quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Dignidade ou deturpação

Têm piada os magistrados cabo-verdeanos. Divulgam a sua dignidade «torneando» os factos... É engraçada a formulação, em declarações à Lusa:


«Dois magistrados cabo-verdianos a trabalhar em Timor-Leste decidiram cessar funções depois das resoluções do Governo timorense que culminaram com a ordem de expulsão de oito funcionários judiciais internacionais, disse hoje à agência Lusa fonte judicial. As duas resoluções foram esclarecedoras. Por uma questão de dignidade da magistratura cabo-verdiana, decidiram cessar funções, afirmou a mesma fonte. A fonte explicou que a decisão foi também tomada em solidariedade com os colegas.»

Trata-se de fazer acreditar que os dois se solidarizaram com os magistrados portugueses. Mas não, Cabo Verde fazia parte dos oito funcionários «internacionais» (7 portugueses e 1 cabo-verdeano, todos pertencentes ao «Eixo do Mal»). Logo, a história está mal contada: só um dos dois pode ter «decidido» (pois o outro foi expulso); portanto, de facto, um dos dois funcionários cabo-verdeanos em Timor solidarizou-se com o outro e apanharam o mesmo avião (tal como os portugueses, aliás, por imposição política).

O MNE cabo-verdeano fora mesmo o primeiro a reagir e muito bem (sendo um dos destinatários, deve estar por dentro dos dossiers, também esteve em Bissau na semana passada), esclarecendo que:

«Não se trata de uma ação específica em direção a esse cidadão cabo-verdiano, mas sim de uma medida que as autoridades timorenses decidiram tomar.»  

Talvez o Senhor Ministro Jorge Tolentino pudesse ir mais longe e explicar as verdadeiras razões que conduziram a este estado de coisas.

Oposição angolana prepara mega-manifestação pacífica?

Em artigo do Club-K subscrito pela UNITA, reconhece-se que a queda de Compaoré representa uma oportunidade de ouro para os angolanos saírem à rua e provocarem a derrocada do regime. Num outro artigo do Angola24Horas, também subscrito pela UNITA, defende-se que Angola está «à beira de um colapso total», sugerindo que «os bons do MPLA, da UNITA, da FNLA, da CASA-CE, etc etc se juntem para contagiar os maus de Angola, através duma manisfestação pacífica bem organizada nas ruas, com lenços brancos significando a paz, e convençam JES a partir para a reforma tranquilamente».

Transcrevo igualmente alguns excertos relevantes, do discurso proferido por Isaías Samakuva, presente em Lisboa, precisamente no momento (durante o dia 30 de Outubro) em que Compaore caía nas ruas da amargura:

«Angola é um país maravilhoso, onde se pode ganhar muito dinheiro em muito menos tempo, se calhar, em menos tempo do que noutras partes do Mundo. Porém, esta facilidade encobre uma séria doença cancerosa que preocupa os que olham para o seu futuro. Por isso dizemos que Angola atravessa um daqueles momentos críticos da história de uma nação que redefinem o seu futuro. Como já dizia há uns dias atrás, há um conflito sério entre Angola e o regime que a governa. Os angolanos querem mudança, mas o regime continua fixado no passado, esticando a crise social e institucional ao limite da ruptura, na sua vã tentativa de subjugar Angola e comandar o futuro. A intensidade do conflito entre estes dois polos - o do regime e o dos Angolanos - cresceu de tal forma que um terá de sobreviver ao outro. Hoje, temos em Angola uma democracia tutelada por um Partido-Estado, que organiza processos eleitorais viciados para sequestrar o poder político que é exercido por formas não previstas nem conformes com a Constituição.»

(...)
«Os níveis de desgovernação e de corrupção tornaram-se insuportáveis. Alguns mais velhos dizem correctamente que “Angola precisa de uma nova independência”. De facto, há necessidade de uma nova ordem política, uma nova matriz económica e uma nova cultura de governação. O actual governo chegou ao seu fim porque já não consegue reunir condições políticas de governabilidade e de legitimidade para se manter em plenitude de funções.»

Um abraço de Dili

Um Primeiro-Ministro português de fugida, dispensou menos de um minuto para debitar um comunicado sobre um caso gravíssimo, no qual Portugal foi gravemente humilhado, sem direito a perguntas dos jornalistas, num tom lamechas e despeitado, balbuciando provérbios mal citados (é «por baixo da ponte» e não «por baixo das pontes»), chorando sobre o leite derramado: «lamento profundamente que tudo aquilo que foi a troca de informação que foi registada antes destas decisões serem tomadas não tivesse sido suficiente».

