Tive hoje uma reflexão que partilho. Partiu de um texto de Nuno Dala, intitulado África, a realidade e o afrocentrismo irracional e bacoco, publicado no FaceBook:
«São neste
momento 22h55. Passei o dia a pensar como daria minha contribuição no
debate do Dia de África como forma de celebrar o continente que durante
séculos foi colonizado, pilhado e humilhado pelos europeus.
Ocorre-me apontar que a REALIDADE de África é visível nos seus
indicadores em matéria de governação, transparência, direitos humanos
(DH), índice de desenvolvimento humano (IDH), estado da infância (IF),
índice de democracia (ID) etc. E o balanço já todos sabemos: ÁFRICA ESTÁ MAL, MAL, MAL! (Há felizmente excepções, embora raras).
Mas afinal, por que será que DEZENAS DE ANOS DEPOIS de o colonizador
ter-se ido embora África continua estagnada? Há várias razões, que são
sobejamente conhecidas. O que de facto devo aqui trazer à atenção é um
sério problema que acaba contribuindo para a estagnação do continente.
Trata-se do que eu chamo de AFROCENTRISMO IRRACIONAL, uma "corrente" que
tem muitos representantes também em Angola. O afrocentrismo irracional
chega a ser patético, trágico e cómico. É ver gente que glorifica até
mesmo os aspectos negativos e perniciosos das culturas africanas
(poligamia, excisão, machismo, magia "negra" etc.). É ver esta gente a
fingir que não está a ver que o continente nos últimos tempo teve (tem)
muitas "espécies raras" do piorio (Idi Amin Dada, Bocassa, Mobutu,
Robert Mugabe, Botha, Abacha, Banda, José Eduardo dos Santos etc.) que
só ajudaram a consolidar a ideia de que o africano está parado
civilizacionalmente, não progride! É ver esta gente a falar de
"colonização cultural" e "académica", quando muitos deles (francamente)
se perfilam em autoridade científica infalível (ou lago assim),
defensores irracionais de algo que também não compreendem ou acham que
compreendem. É daí que os vemos a dizer disparates como estes: 'Havia
escravos brancos no Reino do Kôngo' (como se isto fosse mesmo razão de
orgulho para nós!); 'a Rainha de Sabá era africana ou mukongo' (mas o
que isto tem de útil?); 'havia democracia no Reino do Kongo' (que
ridículo!); 'os afro-americanos devem retornar às raízes' (mas nem
percebem que os afro-americanos desenvolveram uma nova identidade com o
passar dos séculos!)...Minha pergunta é: para quê inventar tudo isso? É
mesmo com estes disparates que vamos recolocar África na estrada da
civilização?»
Ao que Kayenga Kamalamba respondeu:
«Cleptocracia, são os modelos de governação do continente " Berço da Humanidade". Diz- se que quem está no berço dorme! Será que nós os africanos ainda estamos dormindo? Estamos à espera que alguém nos venha a acordar, para que nos despertemos?»
Ao que respondi:
«A monarquia não é forçosamente má, no que se distingue da cleptocracia. Embora a cromatologia seja uma linguagem enformada por brancos (na qual o preto representa as trevas e o mal), pode dizer-se que, tal como na magia, que pode ser distinguida entre branca e negra, o mesmo acontece com a monarquia. Há uma monarquia boa e benéfica «branca», assente num contrato, em que o governado se obriga a obedecer, mas o governante se obriga, em troca, a bem governar. Rompido esse contrato, o governante, ordenado não ao bem comum mas apenas ao seu interesse particular, perde a sua legitimidade e o seu regime torna-se numa patocracia (o poder patológico), numa monarquia «negra», má e maléfica, um feitiço do qual pode ser bastante difícil os povos se livrarem. Em relação às cores, sugiro que se proceda a uma inversão valorativa do espectro cromático, e se comece a valorizar eticamente, junto das crianças, o preto. Black is beautiful. Antes que se fizesse luz, existiam as trevas, onde reside todo o potencial... Nem a Luz o seria, se não houvessem Trevas primordiais. A humanidade nasceu em África, ser branco não passa de uma «doença» de adaptação a latitudes mais frias, cujo sintoma é a falta de melanina (a qual se corrige, num sentido ou no outro, em poucas gerações)... Isso começa nas histórias que contamos às crianças: em vez de «branca de neve», porque não contar a «preta de carvão» (ou de petróleo, ehehe), que representaria as mesmas qualidades de pureza, etc? Num novo protocolo linguístico, circunscrito ao Continente (se um africano for à Europa, poderá usar o protocolo local, para se fazer compreender, mas em África, podemos esperar que, reciprocamente, respeitem novas idiossincrasias) diremos Magia «Negra» para significar (ao contrário do que até aqui se faz) magia benfazeja, e magia branca (para significar o diabólico).
