sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Anti-modelo

A CEDEAO encontra-se num momento crucial. Há três décadas, com a queda do muro, estava na vanguarda da transição democrática do continente, promovendo alternâncias pacíficas. Hoje, pelo contrário, encarna o despotismo retrógrado e terceiro mundista, com a ganância pelo terceiro mandato por parte de políticos sem especial carisma, abusando dos mecanismos de poder para neste se perpetuarem. Que futuro para esta organização, face a esta virulenta apatia e laxismo

Neste contexto, criou-se junto de muitos activistas uma visão muito favorável ao novo presidente bissau-guineense, o primeiro a colocar os pontos nos iis e a ter dado uma bofetada de luva branca nos tristes campeões da cleptocracia vitalícia - Alpha Condé e Alassane Ouattara - em plena cimeira de Chefes de Estado. Sissoko tem oportunidade para brilhar na sua próxima liderança da organização sub-regional, preparando bem os dossiers, com destaque para o da moeda.

Bomba

O Ministro da Biodiversidade não tem ambiente para continuar no posto: desacredita a ideia de mudança que se quer passar da nova Guiné-Bissau. Viveu-se hoje uma autêntica cena de banditismo de Estado, que consistiu no encerramento arbitrário de todos os postos de combustível. Faz lembrar a extorsão intentada por DSP a pretexto da moratória sobre o abate de árvores, também numa base jurídica ranhosa. Terá contactado, nessa quixotesca cruzada, o Ministro da Energia e Recursos Naturais? O do Interior? Trata-se de uma conspiração contra o Primeiro-Ministro, para mostrar que este não tem política definida ou mão no Governo? 

Se nunca se sabe qual é o Ministério responsável, nem estes se articulam uns com os outros, que investidor privado poderá confiar no país, perante este género de abusos de poder multifocais e quase aleatórios? É incerteza a mais e o dinheiro - pelo menos o limpo - tem medo disso. 

Choca sobretudo o paradigma de política, manifesto numa abordagem claramente autoritária e coerciva, em vez de pedagógica, ética e de compromisso. 

Quem vai pagar o manque à gagner? Por exemplo, num contexto similar de abuso de poder, a Orange Conacri emitiu um comunicado que visa responsabilizar futuramente o Estado guineense pelos prejuízos comerciais causados pelo shut down da internet no país nos últimos dias. 

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Vícios de exposição

O colectivo de advogados do singular Aristide Gomes apresenta uma série de vícios na argumentação publicamente partilhada, nomeadamente nos seguintes pontos:

II 

«O denunciado (JP) consciente da responsabilidade do denunciante (AG) enquanto Primeiro-Ministro»

Ora, nessa data, AG já não era Primeiro-Ministro, portanto o denunciado não poderia estar consciente da sua responsabilidade a esse título, tal como a sua imagem associada ao cargo já não podia ser "beliscada".

III

«jamais podia promover uma queixa crime contra um PM»

O cargo de PM é vitalício, mesmo que disfuncional? A ONU é o Palácio do Governo?

IV

Trata-se de uma única figura jurídica, de obrigação de permanência, a qual está associada ao termo de identidade e residência, justificando-se a sua extensão nesse âmbito, atendendo às circunstâncias e carácter atípico da "residência", e estatuto diplomático dúbio do "denunciante", sem que se possa classificar como "prisão domiciliária", mesmo entre aspas.

VII

Crime de sequestro? Então não era "prisão domiciliária"? Façamos um esforço para acompanhar os diletantes: a obrigação de permanência é subvertida em prisão domiciliária, e depois esta em sequestro. Sequestro em instalações alheias... ok, é atípico, mas mesmo que o admitíssemos, seria necessário que tivesse sido o denunciado a entregar o denunciante à ONU. Contudo foi o denunciante que lá se refugiou de livre vontade e de lá se recusava a ser notificado...

