que foram suspensas, ainda sob a presidência de Jomav.

Não existe nenhum processo negocial em curso. 

Isabel de luto

Isabel dos Santos, mesmo de luto pela morte do marido, ainda arranjou tempo para pedir a libertação dos activistas angolanos presos por João Lourenço. O estado de graça do Presidente terminou... e já se percebeu que o seu regime é uma cópia rasca do anterior.

Anti-modelo

A CEDEAO encontra-se num momento crucial. Há três décadas, com a queda do muro, estava na vanguarda da transição democrática do continente, promovendo alternâncias pacíficas. Hoje, pelo contrário, encarna o despotismo retrógrado e terceiro mundista, com a ganância pelo terceiro mandato por parte de políticos sem especial carisma, abusando dos mecanismos de poder para neste se perpetuarem. Que futuro para esta organização, face a esta virulenta apatia e laxismo

Neste contexto, criou-se junto de muitos activistas uma visão muito favorável ao novo presidente bissau-guineense, o primeiro a colocar os pontos nos iis e a ter dado uma bofetada de luva branca nos tristes campeões da cleptocracia vitalícia - Alpha Condé e Alassane Ouattara - em plena cimeira de Chefes de Estado. Sissoko tem oportunidade para brilhar na sua próxima liderança da organização sub-regional, preparando bem os dossiers, com destaque para o da moeda.

Bomba

O Ministro da Biodiversidade não tem ambiente para continuar no posto: desacredita a ideia de mudança que se quer passar da nova Guiné-Bissau. Viveu-se hoje uma autêntica cena de banditismo de Estado, que consistiu no encerramento arbitrário de todos os postos de combustível. Faz lembrar a extorsão intentada por DSP a pretexto da moratória sobre o abate de árvores, também numa base jurídica ranhosa. Terá contactado, nessa quixotesca cruzada, o Ministro da Energia e Recursos Naturais? O do Interior? Trata-se de uma conspiração contra o Primeiro-Ministro, para mostrar que este não tem política definida ou mão no Governo? 

Se nunca se sabe qual é o Ministério responsável, nem estes se articulam uns com os outros, que investidor privado poderá confiar no país, perante este género de abusos de poder multifocais e quase aleatórios? É incerteza a mais e o dinheiro - pelo menos o limpo - tem medo disso. 

Choca sobretudo o paradigma de política, manifesto numa abordagem claramente autoritária e coerciva, em vez de pedagógica, ética e de compromisso. 

Quem vai pagar o manque à gagner? Por exemplo, num contexto similar de abuso de poder, a Orange Conacri emitiu um comunicado que visa responsabilizar futuramente o Estado guineense pelos prejuízos comerciais causados pelo shut down da internet no país nos últimos dias. 

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Vícios de exposição

O colectivo de advogados do singular Aristide Gomes apresenta uma série de vícios na argumentação publicamente partilhada, nomeadamente nos seguintes pontos:

II 

«O denunciado (JP) consciente da responsabilidade do denunciante (AG) enquanto Primeiro-Ministro»

Ora, nessa data, AG já não era Primeiro-Ministro, portanto o denunciado não poderia estar consciente da sua responsabilidade a esse título, tal como a sua imagem associada ao cargo já não podia ser "beliscada".

III

«jamais podia promover uma queixa crime contra um PM»

O cargo de PM é vitalício, mesmo que disfuncional? A ONU é o Palácio do Governo?

IV

Trata-se de uma única figura jurídica, de obrigação de permanência, a qual está associada ao termo de identidade e residência, justificando-se a sua extensão nesse âmbito, atendendo às circunstâncias e carácter atípico da "residência", e estatuto diplomático dúbio do "denunciante", sem que se possa classificar como "prisão domiciliária", mesmo entre aspas.

VII

Crime de sequestro? Então não era "prisão domiciliária"? Façamos um esforço para acompanhar os diletantes: a obrigação de permanência é subvertida em prisão domiciliária, e depois esta em sequestro. Sequestro em instalações alheias... ok, é atípico, mas mesmo que o admitíssemos, seria necessário que tivesse sido o denunciado a entregar o denunciante à ONU. Contudo foi o denunciante que lá se refugiou de livre vontade e de lá se recusava a ser notificado...

