domingo, 22 de abril de 2012

A paciência tem limites




O Porta-Voz do Comando Militar esteve na Sexta-Feira à tarde em estúdio, em Bissau, para participar por vídeo-conferência num programa especial da RTP dedicado à Guiné. Os guineenses, antes de «emprenhar pelos ouvidos» da comunicação social portuguesa, ou de alinhar pelo diapasão do discurso irresponsável do PAIGC, deveriam ver o programa com atenção


e dar graças a Deus por surgirem sempre guineenses à altura nos momentos certos: um simples Porta-Voz do Comando tem mostrado ser bem mais consistente, sério e de confiança, carismático e melhor político que qualquer presidente «democraticamente» eleito nos últimos 20 anos.

Também em 1998, num primeiro tempo, pareceu a muita gente que a razão estaria do lado do Presidente «democraticamente» eleito. Mas a legitimidade democrática acaba onde começa o carácter inalienável da soberania nacional: todos se lembram de como o apelo a forças estrangeiras acabou por desequilibrar a balança e fazer pender unanimemente a opinião pública a favor da Junta Militar.

Se repararem na linguagem corporal de Daba Na Walna, a mensagem evidente é de que a paciência tem limites: o porta-voz foi sempre disfarçando, sob a capa de um discurso aparentemente calmo, a sua forte (e legítima) indignação e irritação quanto à situação: Portugal porta-se como um elefante numa loja de porcelanas; Angola brinca com o fogo… Mas porquê essa irritação? Imagine-se que, no jogo de xadrez, temos xeque-mate em um lance, independentemente do que jogar o adversário; seria irritante se este, enquanto ainda não se apercebeu do que o espera, continuasse a gabar-se de que é muito melhor jogador do que nós…

Caros patriotas do Comando Militar e a todos os heróis das Forças Armadas de quem a Guiné-Bissau se pode orgulhar: neste momento grave da história do país, felicito-vos pelo vosso espírito de sacrifício e pela tarefa que tomaram a peito, desejo-vos força e coragem na defesa intransigente da integridade e da soberania nacional, contra uma agressão externa cujo fito está claramente provado ser, uma vez mais e tal como em 1998, a confiscação aos guineenses dos seus recursos minerais.

Será que alguns guineenses na diáspora acreditam mesmo que a «ajuda» de Paulo Portas é desinteressada e apenas para repor a democracia? Aqueles que se deixarem confundir arriscam-se a um despertar doloroso. A Guiné tem bastante mais recursos per capita que Angola… ou será que acreditam no Pai Natal? É o futuro, não apenas como nação, mas também económico, que está em causa, depois das posições extremas, perigosa e impensadamente assumidas por Angola e depois, a reboque, por Portugal (numa hipocrisia sem limites, um desplante e um descaramento que ofende o verdadeiro sentir universalista português: primeiro iam «salvar portugueses», depois da rápida falência dessa tese; iam para salvar a democracia; depois, como quem vai por aí não vai a lado nenhum, foram para a ONU bater à portas e incomodar as pessoas, que têm assuntos mais importantes a tratar; isto para além de acusarem os guineenses de serem um «Narco-Estado»; contudo, nenhum dos argumentos que apresentam têm a ver com as suas motivações reais… Realmente irritante, não acham?)

E os portugueses, como muito bem lembrou o Porta-Voz do Comando Militar, será que sabem de quem são os petro-dólares que agora José Eduardo dos Santos parece disposto a largar com tanta facilidade, para mover estes mundos e fundos contra a Guiné? São vossos! Vêm de Cabinda, que não pertence a Angola, pois a sua Casa Real assinou em Simulambuco um Protectorado que, ao preservar o seu estatuto de autonomia como Estado (nunca teve o estatuto inferior de colónia, como Angola), torna nulo qualquer acto de cedência de soberania não previsto. Foi entregue um cavalo de raça a Portugal, que não deu dele boa conta, e pior, o sujeitou a um burro.

Em vez de intimidar civis na Guiné, Cabinda seria um objectivo militar bem mais glorioso para a esquadra portuguesa, que os delírios neo-colonialistas de Paulo Portas condenaram à inactividade nas proximidades da Guiné (podem sempre dedicar-se à pesca, o peixe é bom!). É que lá em Cabinda, ao contrário da Guiné, há um conflito (ainda há pouco tempo o Ministro da Defesa foi morto pela guerrilha no assalto a uma coluna militar governamental), podiam interpor-se primeiro, devagarinho, depois logo viam como corriam as coisas, já lá tinham um pezinho… Logo a seguir repunham a paz, dando uma valente tareia nos criminosos dos angolanos que por lá andam a violar as mulheres, e pronto, resolviam o vosso défice energético (olhem que é uma boa parte do todo). É um plano bem mais fácil de concretizar do que aquele que, por desespero de causa, ainda não fizeram para Bissau.

Quanto ao problema da desmobilização dos excedentes das Forças Armadas talvez se possa resolver com a colocação de uma Força Expedicionária de Guerrilha Guineense em Cabinda. Lá se iam 80% do rendimento do coitado do Zé Diabo! Mas, para já, há um assunto pendente mais actual: que resultado, para além de uma desgraça para o seu lado, espera obter José Eduardo dos Santos? Já fez contas à vida? Acha que os angolanos lhe perdoam? Já encomendou 200 caixões? Já preparou uns cartõezinhos debruados a preto para enviar às mães da parte da presidência? Não acha que está a ficar cada vez mais isolado?

