terça-feira, 7 de abril de 2020

O elogio do especulador

A mentalidade tacanha procura sempre bodes expiatórios para os seus próprios erros. Depois da guerra contra o vírus, preparam-se para uma guerra contra a inflacção, que os próprios engendraram, ao sonharem que podiam ir para casa e viver ad eternum dos rendimentos. Ao contrário da outra, que os portugueses já venceram, esta é uma guerra ingrata e inexoravelmente perdida.

Começaram a esconjurar fantasmas, com atabalhoados discursos anti-concorrenciais, apontando os "açambarcadores" ao opróbrio. Ora, como toda a gente deveria saber, os comerciantes são muito mais nossos amigos (apesar de especialmente de si próprios) que os políticos. Se fazem "chantagem" com a sua fazenda, é porque estão especial e legitimamente interessados em engrossá-la.

Ora não há nada de socialmente mais útil, em tempos de crise, do que o especulador, antecipando as tendências do mercado. Estão para a economia, como os catalizadores estão para as reacções químicas: não há pachorra de ficar ali para sempre à espera que aconteça. O mesmo se passa com os electricistas... ninguém se lembra que existem, até ao momento em que falta a luz.

Quem não quer ver, a realidade não deixará de lho mostrar, tão mais dolorosa quão tardiamente o fizer. Será legítimo pedir a um comerciante que continue a vender a farinha ao mesmo preço, sabendo que não a conseguirá repor em armazém, e que sua família se arrisca a passar fome, em consequência da sua insensatez? Mais vale guardar a farinha, e garantir o pão à sua família.

Façamos uma analogia medieval. Do cimo da torre principal, soa o alarme. Aproxima-se exército inimigo para colocar o cerco à cidade. Fecham-se as portas. Não entra nem sai nada nem ninguém. Houve uma inflacção instantânea de todos os bens. Entra em jogo a natural propensão para a especulação dos seres humanos, a qual acaba por ser um mecanismo colectivo de defesa.

Imagine-se por hipótese académica que assim se não passava. Os preços mantinham-se iguais, a vida continuava como antes ao ritmo habitual. Passado pouco tempo, o comerciante vai notar que não tem farinha, e todos ficam sem comida de repente. O aumento do preço anuncia a escassez e permite uma utilização mais racional dos recursos, procedendo ao racionamento.

PS com a devida vénia ao Professor Pedro Arroja.

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