domingo, 25 de janeiro de 2015

Mise en garde

Voltando às questões monetárias, as quais, por reflectirem as tensões económicas e o choque de interesses à escala mundial, constituem um bom indicador do momento que actualmente se vive. Ramos-Horta partilhou no seu blog uma notícia do The Guardian, sobre o encontro de Davos, onde os oligarcas mundiais se costumam reunir para trocar as impressões sobre o andamento dos seus negócios.

Os sinais pressentindo que algo vai mal avolumam-se: até a insuspeita Cristrina (que foi cooptada depois de terem tramado DSK com um escândalo sexual, só porque, precisamente, alimentava um discurso «alarmante»), à frente do FMI, avisa que a bolha que se dedicaram a alimentar à lagardère, pode estourar a qualquer momento, despertando o fantasma de Marx, que previa que o capitalismo continha, em si próprio, as sementes da sua própria destruição...

Efectivamente, o capital precisa não apenas de ganhos de escala ou de produtividade, mas igualmente de procura solvável. Já Ford quis dar o exemplo, potenciando o salário dos seus empregados, para que pudessem adquirir, eles próprios, o seu modelo T...

A massa monetária cresceu sustentavelmente, até à Primeira Guerra, baseada ainda no modelo colonial e europeu; após essa Guerra, voltou a crescer, graças a mais avanços tecnológicos já liderados pelos EUA, que criaram expectativas um pouco loucas e eufóricas, as quais levaram a uma esquizofrénica especulação raiando a pura aldrabice, cuja rectificação, graças a novos acordos sociais e a outra Guerra mundial, levaram mais duas décadas, a que se seguiu novo período de crescimento sustentado, com um certo equilíbrio capital-trabalho, de certa forma garantido pelas tensões da guerra fria e pelo equilíbrio do terror nuclear. As grandes despesas da guerra do Vietnam e o impacto da crise petrolífera de 1973, obrigaram os EUA a abandonar, nesse ano fatídico, a garantia ouro do dólar.

Durante estes anos de crescimento, a prudência herdada da crise anterior foi-se perdendo, tendo a própria indústria passado a fomentar o crédito como forma de promover as suas vendas. No entanto, como todas as «bolhas», esta também teve o seu refluxo, contendo em si as sementes da sua própria etc, etc. Na concepção simplista do «Engenheiro» Sócrates (que corresponde precisamente ao cerne do paradigma em colapso), as dívidas «não são para pagar». Muitas famílias conhecem o esquema: ir fazendo empréstimos cada vez maiores, para pagar os anteriores. No entanto, esse género de comportamento comporta, evidentemente, um risco sistémico. Ao entrar em refluxo, o saldo tende a evoluir negativamente, entre o capital e a economia real, dando origem à contracção da massa monetária em circulação, à deflacção e à crise. Isso foi ainda, durante algum tempo, contrariado pelo aumento da circulação de dinheiro virtual, primeiro sob a forma de cartões de crédito, depois com os meios de pagamento electrónicos.

A queda do Muro, o lançamento do Euro, que se pretendia viesse a fazer frente ao dólar como moeda de troca internacional, coincidiram com mais uma «aliança» mundial liderada pelos EUA, desta vez, à falta de contra-ponto, tomando um inimigo esquivo e imaginário. Os EUA são peritos nesse «jogo»: à falta de ameaças, inventam-se, de todas as peças, se necessário. Em 2008, começaram a rebentar as bolhas financeiras mais evidentes... deixando, como se sabe, a careca à mostra em muitos países. Entretanto, um outro factor veio influenciar o mercado financeiro: a sua banalização informática, que colocou ao alcance de qualquer um o acesso instantâneo à negociação, à escala global, de activos financeiros, cujos mecanismos de alavancagem vieram igualmente amplificar a massa monetária, adiando uma eventual ruptura do modelo.