Inspirado, ainda produzi uma réplica, tentando aclarar alguns aspectos menos claros:
«A magia não tem forçosamente apenas conotações negativas. Isso parece-me ser reduzir demais as coisas. Claro que não devemos acreditar no Pai Natal, que tudo se resolverá por «magia». Parece-me que é sobretudo preciso lutar contra a forma como o africano encara o mundo moderno: de forma mágica, como «caixa negra», o que o inibe que querer aprender a técnica de dele se apropriar e o colocar ao seu serviço. Se a razão pode explicar muita coisa, não explica definitivamente tudo. Um dos erros em que caiu a geração «científica» foi precisamente a des-sacralização, privando as pessoas de uma faceta mágica, que permitia explicar de forma acessível o modo como o Cosmos possui uma natural propensão para o equilíbrio. A desidentificação é altamente perigosa, neste contexto, como sugere Nuno Dala, pois conduz à negação (da qual podemos constatar um caso paradigmático com Michael Jackson). Pode ser uma explicação de contos de fadas, mas a magia, concebida como capacidade de abstracção mas também de operação, de receptividade perante o maravilhoso, de abertura à utopia, não é forçosamente contra-producente. Trata-se apenas de, através de um ritual propiciador, criar o ambiente legitimador adequado, agindo sobre as mentalidades e introduzindo uma dinâmica de desenvolvimento consistente. Que dizer dos jovens americanos que se suicidam porque não foram preparados para as sequelas da guerra estúpida para onde os enviaram sem preparação adequada? Não podemos estimar que um «simples» pele-vermelha (como lhes chamavam), estava melhor preparado, iniciaticamente, para a guerra e para a morte e suas consequências psicológicas? O ritual de desenterrar o machado de guerra preparava o guerreiro para a excepção que representava a guerra, permitindo-lhe manter a sua humanidade... sabe sempre que aquele momento pontual passará e as coisas voltarão à ordem normal, depois de enterrado o referido machado e fumado o cachimbo da paz. Tal como o legionário do Império Romano, para quem, depois do ritual de lançamento de uma lança, do lado de cá da fronteira, para lá, estava oficialmente declarada a guerra, ficando isento de crimes de guerra «mentais». A magia tem a ver com o poder de convicção (que alguns resumem a uma fé cega), cuja consistência opera inevitavelmente sobre a realidade, a qual, como toda a ferramenta inclusive a ciência, pode ser usada para o bem, ou para o mal.
Em tempos, desenhei e fabriquei um jogo de xadrez de viagem em madeira, sem brancas nem pretas, porque isso é apenas convenção. O jogo tem apenas pequenos buracos nos sítios das casas, e, embora de perfil as peças sejam iguais, umas são torneadas e vistas de cima são redondas, e as outras são trabalhadas à tupia e apresentam secção quadrada. As peças são transportadas dentro da caixa, que por ser facilmente transportável e as peças não caírem, mesmo na vertical, digo que é «de viagem». O rei das esferas tem um cubo por cima, e o rei dos cubos, uma esfera. Muita gente, mesmo após explicações mais que convincentes, recusa-se a ver no objecto um tabuleiro de xadrez, embora eu demonstre jogando com outra pessoa, aderente do «protocolo» e ambos os jogadores possam evidente e individualmente, proceder à notação oficialmente reconhecida das jogadas, em plena sintonia (não havendo portanto dúvidas de que aquilo que estão a jogar é xadrez). Produzi meia dúzia e ainda tenho dois para venda. Madeira de Pinho e Mogno. Lado do cubo e diâmetro do esfera de 2,5cm. Preço 250€.
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