IX

Usurpação de funções públicas ao nível de delegado do PGR? Ora o colectivo de advogados de Aristide tem singulares telhados de vidro, pois começa o documento com uma presuntiva usurpação de funções, a um nível bem superior na hierarquia do Estado.


As fragilidades assinaladas desacreditam a denúncia, tornando-a uma peça de convicção política.

Fake desmontada


Arriscando-se a ser engolido pelo efeito bola de neve da fake montada, que continuava hoje bon train, o usurpador Alpha Condé saiu finalmente da toca e mostrou-se à AFP e BBC, altamente protegido manu militari. Aparentando trauma, parece contudo aguentar, por enquanto, o peso moral que acarta no drama. Todavia, a prova de vida resultou num registo macabro, muito diferente do banho de multidão que se costuma seguir a uma vitória eleitoral.

PS O Hospital Militar é nas traseiras do Palácio.

Desmentido mentiroso

Alpha Condé escreve no Twitter, do seu quarto do hospital de Ankara onde se escondeu para não dar a cara, que não está moribundo. Contudo, e contrariamente ao seu objectivo, esta atitude apenas vem confirmar as suspeitas. Um desmentido por escrito de nada serve, qualquer um o poderia ter feito. Só aparecendo fisicamente, num contexto actual que não seja possível de obter por montagem, pode servir o propósito desejado, como sabe de cor e salteado qualquer aprendiz de comunicação. Mostre-se ao vivo num cenário conhecido do Palácio onde supostamente se encontra confinado, já que está tão bem disposto. Se estivesse mesmo em Conacri e preocupado, até podia ter sido a pretexto da suposta recepção à missão internacional, convocando os jornalistas. É aliás curioso que esses mediadores tenham apenas comentado o encontro com Cellou, que nem os reconhece e vetou a presença do General vendido à situação...

PS Já agora, o presidente cessante que aproveite para explicar por que razão mandou raptar durante a noite o Iman da Grande Mesquita... não parece boa estratégia juntar ao tribalismo do qual vem abusando, as ofensas religiosas ao Islão, a não ser para agradar a Paris; e despeça o assessor que dá erros de concordância no plural, pois a expressão francesa correcta é "de toutes pièces", erro fonético imputável à dificuldade do francês que come os ss, o qual deve presumir-se o antigo prof da Sorbonne não daria na primeira pessoa.

ONU, UA, CEDEAO e TPI para o lixo

Qual o crime de Cellou? Ter fotografado as actas das contagens? Saber fazer contas de somar? 

Artigo esclarecedor, que trata de hipócritas e cínicos os (ir)responsáveis destas organizações mafiosas.


PS Enquanto isso, António Aly Silva parece estar com diarreia: entretém os leitores com diversões, publicando artigo do Jornal de Angola com mais de oito meses; tê-lo-á desencantado na casa de banho?

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Desespero total

As milícias de Alpha Condé prenderam os dois vice-presidentes de Cellou à saída da reunião com os emissários da ONU, UA e CEDEAO, desacreditando por completo a missão internacional, da qual aliás, já pouco se esperava. O caso de Alpha Condé passa a relevar da psicologia clínica. Instituições que pretendem ter voz ao nível multilateral completamente desautorizadas por um ditador agonizando no estrangeiro. Para quando a reacção desta comunidade internacional completamente amorfa?

Quem semeia dívidas, colhe cobranças

Para além das justamente concedidas isenções aduaneiras, a título de garantias de segurança alimentar, este blog alertou para a perigosidade do discurso de banalização da dívida por parte de Sua Excelência o actual Ministro das Finanças... Aparentemente, impõe-se uma revisão orçamental em baixa, reduzindo o peso do endividamento desenfreado e pouco sustentável. As instituições financeiras internacionais pretendem, pelos vistos, tornar a moeda cara e inacessível a nível global, como que para contrariar a expectável forte depreciação intrínseca do dólar e do euro, face aos programas de investimento e de relançamento económicos em vista para os próximos tempos. Ou seja, para que os pobres paguem a factura da crise. Fadiá apanha por tabela.