Não era decerto esta a explicação que esperava Francisco Seixas da Costa. No entanto, Pedro Passos Coelho respondeu à principal interrogação que o Senhor Embaixador exprimiu no artigo recentemente publicado sobre o assunto e aqui glosado. O Primeiro-Ministro português admitiu ter «havido uma má leitura de sinais (...) do conhecimento do lado português», ou seja, agravou ainda mais o caso, confessando que trataram um caso desta dimensão com uma insustentável ligeireza, ou melhor, uma infeliz arrogância de ex-colonizadores disfarçados de cooperantes, grosseira negligência e escassa diplomacia.

Há, no entanto, vários sinais que permitem fazer a leitura correcta da mensagem de Xanana. Um deles é o protagonismo que tem assumido o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Timor, que havia participado, com Rui Machete, em Bissau, no encontro de MNEs da CPLP, o qual já veio por mais que uma vez colocar água na fervura. Bissau parece ter sido a gota de água que fez transbordar o copo. Será compreensível que os homólogos estivessem juntos, com este assunto em ebulição, e o caso não tenha nada a ver com a CPLP e o próprio conceito de cooperação?

As actuais autoridades portuguesas são actualmente uma simples dependência de Luanda, num frenesim de exploração petrolífera desenfreada que conduzirá aquele país africano ao esgotamento dos seus recursos em poucas décadas. Desse dinheiro, só uma ínfima parte tem servido para desenvolver as condições de vida dos angolanos. Timor não tem qualquer interesse em cooperar com autoridades corruptas nem aderir a modelos de desenvolvimento desadequados e pouco consistentes. É insatisfatório lidar com um país completamente desidentificado politicamente, até por respeito pela sua grandeza histórica. No entanto, Portugal mantém-se intacto no coração dos timorenses e no seu papel mítico.

Claro que os magistrados comeram por tabela, se bem que não sejam decerto propriamente santos, ou sequer, pelos vistos, muito competentes. Muito técnicos e virados para o rei no umbigo do Direito português, revelam dificuldades em interagir com outros factores relevantes, quando enxertados em ambientes exóticos (talvez sejam portugueses de má qualidade). De qualquer forma, é sempre arriscado ir lavar as mãos aos outros na casa deles; toda esta campanha que fala em «mãos limpas», ainda para mais, depois de expulsos, soa a falso. Em vez de lavarem as mãos aos timorenses, emigrem para Angola e vão lavar o rabinho de José Eduardo dos Santos (com carqueja, claro, para não ofender), lá há muita corrupção para investigar. Ah! E entretanto voltem para a escola, não copiem e aprendam a não dar erros ortográficos. Eheh

O que Xanana está simplesmente a recomendar, é uma revolução em Portugal (e já agora, em Angola). A mensagem é clara: «gostamos muito de vocês, mas enquanto estiverem por aí esses governantes, não queremos nada convosco. Quando se livrarem deles voltaremos a falar de coisas sérias.» Em entrevista à Lusa, Xanana diz que gosta muito de Portugal, que isto nada tem a ver com os portugueses e até manda um abraço. Recorre-me a frase de Cabral... «A nossa luta não é contra o povo português...»

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Voice Of America

A VOA publicita um debate ocorrido na Rádio Despertar de Angola, no qual os analistas dizem que o que aconteceu no Burkina pode repetir-se em Angola.

Um pequeno extracto:

_Nós estamos numa ditadura efectiva, os activistas cívicos são assassinados, não se permitem manifestações, os jovens são torturados e presos, os debates parlamentares não são transmitidos, enfim, o presidente já fez o que o outro tentou fazer no Burkina Faso: alterou a Constituição com o acórdão de 2005 do Tribunal Supremo que dizia que José Eduardo dos Santos ainda não tinha cumprido nenhum mandato no poder, ou seja quer dizer que o seu mandato só começou em 2005.

Representará esta rádio a Voz de Angola profunda? O despertar dos angolanos?

Embaixador Francisco Seixas da Costa exige explicações

No seu blog, que mereceu réplica no Expresso on-line, o Senhor Embaixador garante que se tornaram absolutamente indispensáveis, por parte das autoridades portuguesas, explicações urgentes, quanto à forte mensagem que lhes foi enviada por Xanana Gusmão. O niet timorense foi uma verdadeira bomba atómica diplomática, sujeitando o país ao ridículo e expondo a absoluta mediocridade da política externa conduzida pelas actuais autoridades portuguesas.

Embora o Senhor Embaixador o não tenha referido explicitamente, cuidando de aguardar essas explicações devidas ao país por parte do Presidente da República e do Primeiro Ministro, começa a circular nos bastidores a tese da reacção visceral do Primeiro-Ministro timorense ao MNE português Rui Machete (ver comentários ao artigo).