IX

Usurpação de funções públicas ao nível de delegado do PGR? Ora o colectivo de advogados de Aristide tem singulares telhados de vidro, pois começa o documento com uma presuntiva usurpação de funções, a um nível bem superior na hierarquia do Estado.


As fragilidades assinaladas desacreditam a denúncia, tornando-a uma peça de convicção política.

Fake desmontada


Arriscando-se a ser engolido pelo efeito bola de neve da fake montada, que continuava hoje bon train, o usurpador Alpha Condé saiu finalmente da toca e mostrou-se à AFP e BBC, altamente protegido manu militari. Aparentando trauma, parece contudo aguentar, por enquanto, o peso moral que acarta no drama. Todavia, a prova de vida resultou num registo macabro, muito diferente do banho de multidão que se costuma seguir a uma vitória eleitoral.

PS O Hospital Militar é nas traseiras do Palácio.

Desmentido mentiroso

Alpha Condé escreve no Twitter, do seu quarto do hospital de Ankara onde se escondeu para não dar a cara, que não está moribundo. Contudo, e contrariamente ao seu objectivo, esta atitude apenas vem confirmar as suspeitas. Um desmentido por escrito de nada serve, qualquer um o poderia ter feito. Só aparecendo fisicamente, num contexto actual que não seja possível de obter por montagem, pode servir o propósito desejado, como sabe de cor e salteado qualquer aprendiz de comunicação. Mostre-se ao vivo num cenário conhecido do Palácio onde supostamente se encontra confinado, já que está tão bem disposto. Se estivesse mesmo em Conacri e preocupado, até podia ter sido a pretexto da suposta recepção à missão internacional, convocando os jornalistas. É aliás curioso que esses mediadores tenham apenas comentado o encontro com Cellou, que nem os reconhece e vetou a presença do General vendido à situação...

PS Já agora, o presidente cessante que aproveite para explicar por que razão mandou raptar durante a noite o Iman da Grande Mesquita... não parece boa estratégia juntar ao tribalismo do qual vem abusando, as ofensas religiosas ao Islão, a não ser para agradar a Paris; e despeça o assessor que dá erros de concordância no plural, pois a expressão francesa correcta é "de toutes pièces", erro fonético imputável à dificuldade do francês que come os ss, o qual deve presumir-se o antigo prof da Sorbonne não daria na primeira pessoa.

ONU, UA, CEDEAO e TPI para o lixo

Qual o crime de Cellou? Ter fotografado as actas das contagens? Saber fazer contas de somar? 

Artigo esclarecedor, que trata de hipócritas e cínicos os (ir)responsáveis destas organizações mafiosas.


PS Enquanto isso, António Aly Silva parece estar com diarreia: entretém os leitores com diversões, publicando artigo do Jornal de Angola com mais de oito meses; tê-lo-á desencantado na casa de banho?

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Desespero total

As milícias de Alpha Condé prenderam os dois vice-presidentes de Cellou à saída da reunião com os emissários da ONU, UA e CEDEAO, desacreditando por completo a missão internacional, da qual aliás, já pouco se esperava. O caso de Alpha Condé passa a relevar da psicologia clínica. Instituições que pretendem ter voz ao nível multilateral completamente desautorizadas por um ditador agonizando no estrangeiro. Para quando a reacção desta comunidade internacional completamente amorfa?

Quem semeia dívidas, colhe cobranças

Para além das justamente concedidas isenções aduaneiras, a título de garantias de segurança alimentar, este blog alertou para a perigosidade do discurso de banalização da dívida por parte de Sua Excelência o actual Ministro das Finanças... Aparentemente, impõe-se uma revisão orçamental em baixa, reduzindo o peso do endividamento desenfreado e pouco sustentável. As instituições financeiras internacionais pretendem, pelos vistos, tornar a moeda cara e inacessível a nível global, como que para contrariar a expectável forte depreciação intrínseca do dólar e do euro, face aos programas de investimento e de relançamento económicos em vista para os próximos tempos. Ou seja, para que os pobres paguem a factura da crise. Fadiá apanha por tabela.

Põe gelô na panela

Com o caldeirão em efervescência, o novo regime angolano mostra que nada mudou. Quer dizer, tudo piorou. O povo vai começar a ter saudades do tempo do malvado do Zé Dú. A alternância endógena, no seio do partido no poder, revelou-se completamente estéril.

Os jovens angolanos aderem ao Outono africano

O mal-estar generalizado e a falta de perspectivas levam à ebulição. O lume está alto. O game violento.