Por fim, parabéns ao Comando Militar, na pessoa do seu Porta-Voz, pela paciência que têm demonstrado! Que prova de civilização: os fortes são serenos. Noutro lado qualquer, depois dos ultrajes sofridos, os responsáveis já estariam enterrados. Esperemos que Angola e Portugal não tomem a paciência e benevolência por prova de fraqueza, pois ela parece estar realmente a atingir o seu limite, face a atitudes tão pouco propositadas e sem dignidade. Será que, depois de acabarem aí com o serviço, não podiam dar uma ajudinha para varrer também Portugal do lixo de políticos que, desde há mais de três décadas, lhe tem sugado a seiva? Voto nessa.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

A verdade sobre a Guiné-Bissau


O que está realmente em jogo, perguntam-se os portugueses, face ao discurso arrogante e belicista de Paulo Portas? Estranham todas estas movimentações diplomáticas em torno da Guiné, de Angola, a CPLP, a ONU, a OUA, a CEDEAO… Porquê este esforço todo para «repor a democracia»? Será mesmo isso que está em jogo? Não. De certeza que também não é para salvar os portugueses que nunca foram incomodados. Mas então o discurso de Paulo Portas será pura hipocrisia? Que irresponsabilidade! De facto, ofereceu-se para ir «salvar» 200 angolanos das «garras» dos guineenses. e agora está aflito e manietado, exposto ao público opróbrio e terá de engolir a seco as secas palavras que endereçou aos guineenses.

Na realidade houve apenas uma movimentação militar sem qualquer efusão de sangue (nem sequer novidade, apenas um remake de um facto inteiramente decalcado, há dois anos atrás), a ordem e segurança públicas estão agora asseguradas, bem como uma transição política e pacífica.

Gostaria apenas de lembrar que as autoridades de facto na Guiné já fizeram claramente constar que não aceitam a presença, neste contexto, de qualquer força estrangeira em território nacional, advertindo que qualquer intrusão terá resposta militar. Qualquer agressão inconsiderada sentida em território guineense, decerto agravará substancial, senão mesmo irremediavelmente, a já de si pouco famosa situação do contingente expedicionário angolano in loco.

Um eventual desembarque, a tentativa de criação de uma testa de ponte, para além dos riscos implícitos e dos imponderáveis maiores que se lhe adivinham, transformaria o contingente no terreno num perigo militar à retaguarda, que se tornaria absolutamente necessário eliminar, dando origem ao seu rápido desarmamento compulsivo, que esperemos, se tiver mesmo de vir a acontecer, possa vir a ser realizado sem derramamento de sangue.

Claro que não há arroz que chegue no Hospital, nem condições de garantir essa logística para tanta gente, obrigando a que a sua alimentação tenha de ficar a cargo de Angola, pelo que, por considerações humanitárias, decerto se toleraria a criação de uma ponte aérea para esse fim, se forem solicitadas as devidas autorizações às entidades competentes, evitando assim uma tragédia humana de maiores proporções.

Talvez esteja na hora de o Ministro português adequar as suas expectativas neste caso, à sua capacidade militar (e poder para a empenhar), num cenário confuso e sem nada em jogo (pela positiva) para o seu país. Ou então assuma, ponha-se à frente dos marinheiros, leve-os atrás e vá conquistar África de volta; se a nação já não estava muito convencida quanto à oportunidade de Alcácer Quibir, duvido que o siga nessa duvidosa aventura, tal como o exército, aliás, a quem agora pede (a troco de um reles ordenado e de falta de respeito) para serem mártires de uma causa alheia (e perdida). Esperemos que prevaleça o bom senso e que a cegueira e autismo de que tem vindo a dar provas não empurrem Portugal para um impensável desastre.

E mais: aconselha-se-lhe a leitura dos velhinhos manuais de estratégia. Admitindo, pelo absurdo, que os guineenses eram apenas meia dúzia de oficiais sem controlo efectivo sobre a tropa, sem meios militares eficazes, estaria a fazer um primeiro erro de subestimar o adversário: mesmo que o adversário seja uma pulga, deve ser sempre considerado como um elefante; mas pior, estaria a fazer uma coisa altamente desaconselhada: nunca se encosta ninguém à parede, senão desperta-se-lhe a propensão para lutar até à morte… Já Sun Tzu recomendava prudentemente que nunca se fechasse completamente um cerco; há que deixar sem vigilância um carreirinho por onde, pela calada da noite, os sitiados se possam escapar sem glória.

Manobras de manipulação

Anda a circular em Portugal uma «convocatória» assinada pelos «cidadãos guineenses residentes em Portugal» convocando uma MARCHA INTERNACIONAL PELO RESPEITO AO POVO GUINEENSE, convidando ainda todos os «amigos» lusófonos. Esperemos que seja desmascarada esta manobra de manipulação visando apenas dar uma ideia de «unanimidade» (depois da triste votação na Assembleia da República Portuguesa, das declarações infelizes de Mário Soares em nome da CPLP,  das declarações de Paulo Portas na ONU, «condenando» - por unanimidade, claro está - a Guiné ao «isolamento», UA, CEDEAO, etc). É abusivamente que os promotores assinam genericamente «cidadãos guineenses residentes em Portugal»... São sim, provocadores, estranhamente associados a uma ONG portuguesa financiada por fundos comunitários... Muito estranho, senão mesmo suspeito. Agora querem transformar os guineenses que vivem tranquilamente em Portugal em marionetas? Respeito pelo povo guineense seria, sim, realizar uma MARCHA PELO DIREITO À NÃO INGERÊNCIA DO POVO GUINEENSE. Caros portugueses e verdadeiros amigos da Guiné: impõe-se desmistificar estas provocações e não colaborar ou participar, deixando-se abusar na sua ingenuidade e boa vontade, na hipocrisia em curso que só pode prejudicar a Guiné, mas antes denunciá-las e combatê-las, de forma a que nenhum guineense participe nesta farsa, a soldo de obscuros interesses e da cegueira e estupidez da actual classe política portuguesa, que pelos vistos quer arranjar uma guerra para tapar os olhos aos seus concidadãos, em relação à desastrosa situação do país.

PAIGC muda de nome


Paulo Portas anda pelo mundo a implorar que o deixem meter o bedelho na Guiné. A política internacional faz-se de realismo, de pragmatismo, e não de ameaças que não podem ser cumpridas. Parece-me legítimo e actual manifestar curiosidade quanto à forma como pensa «conquistar» a Guiné-Bissau (já agora, também, como pensa mantê-la…). Está-se a ver o cenário idílico que vai na sua bucólica mente: os barcos portugueses desembarcam os angolanos, estes matam toda a gente que encontrarem pelo caminho, fazem a junção com a MISSANG, instalam-se em Bissau e vivem todos felizes para sempre.