Guiné-Bissau afirma-se no Mónaco


A Ministra da Justiça presente na linha da frente, em representação da Guiné-Bissau, no Mónaco, onde participa na 83ª Assembleia da INTERPOL, organização internacional de cooperação policial.

Esta Assembleia tem um sabor especial, pois comemora um século da organização, precisamente no Mónaco, onde, há cem anos, o trisavô e homónimo do actual herdeiro da coroa do Principado, Alberto e primeiro do nome, reuniu pela primeira vez as polícias de vários países para acertar conjuntamente políticas de cooperação.

Após a cerimónia de abertura, na Segunda-Feira, dia 3 de Novembro, os trabalhos iniciaram-se ontem, dedicados a um primeiro tema, os 100 anos de cooperação policial, cujo terceiro e último ponto se referia ao combate ao crime transnacional: agendada a palavra, no espaço reservado às intervenções dos Ministros, Carmelita Pires insurgiu-se contra o preconceito que reduz a Guiné-Bissau a um «Narco-Estado».

Com a devida vénia, traduzo os excertos publicados pela Senhora Ministra na sua página do FaceBook. Segundo os seus comentários, parece que a alocução foi um verdadeiro sucesso.

«(...)
Tornou-se irritante, para os meus compatriotas, sempre que lêem o nome do país na imprensa internacional, é pelas piores razões, associando-o a esse tráfico [de droga], chegando frequentemente ao ponto de a Guiné-Bissau ser tratada como um Narco estado, projectando assim uma imagem muito negativa junto do investimento estrangeiro, do qual temos uma necessidade premente para conseguirmos valorizar os nossos múltiplos recursos naturais, tornando-se também altamente nocivo para o nosso imenso potencial turístico de bio-diversidade, que continua por explorar.
(...)
Estamos decididos a não continuar a ser uma presa fácil para o crime transnacional, recuperando a nossa credibilidade no concerto das Nações, e por essa razão, torna-se para nós de extrema importância garantir os meios que nos permitem agir e recuperar a confiança, tanto da parte dos nossos concidadãos, como também da opinião pública mundial, na capacidade da Polícia para desempenhar a sua missão. Esperamos assim colocar um termo no ciclo vicioso de instabilidade política e fragilidade estatal».

Piada

Sem pretender fazer concorrência ao Ady (até porque a «anedota» não é minha), não resisto a contar uma expressão engraçada que ouvi hoje a um amigo, numa conversa sobre a actualidade oeste-africana. Mas não quero prolongar o prólogo... cá fica ela.

«Angola mal gatinha e julga-se madura para ingerir alimentos sólidos. Devia contentar-se, para já, com o leite em pó, para não colocar em risco a sua saúde».

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Tiros no pé da CEDEAO

A CEDEAO, depois de ter tolerado as manobras dilatórias de Compaoré para prolongar ad eternum o seu consulado, de ter tentado mantê-lo no poder em plena crise popular, envia agora uma delegação, que amanhã avança para o terreno, mandatada por um próximo de Compaoré, pertencente a uma dinastia de ex-Primeiros-Ministros burkinabês, os Ouédraogo... Depois do Gérard e do Youssouf, este Kadré é formado pelos Altos Estudos Comerciais (HEC, uma escola francesa de «elite»), eleito em Fevereiro de 2012 para a presidência da Comissão da CEDEAO.

Li no Bambaram di Padida, ver link à direita >

A missão não parece bem vinda. Os burkinabês não perdoam à França a execução que deram à cláusula de «seguro de vida» dos seus fantoches africanos, com a coluna armada organizada pelos seus bons ofícios para evacuar Blaise Compaore para a Costa do Marfim. O exército já demonstrou, ao alinhar unanimemente com Zida, que, à falta de alternativas civis credíveis, não larga o poder, para prevenir eventuais desestabilizações na sua fronteira sudoeste. Recorde-se que muitos costa marfinenses não perdoam a Blaise Compaore a desestabilização do seu país; e que Ouattara, o homólogo francófilo do ex-Presidente burkinabê, terá eleições brevemente...

Ficaria bem aos dirigentes guineenses, num gesto de solidariedade, não apenas dispensarem os serviços da ECOMIB (Guiné-Bissau está em plena normalidade democrática há mais de meio ano), mas inclusive oferecerem-se para retribuir, enviando para Ouagadougou 170 polícias para substituir o efectivo burkinabê. Atendendo a que o exército não aceitará, por boas razões, conceder para já o poder aos civis, justifica-se uma missão em tudo semelhante à da Guiné-Bissau, para garantir que os militares, após um prazo razoável de transição, devolvem o poder a autoridades legitimamente eleitas.

