Omitindo o facto de que a Guiné-Bissau continua suspensa dessa organização, a CPLP publicou um comunicado no qual afirma ter tomado conhecimento, com satisfação, da formação de um governo inclusivo, de forma a voltar ao «concerto das nações»; talvez fosse por aí que deviam começar, preocuparem-se em rectificar a extemporânea atitude de exclusão, no mínimo incoerente (para não lhe chamar estúpida), por parte de uma comunidade linguística de ordem cultural.
Mas o que mais choca é o padrão de má fé que parece sempre subjacente ao discurso de Portugal e da CPLP: embora tenham finalmente tido de engolir a realidade que se recusavam a admitir, acrescentam sempre uma nota, para salvar as aparências e a honra da «donzela». Na recente declaração conjunta Portugal-Brasil, foi a parte «inventada» da subordinação dos militares ao poder político; desta vez falam de «respeito pelos direitos humanos, incluindo a possibilidade de regresso dos cidadãos no exílio». Tinha de ser.
Parece-me que, ao contrário do que trataram de promover contra os promotores do contra-golpe, que estão proibidos de se deslocar aos vossos países, nunca foi vedado a ninguém o retorno à Guiné-Bissau (o que seria decerto inconstitucional, tratando-se de um cidadão nacional); talvez um cidadão em particular, tenha sido momentaneamente desaconselhado a voltar, por preocupações com a sua própria segurança. Mas foi desaconselhado e não proibido. Tanto não estava impedido de o fazer, que chegou a ser intimado a comparecer em Tribunal, tendo o próprio considerado inoportuna tal deslocação (encontrando-se portanto actualmente na situação de desobediência civil).
Desafia-se a CPLP a esclarecer quais são esses casos de «cidadãos no exílio» impedidos de regressar ao país. Houve realmente uma proibição em relação a certas pessoas, mas foi ao contrário, era de deixar o país, não de entrar. Uma organização internacional deveria ser mais cuidadosa, no tipo de comunicados que emite. Por que razão generalizar ao plural, se estão a falar do caso singular que todos conhecemos? Mas já perguntaram ao referido cidadão «no exílio» (primeiro fartaram-se de espernear para o arrancarem ao seu país natal e agora queixam-se?) se tem condições psicológicas para enfrentar um retorno (ao país, não ao seu estatuto anterior)?
Se não tem coragem para se apresentar em Bissau, pode sempre marcar o Congresso do PAIGC para Lisboa, fretando um charter numa operadora aérea low cost: se o profeta não vai à montanha, que venha a montanha até ao profeta. A CPLP deveria rever as suas apostas. E se estão realmente preocupados com os Direitos Humanos, porque não debruçarem-se sobre a situação angolana, onde ainda há poucos dias foram enviados 25 polícias de choque, apenas para maltratarem, na sua própria casa, à frente da mãe e do irmão, um jovem músico cujo único crime foi ter participado numa manifestação pacífica. Não justificaria um comunicado de preocupação?
Há 2 horas
7 comentários:
Não. Não foi apenas a CPLP a rejeitar com determinação o golpe de estado na Guiné-Bissau. A França (que não aceitou o embaixador), a União Europeia, os EUA (que os enganou até capturar alguns traficantes da coca e armas), as Nações Unidas, União Africana, a maioria de países africanos da américa latina, etc.
A honestidade intelectual, a isso obriga. Sejamos sérios nas comunicações.
Só quem está-se marimbando pelo povo da Guiné é que produz textos de júbilos desta natureza.
Consulte o “Progresso Nacional” e verifique o balanço da transição e muito mais.
Está equivocado(a). Este não é um texto de júbilo. Nem de gáudio. É apenas a constatação de uma subtileza (de chico esperto) do discurso. A CPLP pôs-se de parte. Portanto vão ter de fazer algo mais do que conversa fiada, para recuperarem a sua abalada credibilidade. Parece uma abordagem pouco diplomática, estar sempre a acrescentar pontos indesejados e inoportunos à agenda. Só minam ainda mais o lamentável nível de confiança a que se sujeitaram, por força de opções pouco claras (ou suficientemente esclarecidas). O cenário que teimam em propor não tem pés nem cabeça, nem pernas para andar.
É essencialmente um texto de tristeza, uma fria constatação de um abuso gratuito de poder, da falta de autonomia e de «identidade própria» de uma organização que falhou redondamente na tarefa de encontrar um lugar no mundo, que é o da língua portuguesa. A absoluta fraqueza e indigência (inclusive espiritual) do Estado português, consubstanciado, mais do que nos seus órgãos de «soberania» ou «representantes» eleitos, no sistema que os «elegeu», não permite mais que esta «apagada e vil tristeza».