A independência da Guiné-Bissau custou muito suor e lágrimas, se os angolanos são hoje independentes, devem-no essencialmente à luta do povo da Guiné-Bissau contra o colonizador. Ninguém vai deitar fora essa independência apenas porque, um dia, Paulo Portas o novo campeão da democracia no mundo, acordou mal disposto.

José Eduardo dos Santos continua a fazer charme, desta vez convidou Durão Barroso para o Planalto. Na Guiné, o único Planalto são as colinas de Boé, onde nasceu a única Independência uni-lateral africana, exactamente sete meses antes do 25 de Abril. E os angolanos vão dar-se boé da mal, se insistirem na desaforada afronta: estão dispostos a sacrificar a MISSANG? E o exército português estará mesmo disposto a cumprir ordens imbecis? Lamentável…

É que, da parte do Comando Militar, para além da humildade, dignidade e bom senso que tem caracterizado a sua actuação, não duvidem da sua determinação e capacidade para impedir a «internacionalização» da Guiné-Bissau: hoje poderia ser muito bonito, mas amanhã? Quem deseja ver o seu (pequeno) país invadido por uma mole dessas? Aliás, conforme já esclareceu o Comando Militar, através do seu porta-voz, foi precisamente esse o único objectivo do «Golpe»; estas movimentações vêm apenas confirmar a posteriori a veracidade das apreensões que o motivaram, ou seja que o ex-Primeiro-Ministro, depois das várias intrigas que promoveu, dos vários complots que dirigiu e assassinatos que comanditou, estava a orquestrar uma invasão estrangeira do seu próprio país contra a sua hierarquia castrense.

O PAIGC, pelos vistos, vai ter de mudar de nome, por contracção das siglas para PAGA (Partido Africano da Guiné e Angola). Tirem Independência do nome do Partido e depois então façam declarações irresponsáveis, pois ofenderam a memória independentista da Amílcar Cabral, quando, num claro gesto de desafio interno, ousaram apelar à invasão e agressão externas: é a dissolução de uma grandiosa ideia; no entanto, antes a dissolução do Partido, que a do País. O novo Presidente e ex-militante decerto poderá ajudar a esclarecer todas estas questões, calmamente, claro, no quadro de um retorno à normalidade civil e no contexto de inequívoca liberdade de imprensa, com a reabertura das rádios (gostaria de acrescentar: «e com a devolução ao Aly do material apreendido»).

Paulo Portas, perdeu todo o contacto com a realidade e encontra-se em plena espiral esquizofrénica: ameaça, tentando engrossar a voz de menina, a torto e a direito, tudo e todos; julga que as palmadinhas nas costas que pelo mundo fora lhe têm dado, «incentivando-o» a avançar, são outra coisa para além de hipocrisia… Dom Filipe II de Espanha fartou-se de dar dessas palmadinhas ao seu sobrinho D. Sebastião: «Queres levar a guerra para África? Vai, vai…». Ninguém, pura e simplesmente, o leva a sério (mas também ninguém lhe vai dizer isso). O facto indisfarçável é que não tem meios: os guineenses se for preciso, aguentam mais de um ano a comer apenas um pouco de arroz, mancarra e banana; já Portugal não tem orçamento que suporte um simples «bloqueio» do Porto de Bissau por mais de um mês.

Engraçado é o resultado de uma hipotética comparação da Guiné com Angola: se o que actualmente se passa na Guiné se passasse em Angola, já os portugueses que lá moram estavam todos em campos de concentração… Isto apenas para que se dê mais valor à presença lusa na Guiné e não seja um Ministro claramente doente que a desprestigie gratuitamente, pois tem pelo menos cinquenta anos a mais que a amizade com todos os outros PALOP, já dura desde Afonso o Africano, em meados do século XV! Os guineenses não são tão susceptíveis quanto os angolanos, mostrando que ultrapassaram (melhor, que nunca foram sujeitos) melhor os traumas do colonialismo; mas não lhes pisem os calos!

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Novo Xerife ou erro crasso?

Se bem que a coberto de boas intenções, a promoção de um dissidente do PAIGC (mesmo tendo-se individualizado e desmarcado a tempo) marca, pela negativa, a ausência do próprio Partido maioritário na nova agenda política, como se se quisesse colmatá-la, revelando-se um gesto mais de fraqueza que de afirmação.

Os mentores falharam decerto a melhor opção: no entanto, a cama estava preparada; todo o discurso do candidato que entregou a candidatura no último dia, assumindo-se como continuador da obra de Malan Bacai Sanhá contra Cadogo, deixava presumir que trazia uma carta na manga. Esta agenda parece-me evidente e maquiavélica demais.

Talvez, na sua génese, o plano tivesse a sua plausibilidade. No entanto, desde que foi pensado, a situação evoluiu muito. Temo dizê-lo, mas, na minha opinião, o Comando Militar, na sua responsabilidade colectiva, se estivesse preocupado com a integridade territorial, com todas as possibilidades agressivas que se perfilam no horizonte, ressuscitava Ansumane Mané, rememorava a gloriosa Junta Militar que reafirmou a identidade guineense, a qual, se etnicamente não existe, política e continentalmente, para além de ser uma paideia, constitui, como se viu no momento, um factor de ponta na mentalidade do sub-continente, qual David desafiando Golias...

Para quê esta submissão? Por quenão uma afirmação pura e dura?

Reviravolta na CEDEAO

Reviravolta e (apenas) a primeira humilhação para Paulo Portas. A CEDEAO deverá reconhecer dentro de poucas horas o novo Estado guineense: na sequência da delegação de alto nível enviada, impressionados com a dignidade da recepção a que tiveram direito em Bissau, com a disciplina, a unidade, o rigor e o aprumo do Comando Militar, os nigerianos, que também aspiram ao estatuto de potência regional, e não estavam nada a ver com bons olhos o expansionismo angolano para norte do ecuador, e muito menos agora forças europeias a voltarem para África sabe-se lá com que intenções, decidiram: qual democracia, qual carapuça: estes homens estão decididos a salvar a sua independência!