Aliás, a iniciativa de antecipar o fim do mandato desta missão deveria partir da própria CEDEAO, invocando questões de urgência e assumindo que algo tem de mudar na organização... As organizações sub-regionais (como termina um dos artigos do Bambaram), não devem estar ao serviço dos dirigentes dos países membros, mas das respectivas populações!

Cartão de visita

Como apresentar um espião, para que não seja reconhecido? Fazendo um erro em cada nome do senhor, para que as pesquisas não devolvam qualquer resultado relevante...

Mas agora que a LUSA se preste a estes arranjos (mesmo deixando o «rabo de fora», uma vez que, no fim do artigo, já acertam, em separado, no seu último nome)... é demais.

Chiristopher Colemem = Christopher Coleman que chefia, desde Agosto de 2013, o Department of Political Affairs das Nações Unidas para a África do Norte, central e ocidental.

Já agora, permita-se recomendar cuidado, aos guineenses, com a presumível missão deste agente duplo, mercenário ao serviço da máfia da ONU. Essa missão é recomendar a MISSANG II ao SG e CS.

As iniciativas de Angola, para conseguir uma «cobertura de chocolate» para o bolo que quer fazer engolir aos guineenses, parecem recorrer a todo o género de subterfúgios e recursos.

A negociata é transparente (com mais uns trocos para o senhor, claro): Angola oferece 1800 soldados para a África central; para recompensar a boa vontade, toleram outros 1800 a enviar para a África ocidental...

Apenas para ilustrar o percurso do senhor e as suas competências, refira-se que, com inconfessáveis desígnios de tramar um colega e disfarçado de «hacker» marroquino, revelou documentos confidenciais da ONU no dossier do Sahara Ocidental... infelizmente, o email associado ao envio chris_coleman24 tramou-o. Se os saharauis não deram por isso, que se tratou de um «inside-leaking», perceberam, por outro lado, que existiam claras intenções de «manipular insidiosamente o relatório do SG». Ver blog da diáspora saharaui.

Enterro

Afinal, pelos vistos, enganei-me, quando disse, há uns dias, que Timor «não lhe apetecia» dar um murro na mesa, atendendo à pouco vergonha que resultou da reunião de MNEs da CPLP.

E o murro não foi na mesa, foi mesmo em plena fuça. Para que se saiba, a decisão de expulsar, num prazo de 48 horas, os portugueses, nada tem a ver os magistrados, mas com o tema da investigação: petróleo.

À chegada do MNE a Dili, quando Xanana soube dos pormenores, não perdeu tempo. E a mensagem não é assim tão difícil de perceber: Petróleo = Angola ; Portugal = colónia de Angola ; CPLP morreu.

Face a uma declaração tão óbvia, o principal destinatário, o MNE português manifestou o seu desconforto. Está desconfortável, o senhor, perante o triste resultado da sua «brilhante» actuação?

A CPLP implodiu.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Encurtar o tempo decorrido

Face à constatação de que o seu estado de graça está prestes a desmoronar-se, Domingos Simões Pereira, toma providências: por um lado, pede uma extensão para o dobro do tempo; por outro, encurta para metade o tempo que já passou.

Perante uma assembleia de empresários, no Porto, apresenta «uma nação renascida há cerca de quatro meses com a realização de eleições democráticas» li no PN, ver link à direita

De Abril a Novembro, pelas minhas contas, vão sete meses e não quatro. O senhor Primeiro-Ministro referia-se decerto à sua tomada de posse, a menos que essa seja prosa de responsabilidade jornalística.

domingo, 2 de novembro de 2014

Homenagem ao Presidente do Uruguay

Traduzo, com a devida vénia, fragmentos de um artigo do ABC de Madrid, seguido de uma réplica no canal social (Twitter-Facebook- que pretendem viral), em língua espanhola, o ésnotícia.co.

Dizem de José Mujica - Pepe para os amigos - que é o homem mais honrado do mundo. Trata-se de um senhor com 78 anos, de aspecto bonacheirão, amante de boa comida e da natureza, que veste de forma informal e popular. Até aqui, tudo bem, se não se tratasse de um Presidente, neste caso, do Uruguay.

Mujica - ex-guerrilheiro e fundador do Movimento de Libertação Nacional Tupamaros - ascendeu ao cargo a 1 de Março de 2010. Até aí, dividia o seu tempo entre a política e o cultivo de flores, numa humilde quinta na periferia de Montevideo, onde prometeu manter-se se ganhasse as eleições. Ofereceu depois o Palácio Presidencial para os sem abrigo poderem passar o Inverno. Outras das medidas polémicas que implementou, foi a legalização da marijuana.


