Tantos há tanto tempo, insistentemente «interessados» na «reforma» das Forças Armadas, já mereciam uma resposta em forma. A Chicote, nem vale a pena responder. Aos irritantes e pedantes «politólogos» portugueses, Paulos Gorjão e Portas, também não. Já com Ramos-Horta, a conversa é outra.
Aquando de uma recente visita à sede da Rede das Mulheres Contra a Violência de Género, o ex-representante do Secretário Geral das Nações Unidas para a Guiné-Bissau fez declarações impróprias, revelando, no mínimo, falta de tacto. Esperemos que melhore, agora que deixou o cargo.
Querer condicionar as autoridades que deverão sair das próximas eleições não parece muito «democrático». Efectivamente, afirmou que o seu «primeiro passo terá de ser» a reforma das Forças Armadas.
1) Porquê o primeiro? Não poderá ser o segundo? Ou o terceiro? Ou melhor, o último: as Forças Armadas funcionam, merecem mesmo o respeito externo. Não haverá coisas mais urgentes, como a segurança alimentar, o restabelecimento das relações internacionais, a reposição das ligações aéreas com Portugal, a saúde, a educação ou a própria violência contra as mulheres?
2) «TERÁ» de ser? O imperativo foi mal escolhido. O representante não tem legitimidade para impor nada, na Guiné-Bissau. Conhecendo o pomo da discórdia, para dizer o que queria dizer (que aliás era dispensável e inoportuno, mostrando apenas que não passa de uma «Maria vai com as outras») deveria ter medido as suas palavras com uma boa dose de diplomacia.
Por isso o porta-voz do Comando Militar, que até aqui tem assegurado a manutenção da ordem e da unidade das Forças Armadas, veio colocar os pontos nos iis, denotando uma certa irritação, aliás mais do que justificada: «Quem tem competência para propor qualquer remodelação nas Forças Armadas é o Governo e não a representação do secretário-geral das NU».
Repare-se, além disso, na condicionante do termo utilizado: «propor». Daba Na Walna não utilizou «impor» ou decretar (pois seria um mau princípio e mais que provável semente de futuro mal estar). Criticando assim, não só a «competência» de Ramos-Horta para o fazer, como o próprio tom e atitude, de pensar que podem impor a decapitação das FA: tirem o cavalinho da chuva.
O senhor Ramos-Horta deveria ler com atenção a missiva que lhe foi endereçada por Silvestre Alves, tirando as devidas ilacções. E, se alguém tem legitimidade para falar sobre o assunto, é o próprio. Numa atitude digna de Mandela, não só perdoou aos seus agressores, como tem a coragem de sugerir uma reforma digna desse nome: a criação de um novo órgão político-militar.
Dando o exemplo do Conselho da Revolução, em Portugal, que dispunha de poder de veto sobre as decisões dos outros órgãos de soberania, reconhecia dessa forma aos militares uma importante função de supervisão, para evitar abusos de poder, traduzindo a sua participação política em termos legais, evitando assim se descarrilasse para intentonas (ou inventonas).
Quanto à oportunidade ou não para propostas de remodelação de chefias, ou outras que mexam com as FA, deverão ser, por outro lado, na minha opinião, lentas e compassadas. Por uma questão de soberania nacional: ninguém dita o que se deve fazer nem a respectiva agenda; isto não é uma corrida à reforma, há que respeitar a hierarquia e os equilíbrios conseguidos.
De cada vez que as autoridades políticas interferiram com a tropa, deu mau resultado. Bastará lembrar os vários CEMFA assassinados, nesses processos: Ansumane, Veríssimo, Tagma... sem, claro, que o problema político ficasse resolvido, muito antes pelo contrário. Por isso, talvez valha mais dar voz e poder aos militares, envolvendo-os, de futuro, na governação do país.
Uma reforma digna não pode ser ad hominem, traduzindo-se demasiado obviamente pela exigência da exoneração de uma ou duas pessoas. As novas autoridades que encetem um processo de redefinição do papel das FA, reconhecendo a sua importância na segurança e unidade nacional, dotando-as com meios para fiscalizar a integridade territorial, em terra, mar e ar.
Os políticos que governem bem, paguem os ordenados, garantam o desenvolvimento, que não encontrarão nas FA qualquer oposição ou ameaça à sua legitimidade. Até lá, a instituição castrense que vá interna e naturalmente promovendo as suas chefias, de forma a salvaguardar a unidade da tropa, garantia de paz e de estabilidade para a nação, essa sim, uma verdadeira prioridade.
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