Na mesma altura, Paulo Portas tenta mover mundos e fundos para a sua guerrinha de algibeira, que não passará disso mesmo, um arrufo inconsequente. Não acha que está a esticar a corda? Senhor Primeiro-Ministro de Portugal, está na hora de demitir este autista e irresponsável antes que faça mais asneiras. O discurso está a perder todo o contacto com a realidade: primeiro queria uma força de interposição onde não havia ninguém à briga (claro que é lamentável a morte do cão do ex-primeiro ministro, ninguém diz o contrário); agora quer uma força de reposição da paz (???) para onde não há outra guerra senão aquela que para lá pretende levar... Já os militares portugueses, julgo que têm uma autonomia profissional que lhes permitirá dizer um «Não» terminante aos seus (ir)responsáveis políticos.

Talvez agora percebam as declarações de Passos Coelho no Montijo, que tão mal caíram, por serem tomadas num sentido abstracto e genérico: não, o senhor Primeiro-Ministro não estava a falar em termos genéricos e filosóficos, mas em termos muito actuais, de venderem as carcaças a troco de dá cá aquela palha: a constituição não obriga a uma autorização para declarar guerra a outro país? Recusem-se a alinhar nesta estupidez, sem honra nem glória, que só pode envergonhar os quase novecentos anos de história militar do exército; caso contrário, se de lá voltar algum, vai direitinho para o manicómio; perguntem aos mais velhos...

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Fuga para a frente



Despudoradamente, embora já tenha percebido que errou, Paulo Portas optou pela fuga para a frente. Ao contrário do Rei de Espanha, que é quem é, e depois de errar, não teve dúvidas em pedir desculpa, insiste em levantar a voz: não está, senhor Ministro, em posição de levantar a voz em direcção aos guineenses. Irrite-se consigo próprio pelo beco sem saída em que caiu. A enumerar condições quem apenas deveria ouvir? Está em coordenação com o seu mentor e padrinho do hemisfério Sul? Julgo que neste momento, o discurso não é adequado: como é que ele encomendou as postas? Fininhas? São para assar ou para fritar? Quanto aos tugas, não é preciso descarregarem mais carne branca para aqueles lados, a que já está no frigorífico em Bissau chega para muito tempo, se calhar até vai dar para enjoar meio mundo. Portanto vamos lá a ver se traçam bem os cenários, se se informam do que é que estão a fazer. Não se espicaça o leão com a vara curta.

Mas num ponto, senhor Ministro, bateu os guineenses aos pontos, temos de confessar; é quando se refere ao «legítimo» Ministro dos Negócios Estrangeiros: ahahahahah... Agora a legitimidade guineense é decidida no seu gabinete. Mais uma ofensa imponderada aos guineenses: tem lido as declarações da sociedade civil? Está a começar a tornar-se odioso. Já morreram 5 crianças por causa de si...

Finalmente foi publicada a principal peça da acusação, obrigado Aly!: O ex-PM assume o documento? a assinatura e a rubrica correspondem? Galinha ta guarda si frangas bas di si asa. Estamos perante um apelo indecente e indecoroso, sem dignidade, formal onde deveria ser sentimental, que apenas reflecte o desespero de alguém agarrado ao poder, a todo o preço (talvez tivesse vendido a pele do urso antes de o ter morto...). Nenhum líder se pode apoiar em forças estrangeiras: e na Guiné havia um exemplo recente, Nino aprendeu-o à própria custa; escrever uma carta destas, demonstra apenas autismo e estupidez. Devido às drásticas consequências que daí advieram, convenhamos que merecia ser executado graças a uma condenação sumária num tribunal militar de excepção, por alta traição, agravada pelo cargo que ocupava; mas felizmente na Guiné, não mais se quer dar o exemplo da guerra, mas sim o da tolerância. É engraçado que aquilo a que chamam «Golpe de Estado» se resuma à prisão do Primeiro-Ministro, feito sem outro sangue para além do canino que não se calava.

Reportagens & Mensagens

Francisco Fadul, a residir actualmente em Portugal, acaba de dar uma entrevista ao Expresso felicitando o Comando Militar pela forma decidida como resolveu a perigosa situação que se vivia em Bissau antes da sua actuação, poupando aos guineenses outras confusões mais graves.

O «Expresso de Bissau» está sem meios de reportagem e lançou um S.O.S. Realmente, fazem falta as imagens a que o Aly nos vinha habituando. Julgo que a entrega de todo o material ao jornalista, um pedido de desculpa pelo excesso de violência empregue, seria decerto considerado um gesto de boa vontade, contribuindo para reforçar a sua imparcialidade e o corajoso e bom trabalho que tem vindo a desenvolver.

José Eduardo dos Santos continua a enviar cartas secretas por Ministros... segundo a própria Angop: desta vez ao seu homólogo do Benin, Thomas Yayi Boni, que preside actualmente à União Africana, sobre a situação na Guiné-Bissau. Engraçado que, mais ao menos à mesma altura, o porta-voz do Comando Militar, acusava-o de ter usado esse procedimento pouco adequado na Guiné-Bissau...

Quanto ao triste e senil Mário Soares, por favor não faça mais figuras tristes nem propaganda em torno deste assunto pois não prestigia de maneira nenhuma o país: a CPLP não aprovou nada por «unanimidade» pelo simples facto de que a Guiné não tem presentemente representante legítimo e a organização ainda não expulsou ou suspendeu a Guiné.

Exemplo de humildade para Paulo Portas


O Rei de Espanha, muito contestado internamente por, em tempos de crise, ter efectuado uma caçada ao elefante no Botswana, onde acabou por fracturar a bacia, fez questão, num gesto inédito e sem precedentes na monarquia espanhola, de pedir desculpa ao povo em termos muito lacónicos. «Sinto muito. Equivoquei-me. Peço desculpa ao povo espanhol. Não voltará a acontecer.» Não lhe caíram os parentes na lama: pelo contrário, recuperou mesmo uma legitimidade abalada.