Preso durante 13 anos, nunca acreditou na possibilidade de se vir a converter em Presidente. Pouco antes das eleições das quais sairia como vencedor, declarava a um jornalista «Eu vir a ser Presidente é tão improvável como um camelo passar pelo buraco de uma agulha». Desde aí que a sua humildade tem logrado conseguir a simpatia e a adesão do seu povo.

A imprensa uruguaia classificou-o como o presidente mais pobre do mundo: o seu património ascende a três terrenos, três tractores e um carro, um Volkswagen carocha, de 1987, isto segundo os dados apresentados pela Junta de Transparência e Ética do Uruguay.

O seu salário como Chefe de Estado é de cerca de 10 000 euros por mês; não obstante, doa cerca de 90% do seu ordenado a projectos de ajuda. «Mil euros chegam-me, e têm mesmo de me chegar, porque há uruguaios que vivem com muito menos» sentenciou o Presidente a esse propósito.

Para veículo oficial dispõe de um simples Corsa, depois de a sua imagem de marca ter sido a Vespa que utilizava para chegar ao Parlamento, quando foi eleito deputado, após a Ditadura. Sem contas bancárias, sem dívidas, afirma dormir tranquilo, enquanto espera pelo fim do seu mandato para descansar na sua pequena quinta de Rincón del Cerro.

Quando confrontado com a notícia do ABC de Madrid, respondeu:

«Eu não sou pobre. Pobres são os que acreditam que eu sou pobre. Tenho poucas coisas, é verdade, as mínimas para poder ser realmente rico, à minha maneira, que consiste em ter tempo para dedicar às coisas que me motivam. Se tivesse muitas coisas, teria que tratar delas todas e não poderia fazer aquilo que realmente gosto. Essa é a verdadeira liberdade, a austeridade, o consumir pouco. Se tiver muitas coisas acabo por viver preocupado com medo que me as levem. A casa pequena, para não precisar de empregada. Não, a mim bastam-me três divisões: passo a esfregona pelo chão a meias com a velhota e, num instante, já está! Assim ficamos com tempo para aquilo que realmente nos entusiasma.

Não somos pobres»

Faz-me lembrar o inventário dos bens de Thomas Sankara, Presidente do Burkina Faso, à data do seu assassinato: uma mota, duas guitarras, uma frigideira e um frigorífico avariado.

Terça arrancam trabalhos da ANP

Continua evidente a fraca capacidade de comunicação do Governo, a inexistência de facto de um Porta-Voz e incipiente o acompanhamento e publicitação dos diplomas submetidos à Assembleia Nacional para apreciação, entre eles um importante Decreto Lei de Regulamento da Disciplina Militar, que deverá constituir um primeiro passo no sentido de uma reforma do código deontológico de conduta dos militares, conforme se pode ler na conferência recentemente proferida por Daba Naualna a esse propósito.

Tudo documentos que haveria todo o interesse em partilhar para discussão pública, facilitando o acesso através da internet e apostando na transparência prometida ao longo da última campanha eleitoral, mas que infelizmente, passados que são mais de cem dias, ainda não assumiram uma dimensão virtual.

A luta contra a corrupção, por sua vez, não deveria estar sob a alçada directa do Ministério da Justiça, devido às sinergias com o seu papel e tutela que possui sobre a Polícia Judiciária, desempenhando um papel central no complexo puzzle criminal guineense? Uma «inspecção superior» de iniciativa parlamentar parece ser uma figura perfeitamente inoperante.

Ensinamento para os actuais governantes guineenses

Se Blaise Compaoré pudesse deixar uma última recomendação aos seus colegas dirigentes, seria decerto: cuidado com a praça!

À velocidade a que hoje circula a informação, torna-se cada vez mais difícil para os líderes obterem uma obediência cega e acrítica a actos demagógicos e autocráticos, opondo-se ao sentimento popular generalizado.

Poderia recomendar-se a DSP que entre num táxi, ou vá até ao mercado de Bandim, que empregue um pouco do seu precioso tempo a trocar impressões com o povo anónimo. Rapidamente descobrirá que, na praça, há uma oposição generalizada à presença de tropas angolanas no país.

O senhor Primeiro-Ministro talvez esteja a atribuir demasiada importância a factores exógenos, o que tem ofuscado a percepção de uma forte vontade interna opondo-se à materialização desses nefastos desígnios. Quanto mais depressa se aperceber do erro, melhor.

Desafio: Compare Compaore

Duas faces da mesma moeda

Descubra as parecenças...

Exercício de zidadania

Aparentemente, a expectativa criada pela marcação de uma reunião, para os próximos dias, entre o Coronel Zida e os líderes civis, parece ter devolvido alguma acalmia às ruas de Ougadougou, com relativamente menos gente a aderir hoje à convocação para manifestar o desagrado quanto ao confisco do poder pelo Exército.