Põe gelô na panela

Com o caldeirão em efervescência, o novo regime angolano mostra que nada mudou. Quer dizer, tudo piorou. O povo vai começar a ter saudades do tempo do malvado do Zé Dú. A alternância endógena, no seio do partido no poder, revelou-se completamente estéril.

Os jovens angolanos aderem ao Outono africano

O mal-estar generalizado e a falta de perspectivas levam à ebulição. O lume está alto. O game violento.

Liberdade Já!

7 ké?

É famosa a história do "mata 7". Estava um alfaiate gabando-se, na taberna, de ter conseguido matar sete moscas de uma vez, quando passaram as tropas do Rei, que só ouviram a parte final, quando este exclamou: "Mato sete de uma vez". Os soldados quando chegaram ao Palácio contaram ao Rei e este ficou impressionado. Ora, precisamente, tinha um problema de soberania: um cruel dragão devastava o território e não tinha qualquer notícia de nenhum dos cavaleiros que tinha enviado para o matar. Imediatamente se fez luz e decidiu que tinha o candidato ideal para a missão. Claro que, quando foram contar ao alfaiate que tinha sido promovido a defensor do Reino, este não se mostrou muito entusiasmado...

Vem isto a propósito das forças armadas da Guiné Conacri. Essa conversa do antigo chefe que não engole a derrota, manda matar e esfolar, e depois abandona o posto e deixa os subordinados nos cornos do boi, não é muito convincente. Disparar contra o povo em nome de quê? Alpha já matou demasiado. Quem vai carregar no gatilho pela coroa de um morto? 

Ordenar "mata"? Doravante, só se for moscas...

Novas defecções no campo do presidente cessante

Sujeito a ameaças, o Vice-Presidente da CENI parecia ter engolido o sapo bem gordo que lhe queriam enfiar pela goela abaixo. Contudo, perante a notícia da evacuação de Alpha Condé por razões de saúde, recobrou coragem (ou suspeita que os ventos mudaram) e propõe que, perante a enormidade das irregularidades, se recomece ab initio o processo (não de recontagem, obviamente, como queria DSP em Bissau, mas de centralização e totalização). O gesto pode prenunciar atitudes semelhantes no seio da classe castrense. Todos os minutos são doravante importantes para Alpha prevenir o descarrilar do seu regime nas ruas: se não aparecer rapidamente ao vivo para desmentir os rumores de que já está morto, o seu corpo "eleitoral" (já muito engelhado) arrisca-se a arrefecer irremediavelmente.

Comunicação a melhorar

Cellou começa lentamente a penetrar nos circuitos de opinião pública francesa: gorada a conferência de imprensa (sempre muito formais, estes franceses) que convocara, estes puderam constatar que estava confinado ao domicílio, numa "quarentena" mediática dificilmente defensável. Considerando igualmente o impacto do relatório da Amnistia Internacional, a vergonhosa apatia e passividade da comunidade internacional, para além da estupidez do secretário-geral da ONU que insiste muito parcialmente nas "vias legais", os jornalistas internacionais constataram no terreno a ausência de manifestações de júbilo por parte dos seis décimos dos eleitores que supostamente votaram pelo terceiro mandato, para além de uma ou duas manifestações folclóricas claramente encomendadas (não mais de uma dúzia de pessoas e fortemente protegidas manu militari). 

Em curta entrevista telefónica, muito bem conduzida, Le Point conseguiu furar o apagão internet e ajudar Cellou a fazer o ponto da situação. Há um "pormenor" que pode ser melhor explorado, em termos de comunicação e de articulação argumentativa. Talvez a pressa e o stress da chamada não tenham permitido ao novo Presidente guineense explorar devidamente a notícia publicada em primeira mão neste blog; o relevo que lhe é dado é diminuto, sobretudo técnico e não afectivo, ou seja, só os matemáticos e estatísticos podem intuitivamente compreender. Mesmo correndo o risco de ser redundante, não basta dizer que em Faranah a taxa de participação foi de 101%, é preciso mostrar explicitamente que é impossível haver mais votantes que inscritos. Fazer as pessoas pensar...

Em suma, é preciso pisar o rabo de fora, para assanhar o gato escondido.

Crise de epilepsia

Alpha Condé, com idade para estar reformado e não meter o coração em andanças, teria baqueado e sido evacuado para a Turquia, depois da previsível recusa de Paris em pegar na batata quente. Até os seus marabouts emigraram para o campo adversário: há pózinhos para tudo... Arrisca-se a cumprir o terceiro mandato no Além. A confirmarem-se, são dados que não deixarão de ter um forte impacto na relação de forças no terreno.

domingo, 25 de outubro de 2020

Candidatura a administrador do cemitério

Num raro alerta "político", a Amnistia International pede a saída de Alpha Condé do país, tirando não apenas um relatório condenando Alpha Condé, mas chegando mesmo a citá-lo, para evidenciar as suas incongruências históricas.

"President Alpha Condé has repeatedly said he preferred to leave the country in 1993, rather than go into confrontation and ‘govern cemeteries’, as is the case today. We urge the international community to urgently come together and call for the protection of the population and for investigations to be opened."

Perante o impasse, o próprio Cellou saiu da sua casa cercada para desafiar os militares a dispararem contra si, partilhando do destino do povo e galvanizando assim os seus apoiantes para a continuação dos protestos de rua até à partida de Alpha Condé. 

sábado, 24 de outubro de 2020

Direito de Revolta

Como resposta à publicação das falsificações pretendendo confirmar a vitória do usurpador Alpha Condé, Cellou, que conserva por mais duas semanas a possibilidade legal de recurso em relação aos resultados agora anunciados, reafirma em comunicado a sua posição de vencedor e renova o apelo à insurreição popular. O regresso à normalidade está fora de questão: o poder desceu à rua.

África ocidental nas mãos de gananciosos incendiários

A actualidade do continente conjuga-se sob o prisma da violência. Da Costa do Marfim à Guiné, passando pelo Mali e Nigéria, África é consumida e destruída: no centro da trama, o drama de "gananciosos" pelo poder que se opõem ao despertar republicano.


Ondas de protesto e revoltas populares. Manifestações de raiva. Destruição e pilhagem de bens. Confrontos entre forças da ordem e manifestantes. Assassinatos... Estes são lugares comuns que partilham vários países do continente entre os quais, infelizmente, a África Ocidental parece ter assumido ultimamente um diabólico protagonismo: até há pouco considerada "o laboratório da democracia africana", ​​graças ao tranquilo retorno ao multipartidarismo na década de 90, por via de eleições livres e transparentes, o ideal era forte e cheio de esperança, sobretudo por oposição a décadas de instabilidade pós-independência, durante os quais esta região do continente tinha sido, ao invés, um epicentro de golpes militares.

Aparentemente quebrado o ímpeto dessa mutação democrática, bloqueada a sua generalização ao conjunto do continente e com as pessoas cansadas ​​de esperar pelos benefícios dessa democratização, os maus hábitos, que não estavam erradicados mas apenas em hibernação, voltaram visivelmente à tona. Em suma, o ensinamento corrente parece ter passado a ser copiar "maus alunos", com referência em particular à África Central tão próxima, onde se conseguiu contornar a alternância democrática pelo subterfúgio e pela manha.

Como consequência, o outrora laboratório da democracia em África cedo vestiu a farda da autocracia. O pretexto é rapidamente encontrado, através de nova cartilha. Modificação da Constituição e blindagem do sistema eleitoral para uma infalível eternização no poder. Como se fossem federados ou por imitação, os países da sub-região tinham quase todos limitado a dois os mandatos presidenciais. Citados como exemplo pela comunidade internacional e parceiros de desenvolvimento, muitos africanos disso se orgulhavam... Infelizmente, era não contar com a embriaguez que caracteriza a maioria dos líderes, ou daqueles que aspiram à conquista do poder.