Caro Ministro Paulo Portas, é em nome do respeito que lhe tinha antes de se tornar um mau político, quando era um bom jornalista no Independente, que lhe peço encarecidamente que caia em si, que se deixe penetrar pelo bom senso, que retire a força que infeliz mas reconhecidamente desperdiçou, que vá até Bissau pedir desculpa aos guineenses por os ter alarmado com sugestões de que os portugueses iriam «atacar» a Guiné-Bissau, conduzindo ao êxodo, muitas vezes em condições infra-humanas, para o interior. Já agora, peça também desculpa ao exército português pela sua incompetência política e inépcia diplomática. Se a consciência ainda em si tiver parte, retire as devidas ilacções e demita-se, como a decência recomenda, tal como, aliás, recomendou em tempos a outros por bem menos que esta palha: apresente-se no altar da pátria para ser degolado como borrego expiatório, sacrificando-se pessoalmente para poupar ao país as consequências desagradáveis do seu impensado e infeliz gesto.

Moral da história: mais vale usar de humildade que vir depois a ser humilhado.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Humildade, precisa-se

O Presidente de Angola já deve ter percebido: os tugas roeram a corda no que toca a darem o corpinho ao manifesto por um assunto que não é deles... ora outra coisa não seria de esperar, pois, senhor Presidente, as suas expectativas eram demasiado elevadas, fez o erro de sobreavaliar a disponibilidade de Portugal, aferindo-a apenas com base nas palavras do Ministro Paulo Portas (uma coisa boa, pelo menos por uma vez, agora que precisavam, deram crédito aos portugueses - exagerado, pelos vistos - mas perdoe ao senhor Ministro, senhor Presidente, pois em criança tinha um fetiche por soldadinhos de chumbo, mesmo se mais tarde se baldou ao SMO; é o ambiente de QG que o excita) e o bluff fez pufff logo à saída do Alfeite; foi tudo um pouco mal feito e conduzido, pelo lado político e diplomático, delapidando um capital de confiança, o qual, explorado com as devidas reservas e distâncias, poderia ter ajudado a resolver a crise no seio da CPLP, em vez de a agravar. Em Conakry também adiaram a consolidação da forte e recente amizade que Angola benevolentemente descobrira pelos nossos homopatrínimos do Sul. Quanto à democracia, vejam lá se não se enganaram na Guiné que escolheram, pois há três e esta é a mais afastada: se a ideia é invadir o continente, talvez possam começar pela que está aí mesmo ao vosso lado... É que Bissau é pequeno, não chega para a cova de um dente e os guineenses são duros de roer. A isso chama-se ter mais olhos que barriga. Encontra-se assim outra vez na estaca Zero, sem ninguém para lhe acudir em tempo útil.

Egas Moniz foi tutor de Afonso Henriques (há quem defenda mesmo que era o seu próprio pai), e ficou conhecido na história de Portugal pela célebre «humilhação» a que se sujeitou a si, à mulher e aos filhos, ao entregar-se com uma corda ao pescoço para compensar o Rei de Leão, a quem o infante de quem era aio prometera uma vassalagem que não era oportuno concretizar: como ficara fiador da promessa, sujeitava-se ao inimigo, pagando com a sua vida e dos seus. Na corte de Leão, passada a primeira surpresa com o gesto, conhecendo a irascibilidade do Rei, todos esperavam um desfecho rápido e violento para esse desplante do português; mas o Rei, graças a Deus, acalma, tem um lampejo de magnanimidade e perdoa-lhe, trata de gasalhá-lo e manda-o de volta para o seu Rei com grandes elogios, e, virando-se para os seus súbditos, suspira: «_Tivesse eu meia-dúzia destes.»

José Eduardo dos Santos deveria mandar aprontar o seu jacto pessoal, pedir autorização para aterrar em Bissalanca, sugerir uma entrevista à TV guineense, assumir a responsabilidade pelo deslize da sua política externa, pedir desculpas a todos os guineenses por aquela que acabou por configurar ou, pelo menos, parecer (à mulher de César, não basta ser séria, tem de o parecer), uma ingerência externa nos assuntos internos da Guiné-Bissau; para não deixar contas por saldar, clarifique e quantifique os interesses angolanos na Guiné-Bissau, predisponha-se a ver anulados todos os contratos que eventualmente tenha assinado, que não sejam transparentes para todos os guineenses (pois estes querem legitimamente saber - e controlar - para onde vão parar os frutos da sua terra, não querem uma cópia deslavada - quanto mais imposta à força - do modelo angolano: torna-se realmente difícil discernir quais as suas vantagens).

Já agora, não fique ressabiado e mantenha a sua disponibilidade para colaborar com o povo guineense na base de um entendimento de igual para igual, de forma bem clara e transparente quanto aos objectivos, e sempre em prol da Paz e de um Desenvolvimento sustentável para o Continente. Um mea culpa sentido (sem exageros de retórica) não o desprestigia, senhor Presidente, antes pelo contrário, mesmo em termos internos, mostraria o seu lado humano de grande estadista. Ninguém vai notar grande coisa (no mundo ninguém está a perceber nada, de qualquer forma, desta situação), a coisa resolve-se sem ninguém se magoar e fica tudo amigo outra vez. Não custa nada: sai-lhe imensamente mais barato que qualquer outra opção. Rezo sinceramente para que o pragmatismo que sempre o orientou, o possa agora iluminar e guiar neste passo complicado da sua carreira. Vai lá, leva consigo as tartarugas de volta para casa e para as mães, e esta história tem um final feliz.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Kakre na Guiné - Cancer en Guinée

Fechou-se a tenaz. O território está selado. A ameaça paira. Será que agora José Eduardo dos Santos já se apercebeu do que o espera? A sua oposição, sim. Já exigiram a comparência no Parlamento, do Ministro que teve o triste comportamento em Bissau. Cheira-lhes a sangue. Bem sei que não é o de JES, como desejariam (ou da sua família: porque não manda para estas coisas os sobrinhos e afilhados? ...pensam os angolanos), mas a humilhação internacional parece motivo suficiente para rufarem os tambores, depois da cagança que a nomenclatura quis ostentar... Entradas de leão, saídas de palanca. Claro que o referido Ministro, bem como o Embaixador, acabarão por pagar com o cargo: desde já uma nota de desagravo; de simples vítimas da situação passarão rapidamente a bodes expiatórios.