Os apelos dos Estados Unidos e de várias organizações para a devolução do poder aos civis (como se o ex-Presidente não fosse ele próprio um militar de carreira) deverão esbarrar contra aquela que parece a firme intenção, no seio do Exército, de evitar uma «malidição» ou «libialização» do Burkina Faso.

Justifica-se, nesta ocasião especial, como sugeriram os irmãos intelectuais balantas na diáspora, uma reflexão sobre a herança de Thomas Sankara, o caminho que apontou para um ideal de homens íntegros, e a oportunidade da sua aplicação a todo um continente em busca de afirmação.

A Twittoesfera foi invadida por um tsunami de críticas a, entre outros, José Eduardo dos Santos e Obiang, sugerindo que podem ser os próximos. Também o Expresso retoma o assunto num artigo deste Sábado, sugerindo uma «Primavera Africana» e lembrando o sacrifício, há já quase quatro anos, na Tunísia, do jovem Mohamed Buazizi.

Segundo artigo no Libê, um sobressalto de júbilo percorreu o continente, com muitos a interrogarem-se «Se os burkinabês conseguiram, porque não havemos nós de conseguir também?»... Numa réplica local, o Angola24horas publicou um artigo de opinião sob esse contundente título.

Atropelo constitucional II

José Eduardo dos Santos faz gato sapato da Constituição de Angola, que, pelos vistos, só lá está para enfeitar.

JES insiste em seguir o mesmo guião: para enviar a MISSANG, a Assembleia não foi consultada (mas quando se viu aflito, em risco de ficar sem bonecos, já soube ir «pedir licença» à Assembleia para os retirar).

Estando a tratar de impingir uma segunda Missão em tudo similar, não deveria consultar a Assembleia e apresentar-lhe as suas razões para todas as diligências que tem insistentemente promovido com esse fim?

Talvez consiga convencer os deputados, defendendo o interesse de criar um protectorado na costa ocidental, de importância capital para Angola, por razões geoestratégicas...

Depois, quando as coisas derem para o torto, se os seus figurantes se virem novamente atrapalhados, lá irá outra vez a correr choramingando para debaixo das saias da Assembleia, para partilhar a «decisão» (ou melhor, a frustração).

É que uma coisa é responder a uma solicitação urgente da ONU, como Angola fez, prometendo enviar um contingente para a República Centro-Africana, outra, completamente diferente, é querer impingir à ONU uma ocupação «dedicada», pretensamente sob a sua bandeira, o que não passaria de uma grande palhaçada desacreditando e debilitando a sempre periclitante instituição que é o Conselho de Segurança.

Se a oposição angolana exige a partilha de informação detalhada da Missão centro-africana, a mais forte razão deve exigir que o Presidente clarifique, perante a Assembleia, os objectivos subjacentes à MISSANG II.

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Muitos anos, FARTA

Farta foi o nome do Coronel escolhido pelo Estado Maior do Exército burkinabê para assumir perante a rua, hoje novamente mobilizada, a queda de Compaoré. Resta saber o que os franceses vão fazer com a «fava». A CEDEAO também perdeu rapidamente o pé, tentando sugerir aos militares para manterem o assassino de Sankara no poder.

O Coronel Farta, vindo sob escolta do Estado Maior, dirigiu-se à multidão, pouco antes das 14h locais, garantindo que Blaise Compaoré «n’est plus au pouvoir», despoletando uma enorme alegria. Comemora-se neste preciso momento efusivamente, em Ougadougou, o fim de uma era. Possa a lembrança de Thomas Sankara iluminar os burkinabês na senda da verdadeira independência.

Um fim bastante pedagógico, em relação a outros líderes africanos que se eternizam no poder e que gostam de se armar em «mediadores» em terras alheias.

O próprio ex-Presidente acaba de aparecer na televisão dizendo que vai abandonar o país, declarando o poder «vacante».

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

ECOMIB chamada de urgência a Ouagadougou

Os franceses estão a tentar salvar Compaoré do fantasma de Thomas Sankara, que voltou para o assombrar. A situação está confusa: basta ler esta pérola (antológica!) de redundância de Le Monde:

«Le chef de l'Etat a levé l'état de siège décrété dans l'après-midi par la présidence»


Compaoré abre e fecha a frase, sob designações diferentes! É que, à tarde, Compaoré decreta o Estado de Sítio durante a noite; e à noite, levanta-o. Entretanto ganha tempo, a ver se chega o fim-de-semana e os protestos esmorecem.