Os cancros da «democracia» não são apanágio exclusivo da Guiné-Bissau. O texto será de júbilo quando aparecerem ideias novas, mobilizadoras, que gerem paz, dignidade, responsabilidade, identidade, cultura, desenvolvimento sustentável, qualidade de vida.
Mesmo se concordo, em linhas gerais, com o texto de Mussa Cambano, acho que a sua crítica tem mais propriedade quando se refere aos partidos e à mentalidade política vigente, do que na avaliação do I governo de transição, que tem a atenuante de ter tido a sua vida bastante dificultada pelas circunstâncias.
Resumindo o pensamento anti-luso:dizem certos guineenses que tiveram o azar com o pobre do colonizador que lhe calhou.
Até brasileiros há que lemmentam não terem sido os americanos os seus colonizadores.
Talvez tornar-se uma nova "casamance" fosse a solução para Bissau.
Não há sentimento anti-luso na Guiné-Bissau, há uma boa estrela que não é aproveitada (foi até insensatamente ameaçada pelo actual MNE).
Cabral defendia que não deveria ser feita «tábua rasa», mas sim contar com os contributos positivos da cultura «opressora» (portuguesa). Os portugueses sempre foram defendidos e por isso se sentem seguros em Bissau. Não é apenas para o contrariar, mas fui acusado de ser «colonialista» (não por si, claro) e vou aproveitar para desenvolver uma resposta.
Os contactos com a Guiné começaram quase meio século mais cedo que com os outros territórios que viriam a dar origem aos PALOP. E eu julgo que a relação dos portugueses com a Guiné foi especial (ouvi-o há pouco tempo em Coimbra de uma assembleia de ex-combatentes portugueses), não caindo propriamente no cânone do «colonial».
Também não há muito tempo, na televisão, vi uma entrevista relacionada com a guerra colonial, em que um simples soldado dizia que tinha ido para a Guiné a pensar na «cena» colonial... Mas que tinha ficado esclarecido logo no primeiro dia: ao contrário do que ouvira em relação a Angola e Moçambique, só via «pretos»; brancos, só os soldados e alguns comerciantes libaneses.
Além disso, no caso especial da Guiné-Bissau, o êxito militar da sua luta contribui para a própria libertação do povo português (embora já saiba que o caro retornado vai lembrar o desperdício gratuito que depois ocorreu). Houve portanto, mais que uma relação colonizado / colonizador, uma troca simbólica que permanece na memória colectiva, um respeito maior entre povos.
É decerto uma relação mais positiva que a do «ressentimento», que muitos querem impor, com esse género de discursos. Os contactos entre os povos, com todos os erros que inevitavelmente implicaram, não podem ser condenados a priori, só porque é «politicamente correcto»: há que conhecer a história e distinguir-lhe os contornos.
E acabo, neste contexto, com um «rebuçado» para si, caro retornado assíduo a este blog, lembrando um inimigo (e portanto insuspeito) de princípios do século XVII, Pieter Van Dam, um funcionário da Companhia das Índias (holandesas), que, questionado pelos directores sobre as razões dos poucos progressos obtidos numa expedição diplomática para o estabelecimento de novas feitorias, respondeu que, incompreensivelmente e mal grado o seu comportamento vaidoso e arrogante, as extorsões fiscais que praticavam, entre outros traços pouco recomendáveis de carácter, os portugueses eram preferidos pelos indígenas, em relação a outros europeus.
Aproveito para propor à CPLP a adopção do Padre António Vieira como patrono da organização. Nas palavras de Miguel Torga:
Mestre de Fernando Pessoa
No V Império que sonhou, sonhava
o homem lusitano à medida do mundo.
E foi ele o primeiro, original
no ser universal.
Boa Noite
Meus caros senhores, penso que cada um defende o seu pão de cada dia. Tanto o didinho, o emplastro, o doka, o aly todo mundo defende o que lhe agrada e por mim é normal. Mais há certos textos de vocês que me chocam porque os senhores escrevem as vossas ideias e posições como sendo o verdadeiro e correcto. O que os senhores escrevem têm de dizer claramente que é a vossa opinião.
Na parte que me toca, acho suficientemente claro: semeio frequentemente o texto com «julgo que»; «na minha opinião», etc. Nunca me apresentei como jornalista ou pretendi ser imparcial. Mas o caso dos blogues guineenses é um pouco como tudo o resto: com tanta oferta, é preciso espírito crítico para fazer uma síntese e construir a sua opinião.
E, no meu caso pessoal, não estou dependente de quaisquer eventuais proventos auferidos com o blogue; pelo contrário, o tempo que gasto com ele, faz-me perder dinheiro e, muitas vezes, estar menos disponível do que gostaria para a minha família.
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