A libertação do cidadão guineense (retirado do seu domicílio na Quinta-Feira e retido pelo Comando Militar) tão insistentemente solicitada pela comunidade internacional parece estar por um fio: condicionada apenas, claro, a uma pequena formalidade: a sua demissão; de um cargo que desonrou e de outro para o qual já não tem qualquer legitimidade, traduzindo nesse acto o saneamento tranquilo de uma situação na qual tem grandes e iniludíveis responsabilidades. Julgo que, nesse caso, em vez de lhe designar residência compulsiva ou de o proibir de deixar o país (também, como?), a sua experiência deveria ser reconhecida e ser convidado para Ministro (parece que não vai haver disso no novo regime, apenas Comissários) da Educação ou da Saúde; seria uma outra forma de dar um sinal ao exterior de coesão interna; e Cadogo deveria pensar seriamente na proposta, neste momento a Guiné precisa de todos os seus filhos.

Já a actuação de Portugal não está ainda completamente comprometida. A colagem a Angola parece ter sido desmentida pelas declarações extemporâneas do Primeiro-Ministro, à hora do almoço, garantindo que não está implícita nenhuma ameaça, no envio da Força (então para que a enviou?). Acordou agora, caro Primeiro? Também o Almirante Melo Gomes, com o saber de experiência feito (estava no porto de Bissau em 1998) insistiu em frisar que está fora de questão qualquer intervenção activa. Senão iria parecer que na tropa, contentes com a oportunidade para demonstrar a sua «utilidade» e contrariar o downgrade de 40% no respectivo orçamento, se tinham apressado a dizer que sim, sem saberem muito bem a quê... Os camiões que se viam passar numas imagens da televisão portuguesa, com peças de 85mm atreladas, não andavam a passear-se para serem filmados à sucapa de um segundo andar... Não queiram experimentar a pontaria dos guineenses pois os últimos que o fizeram, os senegaleses, deram-se mal.

Depois da inoportuna diabolização de um avião de transporte, eminentemente «civil», como o Orion, transformado pela propaganda desadequada de Paulo Portas num terrível avião-espião, não se confundam relativamente a uma suposta «abertura» do espaço aéreo: isso refere-se apenas à normalidade que se pretende conservar em Bissau, no sentido também de não prejudicar a TAP, que é uma companhia comercial (e tem nessa carreira uma linha bastante lucrativa); dificilmente essa «abertura» pode ser entendida como beneplácito para voos não autorizados por quem de direito. Portanto, parece um risco inconsequente tentar fotografar as posições da artilharia guineense, pois primeiro, felizmente, ainda há muita gasolina em Bissau (ainda ontem abriu um novo posto de combustível) e podem sempre ir mudando de localização, e além disso os guineenses não acreditam em OVNIs, ou seja, se insistirem em tão insensata «missão», estejam alerta, com os flairs na mão, não vão os guineenses ao Museu da Guerra Colonial e descubram algum Strella não muito podre; ah, e se virem um MIG, não se assustem (muito), porque em princípio, segundo informações com mais de dez anos, os guineenses não têm nada para o armar (a não ser que as providências junto da Ucrânia por parte do Chefe de Estado Maior da Força Aérea, à época da Junta Militar de Ansumane Mané, no sentido de colmatar essas carências, se tenham revelado frutíferas). Por via das dúvidas, recomenda-se aos tripulantes que se untem bem com repelente, pois o ambiente é um pouco hostil: a terra está cheia de canibais, os rios de crocodilos e o mar de tubarões. Consulte-se também, já agora, o breve apanhado de armas e munições que os russos deixaram, publicado ontem na internet,

http://movv.org/2012/04/16/estado-das-forcas-armadas-da-guine-bissau-exercito-marinha-e-forca-aerea/

Uma coisa são as missões de Paz a que o exército português já se habituou, isto não é bem a mesma coisa...

Agora não há mais nada a fazer senão desenganar o recém constituído galifão da política internacional acoitado nas necessidades... Não faz qualquer sentido o pretexto apresentado de «salvar os portugueses» (o repórter da RTP bem tenta fazer-lhe a vontade, incentivando as pessoas a irem ao Consulado, mas não viu nenhuma por lá, só estava mesmo ele... aliás, a reportagem efectuada a esse propósito foi esclarecedora: ninguém quer ser «salvo») porque não vai à televisão e explica aos portugueses o que está realmente em jogo? É tabu? Há na Guiné um ditado que diz: Ku mati garafa na jugu di pedra, s'i ka kebra ki misti? Também é válido, claro, para Angola; traduzindo a moral da história: não te metas nas contendas alheias, pois mesmo sem motivo, podes magoar-te. Sr. Ministro: se Angola tinha um problema grave nas mãos, não valia a pena ir-se lá inscrever para o castigo, arrastar todo o país com o seu masoquismo. País que anda a mendigar pelas instâncias internacionais não abre assim o erário público a despesas militaristas, aventureiras... e inúteis (esperemos que o bom senso dos militares prevaleça e não se tornem desastrosas).

Na boca ficadu i ka ta entra mosca. O Ministro dos Negócios Estrangeiros português não apenas caiu numa «armadilha» ao «unir» os seus esforços a Angola «na procura de uma solução»; como falou demais quando a situação aconselhava contenção, discrição e, sobretudo, distanciamento de Angola. Agora é tarde e já está «agarrado à carroça» ou «pregado na cruz»: tem uma Força de Inacção, Lenta e inutilizável, que vai ficar a coçar a micose em Cabo Verde. Um navio mercante, desarmado, mas com gente decidida, teria um valor muito maior, neste contexto: que o diga o senhor Almirante. Talvez valha a pena pensar em carregar um cargueiro com comida não perecível e água engarrafada: para além de eventualmente poder servir para aliviar minimamente uma sempre possível crise alimentar, sempre me parece um pretexto melhor (e infinitamente mais barato, acrescente-se) para ter ali à mão, com a vantagem de ser considerado um gesto de boa vontade, impedindo a espiral gratuita de promessas violentas a que se tem assistido; nem é preciso ir roubar a comida aos pobres, ou ao Banco Alimentar, apresente a conta ao seu amigo angolano, que o meteu nesta embrulhada. Quem não pode ser leão, não lhe veste a pele.