Ao que chegámos! Apesar de pequenas diferenças de modo, a violência actual na Costa do Marfim, Guiné, Mali ou Nigéria deve-se a razões pré ou pós-eleitorais. As mortes podem ser contadas às dezenas ou centenas, numa disputa entre autocratas e seus lacaios, determinados a conquistar ou reter o poder por todos os meios.

Tendo em vista o exposto, cabe questionar se Costa do Marfim, Burkina Faso, Bénin, Gana, Níger, Senegal, Togo, que têm também encontro marcado com as urnas nos próximos tempos, estão expostos a semelhantes tendências do modelo, pelos mesmos motivos.

A quase institucionalização da má governança é dramática para o povo, atolado na miséria e na pobreza. Mais lamentável ainda, é que recursos que poderiam ter contribuído para a implementação de projetos de desenvolvimento e contribuído para o bem-estar de todos, sejam colocados ao serviço de alguns indivíduos para salvar a cadeira, concebida como trono. 

Só Deus sabe quanto tempo mais vai durar o mal e qual o esforço necessário para reparar tais danos.

O povo que estes poderosos afirmam defender serve-lhes apenas como tapete para desfile das suas inconfessas intenções. Só um verdadeiro despertar republicano dos africanos permitirá reverter esta tendência.

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Traduzido da versão francesa, agradecimentos a Achille Pibasso.

Alpha assina sua própria sentença de morte

Como muitos defendiam antes das eleições, mais do que ingénuo, era ridículo pensar que Alpha Condé se dera a todo o trabalho de violar a constituição para depois ficar simplesmente dependente do voto dos seus concidadãos. Obviamente que estava disposto a tudo. Acaba pois de consumar o seu golpe de Estado, rematado pela publicação dos resultados definitivos pela CENI, que lhe atribuem uma fraudulenta vitória com 60% dos votos. 

Cellou teria tudo a ganhar em livrar-se rapidamente da batata quente, mostrando-se consequente pela proclamação como Presidente. Nessa condição, poderia legitimamente resignar a favor de uma Comissão de Transição, com Agenda bem definida. Isso tiraria o tapete ao golpista que julga que o tem na mão, desacreditando a contestável legalidade da eleição para o título em disputa. A mensagem para Putin seguiu por via ferroviária.

Já Paris está claramente a desperdiçar o momento por indecisão, temendo aquilo que poderá passar-se no próximo Domingo na Costa do Marfim. Não decidir é pior do que decidir mal, Monsieur Macron... Só a morte natural pode salvar o ditador da pública desgraça: a morte de Kadafi vai parecer abençoada, comparada com aquela que lhe está reservada, fruto do ódio visceral e viva repulsa que instilou no coração dos seus compatriotas. 

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

A Guiné barricada

Conacri declarada cidade morta pelos comerciantes. O território é palco de virulentas manifestações. Erguem-se barricadas nos principais cruzamentos rodoviários. Um fim-de-semana de revolta popular em perspectiva, antecipado no exterior pelos ataques de fúria às embaixadas. É todo um povo indignado pela inércia das instituições internacionais e sub-regionais, perante as evidências de ter sido espoliado do seu voto por fraude de um candidato inelegível, Alpha Condé. Um braço-de-ferro que se arrisca a descarrilar em genocídio, o qual só pode ser evitado com a saída do país do usurpador, permitindo acalmar os ânimos e organizar uma transição tranquila, na base de nova constituição expurgada, da despolitização da CENI e da realização de eleições gerais credíveis.