Liberdade Já!

7 ké?

É famosa a história do "mata 7". Estava um alfaiate gabando-se, na taberna, de ter conseguido matar sete moscas de uma vez, quando passaram as tropas do Rei, que só ouviram a parte final, quando este exclamou: "Mato sete de uma vez". Os soldados quando chegaram ao Palácio contaram ao Rei e este ficou impressionado. Ora, precisamente, tinha um problema de soberania: um cruel dragão devastava o território e não tinha qualquer notícia de nenhum dos cavaleiros que tinha enviado para o matar. Imediatamente se fez luz e decidiu que tinha o candidato ideal para a missão. Claro que, quando foram contar ao alfaiate que tinha sido promovido a defensor do Reino, este não se mostrou muito entusiasmado...

Vem isto a propósito das forças armadas da Guiné Conacri. Essa conversa do antigo chefe que não engole a derrota, manda matar e esfolar, e depois abandona o posto e deixa os subordinados nos cornos do boi, não é muito convincente. Disparar contra o povo em nome de quê? Alpha já matou demasiado. Quem vai carregar no gatilho pela coroa de um morto? 

Ordenar "mata"? Doravante, só se for moscas...

Novas defecções no campo do presidente cessante

Sujeito a ameaças, o Vice-Presidente da CENI parecia ter engolido o sapo bem gordo que lhe queriam enfiar pela goela abaixo. Contudo, perante a notícia da evacuação de Alpha Condé por razões de saúde, recobrou coragem (ou suspeita que os ventos mudaram) e propõe que, perante a enormidade das irregularidades, se recomece ab initio o processo (não de recontagem, obviamente, como queria DSP em Bissau, mas de centralização e totalização). O gesto pode prenunciar atitudes semelhantes no seio da classe castrense. Todos os minutos são doravante importantes para Alpha prevenir o descarrilar do seu regime nas ruas: se não aparecer rapidamente ao vivo para desmentir os rumores de que já está morto, o seu corpo "eleitoral" (já muito engelhado) arrisca-se a arrefecer irremediavelmente.

Comunicação a melhorar

Cellou começa lentamente a penetrar nos circuitos de opinião pública francesa: gorada a conferência de imprensa (sempre muito formais, estes franceses) que convocara, estes puderam constatar que estava confinado ao domicílio, numa "quarentena" mediática dificilmente defensável. Considerando igualmente o impacto do relatório da Amnistia Internacional, a vergonhosa apatia e passividade da comunidade internacional, para além da estupidez do secretário-geral da ONU que insiste muito parcialmente nas "vias legais", os jornalistas internacionais constataram no terreno a ausência de manifestações de júbilo por parte dos seis décimos dos eleitores que supostamente votaram pelo terceiro mandato, para além de uma ou duas manifestações folclóricas claramente encomendadas (não mais de uma dúzia de pessoas e fortemente protegidas manu militari). 

Em curta entrevista telefónica, muito bem conduzida, Le Point conseguiu furar o apagão internet e ajudar Cellou a fazer o ponto da situação. Há um "pormenor" que pode ser melhor explorado, em termos de comunicação e de articulação argumentativa. Talvez a pressa e o stress da chamada não tenham permitido ao novo Presidente guineense explorar devidamente a notícia publicada em primeira mão neste blog; o relevo que lhe é dado é diminuto, sobretudo técnico e não afectivo, ou seja, só os matemáticos e estatísticos podem intuitivamente compreender. Mesmo correndo o risco de ser redundante, não basta dizer que em Faranah a taxa de participação foi de 101%, é preciso mostrar explicitamente que é impossível haver mais votantes que inscritos. Fazer as pessoas pensar...

Em suma, é preciso pisar o rabo de fora, para assanhar o gato escondido.

Crise de epilepsia

Alpha Condé, com idade para estar reformado e não meter o coração em andanças, teria baqueado e sido evacuado para a Turquia, depois da previsível recusa de Paris em pegar na batata quente. Até os seus marabouts emigraram para o campo adversário: há pózinhos para tudo... Arrisca-se a cumprir o terceiro mandato no Além. A confirmarem-se, são dados que não deixarão de ter um forte impacto na relação de forças no terreno.

domingo, 25 de outubro de 2020

Candidatura a administrador do cemitério

Num raro alerta "político", a Amnistia International pede a saída de Alpha Condé do país, tirando não apenas um relatório condenando Alpha Condé, mas chegando mesmo a citá-lo, para evidenciar as suas incongruências históricas.