A China, como país emergente, tem absorvido, até agora, a maior parte da emissão de dívida americana, substituindo o Japão nesse papel. Ou seja, o actual modelo era insustentável por muito mais tempo, apesar do facto de a China não estar interessada em acabar com um status quo internacional que julga favorável à manutenção dos seus interesse, continuando a comprar dólares, para não depreciar o imenso stock que já detém, no pressuposto de que esta moeda lhe faculta o acesso às matérias-primas de que necessita: estava apenas a financiar o seu próprio crescimento, sub-indexando-se ao dólar. Esse foi o problema: o desafio do euro, que era partilhar com o dólar o papel de moeda de referência internacional parece não ter dado resultados, face aos problemas sul-europeus e a uma crise de confiança. Estava portanto na altura de uma valente chicotada psicológica, ao nível de quando enterraram unilateralmente Bretton Woods, baseados na sua própria supremacia.

O dólar auto-sustenta-se, ou seja, como moeda de referência, os Estados Unidos não precisam de ter reservas. A sua moeda É a reserva. Conta-se a piada, não sei se não terá algum fundo de verdade, de que o Fed (Banco Central EUA) mandou imprimir uma nota (exemplar único) de um trilião de dólares para colocar no sítio onde devia estar o ouro, para garantir os portadores do anúncio fiduciário: é como descascar uma cebola, para encontrar... a cebola! Por isso, a desvalorização face ao Euro, devido a uma grande «responsabilidade» financeira europeia, podia colocar em causa o sistema. No último trimestre do ano, começou a fazer-se sentir no preço do petróleo a decisão de deixar de comprar petróleo, tomada pelos EUA, os quais, após uma campanha de substituição dos combustíveis fósseis por energias limpas, se decidiram pela auto-suficiência. A [pouca] pressão da [fraca] procura passou portanto para o Euro, que encetou uma trajectória descentente: para comprar um euro eram necessários cerca de $1,40 há três meses atrás, bastando agora pouco mais de $1,10.

No entanto, será que os tecnocratas alemães, à frente do BCE, se apercebem das potencialidades do jogo que, para já, estão a perder? Com o enclausuramento americano intra-fronteiriço (a factura energética era uma importante fatia da sua Balança de Pagamentos), a massa monetária real (não especulativa) em circulação global passou a ter origem apenas europeia e extremo-asiática. Fará sentido continuar a pagar petróleo em dólares, se estes se auto-excluiram? Se os americanos não compram petróleo, que vão cozer os dólares com batatinhas. Talvez a ideia do Kadafi [que, eventualmente, o levou à morte] seja plausível, de retorno a um padrão ouro (uma moeda «certificada») para as aquisições internacionais de petróleo... No entanto, a monarquia saudita [cujo petróleo aflora a custos de produção de $5] parece ter sido cooptada pelos EUA, inviabilizando a eficácia da OPEP. As tensões monetárias parecem ser denunciadas pela cotação do ouro, a qual, desde o início do ano, tem estado a crescer sustentadamente. 2008 -> 2015, notam-se algumas semelhanças, nos padrões gráficos, no par Euro/Dólar, no Ouro e no Petróleo (infelizmente ainda expressos em dólares, triangulando e confundindo os dados). Foi o fim daquele que ficará conhecido, na história da Economia, como um ciclo de sete anos. Sete e sete são quatorze e mais sete vinte e um... Será por isso que os presidentes franceses cumprem um septenato? O que reserverá o futuro?

Mas voltando ao artigo: «capitalismo inclusivo»? O que é isso? Isso vende-se? O capital não tem desejos afetivos... Quer lá saber de outra coisa a não ser a sua própria reprodução. Se, em 1944, quando os Estados Unidos deram a primeira machadada na credibilidade e sustentabilidade do sistema financeiro mundial, tinham peso e legitimidade para o fazer, ao falarem das fortes expectativas de crescimento geradas pela reconstrução europeia; o mesmo não se aplica já sete décadas depois, em que a expectativa se reduz apenas a um lento atrofio económico, gerado pelo refluxo financeiro.

Face à escassez monetária, o grande desafio para as pessoas consiste, para já, à falta de uma nova Ordem mundial, em desenvolver formas não monetárias de cooperação e de criação de valor, fazendo apelo à imaginação e à criatividade, recorrendo, entre outros, às potencialidades das novas tecnologias de comunicação em rede.

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