quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Revelação

José Manuel Correia Pinto, na página 505 dos Anais do CMN, aponta "Constou com grande insistência em Bissau, e isso posso testemunhar pessoalmente, que Alpoim Calvão entrou na Guiné, por Bissau, entre o Natal de 1972 e a passagem do ano, e que se deslocou a Pirada, tendo-se perdido o seu rasto a partir daí, tanto mais que não haveria registos do seu regresso a Lisboa por Bissalanca."


Atendendo ao reconhecimento pelo próprio de ter "inferido" das ordens trocadas o objectivo de “capturar e eventualmente assassinar Amílcar Cabral” na operação Mar Verde, nota-se que confunde propositadamente o objectivo Sekou Touré com o de Amílcar Cabral; a própria forma da expressão e ordem de apresentação, diz tudo àcerca das intenções desde cedo alimentadas pelo autor.

As ordens de Spínola distinguiam Sekou Touré, para matar, de Amílcar, para capturar VIVO. No desaguisado que se seguiu no Estado Maior, com o General a acusar o Comandante de ter concebido o ataque político como um golpe de mão, essa razão pode também ter pesado: Amílcar Cabral para nada servia morto ao General Spínola. O Director da PIDE em Bissau confirmou-o.

Segundo Fragoso Allas, o assassinato teria sido uma "bavure", estando previsto "apenas" capturá-lo. Ora se havia alguém que não alimentava ilusões, era o próprio Alpoim, ao profetizar, antes da passagem do ano, que "Com um pouco de sorte, nos finais de Janeiro (Amílcar) estará morto". Na sua biografia autorizada, não é feita referência a essa passagem clandestina por Bissau.

Já agora, Alpoim foi a Pirada visitar Mário Soares, cuja filha estava em Londres em apoio à missão de intoxicar Sekou Touré com as negociações Amílcar / Senghor / Spínola. Em Setembro de 1974, quando deveria ser o homem mais odiado (promotor da operação Mar Verde), entra no Palácio Presidencial para resgatar do fuzilamento esse agente duplo, debaixo das barbas de Luís Cabral.

Quando o General Spínola apertou com Fragoso Allas, depois da morte de Cabral (com quem estaria quando recebeu a notícia, tendo exclamado "Agora é que estamos tramados"), para lhe arranjar um contacto  com a nova direcção do PAIGC, este fez-se rogado e acabou por declinar Nino, a quem todos os caminhos íam dar. Alpoim viria a tornar-se grande amigo de Nino e da Guiné-Bissau.

Estaria Spínola ao corrente das movimentações de Alpoim e dos desenvolvimentos da operação Dragão Marinho? Se foi reprimido pelo General no Estado-Maior, Alpoim ganhou o respeito de Monsieur Françafrique, Jacques Foccart, para quem a recusa de Sekou Touré a de Gaulle ainda doía. Daí a cooperação internacional da DGS, com Barbieri Cardoso a seguir para Paris.

Curiosamente, esta pista viria, por associação de ideias e de procedimentos ao assassinato do General Humberto Delgado, a intoxicar Bruno Crimi, no seu segundo artigo sobre a morte de Cabral, dois anos depois do primeiro, saído pouco mais de uma semana após o assassinato, dando origem a uma tese especulativa que prejudica claramente o trabalho jornalístico.

Alpoim movimentava-se com extremo à vontade, tinha cobertura no seio da Marinha, viajando sob disfarce de Capelão da Armada. Todo o sistema de informações militares tinha a sua marca. Por essa altura, era um Deus para os Serviços Secretos franceses, não deve ter tido qualquer dificuldade em atravessar a fronteira e pegar o avião do lado de lá.

Sem comentários: