Morreu um grande guineense.
Carlos Schwarz, director da AD, Acção para o Desenvolvimento, era meu amigo. Desde o golpe de 12 de Abril de 2012 que estávamos um pouco afastados, devido ao meu posicionamento, no contexto do contra-golpe. Mas sempre esperei que teríamos a oportunidade, passados estes tempos conturbados, de voltar a conversar, com normalidade, sobre os assuntos da Guiné-Bissau: lembro a sua incansável energia contra ventos e marés, contra dificuldades e obstáculos de todos os tipos e feitios, em prol da sua ideia de revolução africana, pela qual lutou, em termos de educação das mentalidades, na difícil práxis de uma continuada e consistente acção de todos os dias. Já sinto a sua falta e do seu sorriso aberto...
Ainda me lembro de como conheci o Pepito: mal colocou um pé no aeroporto de Lisboa, em meados de 1998, deu uma entrevista à TVI, num tom furioso, mas intensamente eficaz e comunicativo, contra Nino Vieira e a invasão senegalesa. Lembro-me também de como acompanhava com emoção os pequenos avanços da linha zero, a frente de batalha, e da forma efusiva como comemorou a libertação de Quelelé (onde tinha a sua casa) e o confinamento dos «aguentas» a Bissau«zinho». Lembro-me de ter confrontado o Pepito, quando o visitei depois em Bissau e era Ministro das Obras Públicas, com a grande ideia que fazia dele, tendo a infeliz ideia de o comparar a Che Guevara. E ele respondeu-me, com calma, sabendo que eu também não era de escolher facilidades: «Morrer pela revolução é fácil, viver pela revolução é que é difícil».
De certa forma, foi o exemplo do Pepito, uma das mais fortes causas do meu renovado apego à Guiné-Bissau, onde vivi parte da minha infância. Quando visitei de novo a Guiné-Bissau, há uns anos, comecei a sentir um certo cansaço no lutador incansável. De uma rotina de operações sobre o quotidiano, na qual julgo que não enxergava bem o seu verdadeiro e subtil contributo: como se estivesse a construir castelos de areia, que depois vinha o mar e apagava. Cansado de tentar operar, sem o desejado sucesso, sobre mentalidades irredutíveis, mas sempre alegre e empenhado. Sempre atento e muito desperto para as renovadas tentativas mentais neo-coloniais, mas cada vez mais cansado com o eterno falhanço africano. Julgo que o seu trabalho foi uma obra de titãs. Qual será a herança, o legado, em termos de continuidade, não sei. Sei que plantou sementes de paz e progresso, de independência mental e económica, pela cultura e educação, tal como já Paulo Freire tinha feito. Feliz da Guiné-Bissau, que tais filhos tem (a ponto de os desaproveitar).
À Isabel, sua mulher; e a seus filhos;
bem como a todos os colaboradores da AD
um grande abraço
José Fernando
Obrigado, Ditadura do Consenso
Há 22 minutos
3 comentários:
Dar "murro em ponta de faca" foi com este homem.
Concordo consigo. Esse teria sido o título ideal para o artigo.
O que dá ainda mais valor ao Pepito. Como dizia a Catarina Gomes no Público, com o seu magnífico artigo, republicado pelo Ditadura do Consenso, nunca desistir, continuar a sonhar...
Sem o sonho... Isso pode não entrar na cabeça das pessoas, que se acham «normais».
Adapto, dedicando-o ao Pepito, o poema da mensagem dedicado a D. Sebastião, no qual substituí loucura por sonho (no sentido de utopia)
Sonhador, sim, sonhador
porque quis grandeza
qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza
por isso onde o areal está
ficou o meu ser que houve, não o que há.
Os meus sonhos, outros que me os tomem
com o que neles ia.
Sem o sonho, que é o homem
mais que a besta sadia,
cadáver adiado que procria?
Neste caso, seria justo que utilizasse a maiúscula:
Dar «murro em ponta de faca» foi com este Homem.
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