Dizem que o caranguejo anda para trás... mas é impressão. Do cardápio comunista constam algumas bocas interessantes, no campo da estratégia: uma delas é decerto que, às vezes, «é preciso saber dar um passo atrás, para poder dar dois à frente». Kakre, caranguejo são signos do Zodíaco, cancer, mas é a designação guineense que mais se aproxima de cancro. A Guiné já foi uma vez um verdadeiro cancro para o exército (e para o regime) português. É que os guineenses podem ser pobres, mas são tenazes.

Não Vaz por aí, Fernando


As reuniões dos partidos (com e sem assento) na Assembleia da República, à margem da ilegalidade constitucional que representam, revelam, neste contexto, uma grande maturidade política. No entanto, o seu Porta-Estandarte, esquivou-se a revelar a sua abrangência e representatividade, pois falou-se de partidos a abandonarem os trabalhos: isso também não é o mais importante, mas sim uma presença política não militar nesta situação. As intenções apresentadas parecem claras: assumir a demissão do governo, presidente da república, bem como a dissolução do Parlamento; ou seja, acabar com o Estado (a que as coisas tinham chegado), o que é louvável e o momento o indicado; já o segundo ponto da ordem de trabalhos para hoje, a transição (e para onde, um retorno ao passado «democrático» que já foi espezinhado?), parece mais desadequada: é impossível, neste momento, chamar juristas e alimentar discussões estéreis em torno da delineação de uma «Carta» proto-constitucionalista...

Passemos às coisas importantes: a figura proposta de um Conselho Nacional de Transição, a quem competiria apenas nomear um Presidente e um Primeiro-Ministro para um certo período (não muito curto, sejamos pragmáticos). Não parece convincente meter mais fantoches nas mãos dos militares, seria como virar o disco, e continuar a tocar o mesmo... Neste momento, grave, face às ameaças que pairam sobre a Guiné, é preciso dar provas ao mundo de uma consistência sem falhas. Nem é preciso multiplicar as figuras: para quê querer fingir a velha ordem, com todos os prejuízos já sofridos? Para quê Presidente e Primeiro-Ministro? Já agora também um Presidente da ANP... A figura legal a escolher deveria antes reflectir a necessidade de encontrar consensos na sociedade multi-étnica, dar voz à expressão das várias preocupações e sensibilidades. Para conjugar com sucesso o poder político-militar, como se pretende, basta uma única figura, que não seja Presidente nem Primeiro, centralizando as decisões, pois não precisa de ser nada disso, devido ao Estado (de excepção): consagre-se a situação de facto e chame-se-lhe «Chefe de Estado» (MFA). Já o CNT poderia ser um orgão de discussão a reunir na ANP, alargando a escolha dos conselheiros a figuras eminentes da sociedade civil e aos mais velhos, cuja função seria escolher o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas, e ajudá-lo na governação. Não faz, Vaz, qualquer sentido, neste momento, julgar que se pode continuar a insistir na «palhaçada» de civis manobrados por militares. Há que inventar algo de novo; em tempo de «guerra», só um militar faz sentido ser escolhido para assumir o poder. Seja mais original e antecipe-se!

domingo, 15 de abril de 2012

As melhores condições para uma retirada condigna

Está toda a gente empenhada em evitar atrocidades. Mas não se pode escamotear o facto de que a «anarquia» político-militar na Guiné-Bissau venceu o primeiro round, adquirindo por esse meio, uma vantagem táctica dificilmente desprezível, facto que inflaccionou claramente os preços (ou pesos) na balança, muito por culpa, diga-se, em abono da verdade, da displicência do aparelho de José Eduardo dos Santos, mesmo se o próprio, coitado, entretido com os seus sonhos de grandeza comprados nos grandes armazéns de Paris, não se apercebeu logo da real dimensão da questão.

Em prol da justiça, temos de fazer um pequeno intervalo: mete pena o pobre Zé Diabo estar a dar assim um tiro no pé, para quem se queria afirmar em África, foi escolher o espelho errado a quem perguntar… Mas há primeiro que fazer o seu elogio: os angolanos podem agradecer a sua grande obra (se bem que um pouco estalinista – tal como a obra do mestre – consistente) de consolidação e unificação nacional. A centralização (democrática, claro) permitiu afirmar Angola como uma potência regional. Isto, mesmo se a riqueza obtida com a venda dos recursos nacionais tem vindo a ser distribuída de uma forma demasiado vertical, não se reflectindo numa melhoria substancial do nível de vida das populações, por exemplo através da construção de infra-estruturas de ensino, de saúde, etc, mas apenas na de uma pequena franja de beneficiados, regra geral actuando de forma prepotente e desadequada ao mercado, ou seja prejudicando as condições para um desempenho eficiente da economia. A sociedade angolana é actualmente presa de grandes contradições, vítima de um modelo mental reactivo, numa ilusão de comprar pelo dinheiro uma indemnização moral do colonialismo, através de uma relação essencialmente perversa com os re-retornados tugas.

Foi sem cuidado, sem grandes preocupações com o futuro, sem grande aparato, quase macaqueando a normalidade, que soldados angolanos chegaram a fazer a guarda da residência do Primeiro-Ministro da Guiné-Bissau. Descubra-se aqui o criminoso: o PM guineense, porque se sentia desprotegido e já estava a ver (aliás, já tinha visto, há um ano…) o que lhe ia acontecer (não deixa de ser um traidor e um provocador, não cabe na cabeça de ninguém ofender assim as suas próprias Forças Armadas - independentemente de quem, legítima ou ilegitimamente, ocupava a chefia no momento); ou a culpa vai direitinha para os irresponsáveis mentores angolanos? que displicentemente ousaram desafiar assim as únicas Forças Armadas que derrotaram o Exército português (sim, decerto não foram eles que o fizeram). A independência da Guiné aconteceu mais de dois anos antes da Angolana!