"President Alpha Condé has repeatedly said he preferred to leave the country in 1993, rather than go into confrontation and ‘govern cemeteries’, as is the case today. We urge the international community to urgently come together and call for the protection of the population and for investigations to be opened."

Perante o impasse, o próprio Cellou saiu da sua casa cercada para desafiar os militares a dispararem contra si, partilhando do destino do povo e galvanizando assim os seus apoiantes para a continuação dos protestos de rua até à partida de Alpha Condé. 

sábado, 24 de outubro de 2020

Direito de Revolta

Como resposta à publicação das falsificações pretendendo confirmar a vitória do usurpador Alpha Condé, Cellou, que conserva por mais duas semanas a possibilidade legal de recurso em relação aos resultados agora anunciados, reafirma em comunicado a sua posição de vencedor e renova o apelo à insurreição popular. O regresso à normalidade está fora de questão: o poder desceu à rua.

África ocidental nas mãos de gananciosos incendiários

A actualidade do continente conjuga-se sob o prisma da violência. Da Costa do Marfim à Guiné, passando pelo Mali e Nigéria, África é consumida e destruída: no centro da trama, o drama de "gananciosos" pelo poder que se opõem ao despertar republicano.


Ondas de protesto e revoltas populares. Manifestações de raiva. Destruição e pilhagem de bens. Confrontos entre forças da ordem e manifestantes. Assassinatos... Estes são lugares comuns que partilham vários países do continente entre os quais, infelizmente, a África Ocidental parece ter assumido ultimamente um diabólico protagonismo: até há pouco considerada "o laboratório da democracia africana", ​​graças ao tranquilo retorno ao multipartidarismo na década de 90, por via de eleições livres e transparentes, o ideal era forte e cheio de esperança, sobretudo por oposição a décadas de instabilidade pós-independência, durante os quais esta região do continente tinha sido, ao invés, um epicentro de golpes militares.

Aparentemente quebrado o ímpeto dessa mutação democrática, bloqueada a sua generalização ao conjunto do continente e com as pessoas cansadas ​​de esperar pelos benefícios dessa democratização, os maus hábitos, que não estavam erradicados mas apenas em hibernação, voltaram visivelmente à tona. Em suma, o ensinamento corrente parece ter passado a ser copiar "maus alunos", com referência em particular à África Central tão próxima, onde se conseguiu contornar a alternância democrática pelo subterfúgio e pela manha.

Como consequência, o outrora laboratório da democracia em África cedo vestiu a farda da autocracia. O pretexto é rapidamente encontrado, através de nova cartilha. Modificação da Constituição e blindagem do sistema eleitoral para uma infalível eternização no poder. Como se fossem federados ou por imitação, os países da sub-região tinham quase todos limitado a dois os mandatos presidenciais. Citados como exemplo pela comunidade internacional e parceiros de desenvolvimento, muitos africanos disso se orgulhavam... Infelizmente, era não contar com a embriaguez que caracteriza a maioria dos líderes, ou daqueles que aspiram à conquista do poder.

Ao que chegámos! Apesar de pequenas diferenças de modo, a violência actual na Costa do Marfim, Guiné, Mali ou Nigéria deve-se a razões pré ou pós-eleitorais. As mortes podem ser contadas às dezenas ou centenas, numa disputa entre autocratas e seus lacaios, determinados a conquistar ou reter o poder por todos os meios.

Tendo em vista o exposto, cabe questionar se Costa do Marfim, Burkina Faso, Bénin, Gana, Níger, Senegal, Togo, que têm também encontro marcado com as urnas nos próximos tempos, estão expostos a semelhantes tendências do modelo, pelos mesmos motivos.

A quase institucionalização da má governança é dramática para o povo, atolado na miséria e na pobreza. Mais lamentável ainda, é que recursos que poderiam ter contribuído para a implementação de projetos de desenvolvimento e contribuído para o bem-estar de todos, sejam colocados ao serviço de alguns indivíduos para salvar a cadeira, concebida como trono. 

Só Deus sabe quanto tempo mais vai durar o mal e qual o esforço necessário para reparar tais danos.

O povo que estes poderosos afirmam defender serve-lhes apenas como tapete para desfile das suas inconfessas intenções. Só um verdadeiro despertar republicano dos africanos permitirá reverter esta tendência.

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Traduzido da versão francesa, agradecimentos a Achille Pibasso.

Alpha assina sua própria sentença de morte

Como muitos defendiam antes das eleições, mais do que ingénuo, era ridículo pensar que Alpha Condé se dera a todo o trabalho de violar a constituição para depois ficar simplesmente dependente do voto dos seus concidadãos. Obviamente que estava disposto a tudo. Acaba pois de consumar o seu golpe de Estado, rematado pela publicação dos resultados definitivos pela CENI, que lhe atribuem uma fraudulenta vitória com 60% dos votos. 

Cellou teria tudo a ganhar em livrar-se rapidamente da batata quente, mostrando-se consequente pela proclamação como Presidente. Nessa condição, poderia legitimamente resignar a favor de uma Comissão de Transição, com Agenda bem definida. Isso tiraria o tapete ao golpista que julga que o tem na mão, desacreditando a contestável legalidade da eleição para o título em disputa. A mensagem para Putin seguiu por via ferroviária.

Já Paris está claramente a desperdiçar o momento por indecisão, temendo aquilo que poderá passar-se no próximo Domingo na Costa do Marfim. Não decidir é pior do que decidir mal, Monsieur Macron... Só a morte natural pode salvar o ditador da pública desgraça: a morte de Kadafi vai parecer abençoada, comparada com aquela que lhe está reservada, fruto do ódio visceral e viva repulsa que instilou no coração dos seus compatriotas. 

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

A Guiné barricada

Conacri declarada cidade morta pelos comerciantes. O território é palco de virulentas manifestações. Erguem-se barricadas nos principais cruzamentos rodoviários. Um fim-de-semana de revolta popular em perspectiva, antecipado no exterior pelos ataques de fúria às embaixadas. É todo um povo indignado pela inércia das instituições internacionais e sub-regionais, perante as evidências de ter sido espoliado do seu voto por fraude de um candidato inelegível, Alpha Condé. Um braço-de-ferro que se arrisca a descarrilar em genocídio, o qual só pode ser evitado com a saída do país do usurpador, permitindo acalmar os ânimos e organizar uma transição tranquila, na base de nova constituição expurgada, da despolitização da CENI e da realização de eleições gerais credíveis.

Estado de insurreição

Corte de comunicações em Conacri: os serviços de telemóvel e de internet foram cortados ao princípio da manhã, enquanto se ouviam tiros e rajadas nos subúrbios de Sonfonia. São os últimos estertores de um regime agonizante. Os mais chegados ao velhadas estão a ver como salvar o couro e preparar a transição... Doravante, Alpha Condé nem nas boinas vermelhas pode confiar. Como prefere o tiro de misericórdia? De frente ou pelas costas? De qualquer forma, paz à sua alma (pois do corpo tratarão os abutres).

Pegadinha


Ao mesmo tempo que era tornada pública a demissão de dois responsáveis da CENI denunciando as falcatruas de Alpha Condé, um infiltrado com câmara escondida desvendava também sistema de enchimento de urnas.

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Requisição do exército

Numa aparentemente inexorável fuga para a frente, um Alpha Condé acossado tenta reforçar com as forças de defesa a repressão promovida pelas forças de segurança. Ao enviar os militares para as ruas, entra em guerra com o seu próprio povo, tornando-se num alvo a abater para qualquer patriota. Um fim penoso e execrável, como genocida, para o esquizofrénico professor da Sorbonne. 

Bem pode o presidente cessante e candidato a usurpador tentar vender ao mundo a sua falsificação dos resultados eleitorais, enquanto os jornalistas revelam gravações no Hotel Kaloum, descobrindo a corrupção da equipa de observadores da CEDEAO, comandada por José Maria das Neves, o qual se apressou a lavar as mãos em relação ao período pós-eleitoral, abandonando o local do crime.

Macron fait le sourd



Jean-Luc Mélenchon, líder da França insubmissa, acaba de escrever no twitter

«En Guinée, Alpha Condé fait tirer sur son peuple, en révolution depuis octobre 2019. Une pensée émue pour les adolescents qui sont tombés sous les balles. Macron et la communauté internationale détournent le regard. La Guinée n'intéresse que lorsqu'il s'agit de piller ses mines».