Estado de insurreição

Corte de comunicações em Conacri: os serviços de telemóvel e de internet foram cortados ao princípio da manhã, enquanto se ouviam tiros e rajadas nos subúrbios de Sonfonia. São os últimos estertores de um regime agonizante. Os mais chegados ao velhadas estão a ver como salvar o couro e preparar a transição... Doravante, Alpha Condé nem nas boinas vermelhas pode confiar. Como prefere o tiro de misericórdia? De frente ou pelas costas? De qualquer forma, paz à sua alma (pois do corpo tratarão os abutres).

Pegadinha


Ao mesmo tempo que era tornada pública a demissão de dois responsáveis da CENI denunciando as falcatruas de Alpha Condé, um infiltrado com câmara escondida desvendava também sistema de enchimento de urnas.

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Requisição do exército

Numa aparentemente inexorável fuga para a frente, um Alpha Condé acossado tenta reforçar com as forças de defesa a repressão promovida pelas forças de segurança. Ao enviar os militares para as ruas, entra em guerra com o seu próprio povo, tornando-se num alvo a abater para qualquer patriota. Um fim penoso e execrável, como genocida, para o esquizofrénico professor da Sorbonne. 

Bem pode o presidente cessante e candidato a usurpador tentar vender ao mundo a sua falsificação dos resultados eleitorais, enquanto os jornalistas revelam gravações no Hotel Kaloum, descobrindo a corrupção da equipa de observadores da CEDEAO, comandada por José Maria das Neves, o qual se apressou a lavar as mãos em relação ao período pós-eleitoral, abandonando o local do crime.

Macron fait le sourd



Jean-Luc Mélenchon, líder da França insubmissa, acaba de escrever no twitter

«En Guinée, Alpha Condé fait tirer sur son peuple, en révolution depuis octobre 2019. Une pensée émue pour les adolescents qui sont tombés sous les balles. Macron et la communauté internationale détournent le regard. La Guinée n'intéresse que lorsqu'il s'agit de piller ses mines».

A loucura assassina de Alpha Condé

Um bom resumo da actual situação, retomando os temas expostos neste blog.

Diabolização do tribalismo

O tribalismo não é forçosamente mau. Que representou, em Portugal, a campanha "compre o que é nosso" ou "vá para fora cá dentro", se não um apelo ao sentimento tribal? Como tudo, o tribalismo tem uma parte boa e uma parte má, mas é uma estrutura identitária africana, só muito lentamente sublimável em nação, carecendo para isso de um caldo sociológico favorável. 

Julgo que é essa a mensagem principal da obra-prima da literatura africana, merecedora de Nobel (incomparavelmente mais que o beneficiado português Saramago), "Mayombe", de Pepetela, que, já agora, vou reler uma outra vez com prazer (pois não o faço há muito, é um livro de culto, para mim), apesar de saber que acabo invariavelmente em lágrimas.

Reduzindo a preto e branco e passando sobre o simplismo da formulação, assiste-se em Conacri a uma batalha escatológica entre o tribalismo bom de Cellou, contra o tribalismo mau de Alpha. O desenlace poderá constituir um ponto de viragem crucial para o futuro do continente.

Fulos com o equívoco

A diabolização étnica que Alpha Condé está perigosamente a empreender, por sua conta e risco, numa altura em que já perdeu a legitimidade, não passa de um equívoco. Se já o era há uma década quando Alpha subiu ao poder, e mais ainda há cinco anos aquando da sua polémica reeleição, hoje é uma verdade tribal insofismável: os fulas começaram a ganhar dinheiro graças ao seu espírito organizado e são aqueles que estão mais interessados na estabilidade e numa governança sustentável da sub-região. 

A frieza dos franceses (em desespero no Mali e de olho numa forma de colmatar a falência da operação Barkhane) em relação a Alpha Condé, é sinal evidente de desgraça e abandono à sua sorte por parte de Paris, apesar dos receios em relação a eventuais precedentes para as eleições a ter lugar ainda este mês em vários países da sub-região. Depois de lavar discretamente as mãos em relação ao chefe dos comandos morto em Kindia, a diplomacia francesa parece confinada a uma estranha apatia e indecisão.