Missão da CPLP

Objectivos constitutivos da CPLP, segundo o publicado na página oficial cplp.org:

Igualdade soberana dos Estados membros;

Não-ingerência nos assuntos internos de cada estado;

Respeito pela sua identidade nacional;

Reciprocidade de tratamento;


O que se assistiu em Bissau, na conferência de MNEs?

Os angolanos cagaram sentenças, os portugueses bajularam-nos, os brasileiros calaram-se, os moçambicanos não quiseram saber, os são tomenses olharam para o lado, os timorenses, pelo seu lado, não lhes apetece dar um murro na mesa...

Isto não é a CPLP, tornou-se num albergue espanhol.

Hipocrisia

A LUSA publicou um artigo expressamente dedicado à ECOMIB»MISSANG. Face às incríveis patranhas emanadas da CPLP, não se vislumbra uma nota de sentido crítico, ou sequer uma simples alusão velada ao que realmente está em causa. Para quê intitular «Força militar africana com mandato da ONU» se estamos a falar de um simples capricho de José Eduardo dos Santos, sinalizando uma iminente senilidade? Não é preciso dar tantas voltas para esconder o rabo! Que aqui há gato, já não escapa a ninguém. Assumam e deixem-se de tentar encobrir o sol com a peneira.

Mas já agora, uns pauzinhos na engrenagem:

1) A CEDEAO. Por mais floreados que pintem, a sub-região não vai na conversa do afro-imperialismo angolano. «Reconfigurar», para esta CPLP, corresponde à proposta de revezar as forças da CEDEAO por forças angolanas. In illo tempore, a Nigéria não viu com nada bons olhos a estadia da MISSANG, não é de esperar que altere essa posição, sobretudo atendendo à intenção de multiplicar o efectivo por sete, perfazendo os 1800 elementos. Infelizmente, as relações de José Eduardo dos Santos com a França arriscam-se a arrefecer, depois da morte, há poucos dias, num acidente de aviação na Rússia, do presidente da TOTAL, com quem andava a «namorar». Não deverá pois esperar muita compreensão do lado da francofonia, para quem a presença angolana também é vista como uma ameaça (terá sido, aliás, esse o argumento que fez desestabilizar a balança nos dias seguintes ao 12 de Abril de 2012).

2) Os restantes elementos do Conselho de Segurança. Efectivamente, os «jogos» no Conselho de Segurança nunca são pela positiva, mas pela negativa. Cada vez que um elemento puxa a brasa à sua sardinha, é refreado pela oposição decidida de outro membro. Por isso é considerado ineficaz. Angola chegar ao «poleiro» e querer utilizar a sua posição em causa própria vai decerto fazer desconfiar os outros membros. Depois de se inteirarem da situação, vão achar que se trata de uma atitude completamente irresponsável e injustificada, e Angola perderá o eventual prestígio que adquiriu ao entrar para esse «colégio» (situação que não é nova, pois já aconteceu com Portugal, pela mesma razão).

O cenário é dissuasivo, mas não creio que o bom-senso venha a prevalecer, face ao adiantado estado de psicose já diagnosticado. Continua válido aquilo que disse Orlando Castro, há dois anos:

«Foi necessário os militares guineenses dizerem que não estão para ser protectorado de Angola para que, humilhada no seu sentimento de potência e dona de Portugal, Luanda puxasse dos galões e desse ordens ao reino português para papaguear uma série de asneiras»

Finalmente, ficarão isolados DSP e JES, esgotadas as máscaras e os pretextos rebuscados. Qual a razão de procurar forçar a cobertura internacional para uma relação de âmbito estritamente bilateral?

Para responder às recomendações do General Correia de Barros do Centro de Estudos Estratégicos de Angola, que disse, em tempos, quando criticou a MISSANG, que «a cooperação, em matéria tão sensível como a Defesa, nunca deverá ser efectuada numa base bilateral, mas ao abrigo de organizações internacionais como a ONU ou a UA, ou no seio de organizações sub-regionais, como a SADC ou a CEDEAO»? Uma vez que acataram uma parte das suas recomendações, deveriam lembrar outras...  tal como quando este aponta o inconveniente suplementar de Angola não pertencer à CEDEAO e Bissau estar demasiado «fora da área geográfica e organizacional» angolana (reconhecendo perante a Radio France Internacional que Angola demonstrou precipitação e nervosismo em todo o processo MISSANG - stress que, pelos vistos, continua a demonstrar!)

Declaração final MNEs - CPLP

«Encorajou as autoridades da Guiné-Bissau a concertar com a CEDEAO, e outros parceiros africanos, o mandato de uma ECOMIB reconfigurada para apoiar a implementação das reformas.

Notou, ainda, as vantagens de tal mandato vir a ser reconhecido pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas para gerar confiança internacional no processo de reformas e facilitar o seu cofinanciamento.

(...)

Sublinhou, a este respeito, que o GIC (Grupo Internacional de Contacto) deverá ter em conta a tomada de decisões, a curto prazo, pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas quanto à renovação e atualização do mandato da UNIOGBIS e reconhecimento do mandato da ECOMIB reconfigurada para apoiar as reformas do sector de defesa e segurança.»

Não se trata, obviamente, de uma ECOMIB reconfigurada, mas de uma MISSANG reciclada, que deverá coroar os esforços de Angola para chegar ao Conselho de Segurança. Julgo que há aqui um grande equívoco da diplomacia angolana pois o poder, no CS das NU, é um não-poder, consubstanciado no direito de veto. Não dá para atribuir missões ou «reconhecer» mandatos.

Mas o plano tem, entre outros, um ponto fraco capital: fica dependente da CEDEAO, para reconfigurar a sua ECOMIB. Como a CEDEAO não está mesmo nada para aí virada, a ideia da planeada invasão fica adiada, pelo menos por mais 100 dias que é quanto dura ainda o mandato da ECOMIB, tantos quantos a extensão do estado de graça solicitada por DSP. Não havendo, nessa data, concertação possível com a CEDEAO, que vão fazer? Assumir uma força «africana» auto-proposta e proclamada? Com que designação? Força de apoio à implementação de reformas? O ridículo de toda esta psicose serve apenas para desacreditar a CPLP!

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Sondagem 7ze: participe

Quem deu a Jomav o telefone de Dilma?

RESPOSTA

a) Rui Machete
b) José Eduardo dos Santos
c) a própria

Brevemente publicaremos os resultados da sondagem.

Machete chamado de urgência a Lisboa

No mais grave incidente desde a guerra fria, a OTAN acaba de emitir uma declaração sobre incidentes semelhantes, em Portugal e na Noruega, envolvendo a invasão de espaço aéreo por aviões russos, entretanto perseguidos pelas respectivas Forças Aéreas. O assunto ainda foi a tempo de sair no jornal da noite de hoje da RTP1, apresentado por José Rodrigues dos Santos. O Correio da Manhã esclarece melhor os contornos do assunto, que parece configurar uma provocação.

A convocação do Embaixador russo, com carácter de urgência, tornou-se uma Necessidade absoluta. O incidente terá de ser tratado com benevolência, entendido na sua acepção de «comunicação» geoestratégica à escala europeia e mundial. A mensagem é clara, se bem que inconsequente, na prática. Trata-se da capacidade de «bate» (traduzindo literalmente do «frappe» francês) longínqua, na periferia das coordenadas de Moscovo.

Domingos Simões Pereira anuncia projecto

Segundo a Lusa, no acto da inauguração da conferência de MNEs da CPLP, o Primeiro-Ministro pediu um apoio orçamental directo para pagar salários. Decorrendo em paralelo um encontro de empresários, não julgo lá muito edificante esta cena da pedinchice.


Pode compreender-se que o papel de DSP implique um equilíbrio por vezes difícil de conseguir, mas o exemplo que escolheu, segundo notícia da TSF, para ilustrar as reformas pretendidas para o sector militar, foi, no mínimo, pitoresco, para não dizer grotesco. Um museu etnológico para Amura? Face à gravidade da imagem de penúria do país, que apresenta, foi o único projecto que lhe ocorreu? Mesmo sabendo que isso poderia ser percebido como uma desapropriação simbólica das Forças Armadas, da histórica fortaleza e da companhia de Cabral? Estou curioso sobre se o PM já partilhou esse projecto com as FA, ou se é apenas um sinal de «boa vontade» para consumo externo, de que está «no bom caminho». Independentemente disso, julgo que teria sido mais inteligente apresentar o assunto ao contrário, começando talvez pela «construção de modernas infra-estruturas» para o QG. Esse discurso já muito repetitivo que tem por refrão as forças armadas como inimigo interno não tem futuro num cenário de propalada reconciliação.

P.S. Não se compreende, por outro lado, a «perspectiva da continuidade de uma força internacional de estabilização, após o período do presente mandato» segundo notícia não assinada do Luanda Digital (sugerindo a substituição do contingente da CEDEAO por outro da «CPLP»). Sim, como compreender que, para além do esforço financeiro a fundo perdido que já está a pedir para despesas correntes, ainda se sobrecarreguem os doadores com mais essas pesadíssimas despesas de manutenção? A expressão «reforço da "imunidade" (figura que está na moda, com o Ébola) do sistema democrático» saiu mesmo da boca do 1M guineense ou é outra vez a network a especular, como as aspas deixam supor? É que soa demais a guarda pretoriana, que, por acaso, até rima com angolana.