Pois. Que militar aceitaria de bom grado ver pisar o seu chão por botas estrangeiras, transportando armas não declaradas, arrogando-se a desprezar, do alto da sua inconsciência e incúria perante tão imprudente feito, um chefe da tropa da praça? Os factos são infelizmente sem apelo. Foram, primeiro o Embaixador, depois o Ministro, que se excederam? São apenas «a voz do dono» e o reflexo de uma mentalidade infelizmente prevalecente de arrogância e prepotência. É lamentável. José Eduardo dos Santos perdeu sistematicamente os timings neste processo, por uma insana teimosia e decrépita vaidade: quando se apercebeu de tudo o que tinha a perder e tentou remediar as coisas, já o CEMFAGB tinha sido obrigado a reagir e estava fora de questão um retrocesso…

Sempre de boa fé, como sempre, os guineenses, foi-lhes preciso tempo para se aperceberem das sub-reptícias intenções das autoridades angolanas, consubstanciadas num discurso pseudo-pan-africano, mas sobretudo acautelando obscuros contratos de mineração. Mas, na Guiné, mandam os que lá estão. Em Portugal, isso é traduzido por um ditado popular precedido por «Para cá do Marão…» Para já, parece que todos os elementos da ex-MISSANG adquiriram, por via diplomática, o estatuto de persona non grata permanecendo ilegalmente na Guiné-Bissau, o que não é tão amistoso como o costumam ser os guineenses. JES deve preparar-se para engolir um sapo: tanto quanto já foi dado a perceber, o efectivo a deslocar para o local de evacuação, a acertar, deverá ser escoltado pelas FAGB, obviamente desarmado (e, para não acirrar ainda mais os ânimos, seria de bom tom que evitasse ostentar quaisquer símbolos, divisas ou bandeiras distinguindo a sua origem).

Quanto às ameaças proferidas por Angola, infelizmente, referem-se a instâncias pouco actuais e são dirigidas contra anónimos: vão cair directamente em saco roto. Com o CEMFA anunciada e oportunamente preso, os nomes que se vão destilando são completamente desconhecidos e inimputáveis… O problema não está nas pessoas, está nas atitudes! Neste caso, quem tem mais a perder, não são decerto os guineenses, que não têm nada! Pois se nem sequer têm, convenientemente, pelo menos para já, nomes para assumir o suposto «golpe». Deve ser o primeiro golpe de Estado anónimo da História! Mas nem sequer isso é: parece tratar-se apenas de uma simples clarificação de soberania contra uma agressão disfarçada sob pele de cordeiro: com tanto trabalho de casa por fazer, Angola não tem legitimidade e muito menos moral para andar a varrer a casa dos outros. Faz estranhamente lembrar a invasão senegalesa (apresentada a pretexto de defender a «legitimidade democrática», claro) e de como esta despertou o sentimento nacionalista guineense.

Já o discurso agressivo que a Comunidade Internacional tenta manter só pode agudizar as tensões... E parece manifestamente desadequado, até porque quem tem a faca e o queijo (neste caso o colar e as missangas) nas mãos são os militares guineenses, que não gostaram decerto que os angolanos se viessem pavonear com armas novinhas em folha... que supostamente eram para os guineenses, mas que depois já não queriam dar e pretendiam levar outra vez... com a escalada entretanto ocorrida nas palavras e o «estado de guerra» que a comunidade internacional parece querer impor, está fora de questão entregar os blindados ou os helicópteros sul-africanos. Ficam retidos a título de reparação. Em Portugal há um ditado que talvez sirva para consolar Angola: «Perdidos os anéis, ficaram os dedos». E não serão necessários formadores angolanos para o equipamento doado: na Guiné há gente qualificada para isso; no fim da guerra anti-colonial, enquanto em Angola não conseguiram utilizar os Strella enviados pelos russos, na Guiné varreu-se a Força Aérea Portuguesa logo à primeira utilização, com o abate de dois FIAT.

O que é preciso, de um lado e de outro, é bom senso. Do lado do Comando Militar, parece-me que a situação justifica encontrar a pessoa certa para dar a cara e assumir que o poder não caiu na rua, conforme preocupação assumida no seu primeiro comunicado: essencialmente terá de ser um bom comunicador, com provas dadas, que domine bem português, francês e inglês (sim, que o actual CEMFA deixava um pouco a desejar nesse campo: em Angola pediu um tradutor português-crioulo), que não tenha estado envolvido nas cavalgadas dos últimos tempos, para conseguir a necessária credibilidade externa, um patriota de confiança a quem será dada carta branca, alguém brando e tolerante para com os perdedores, que terá igualmente de ser um militar carismático para que possa ser respeitado e obedecido pela tropa.

Uma vez que não será possível devolver rapidamente o poder aos civis, depois desta triste farsa, o «eleito» terá de governar, talvez mesmo de aguentar um breve arrufo da comunidade internacional eventualmente traduzido por um bloqueio económico. Também não estou a ver outra forma de a classe castrense guineense conseguir descalçar esta bota com dignidade, sem a pessoa indicada. Poderia ser tentada uma verdadeira reconciliação nacional, associada a uma amnistia «político-militar», que enterraria o «machado da guerra» para sempre, interrompendo o clima de violência e de vinganças a que se tem assistido… estabelecendo um clima de paz e concórdia a que o povo guineense muito aspira, consubstanciado pela unidade das Forças Armadas face à tentativa de agressão externa.

De outro modo, rompida a solidariedade nacional, tornar-se-á uma questão de sobrevivência para alguns, e apenas nos restará lamentar a dissolução do estado criado por Cabral, às ordens de uma comunidade internacional pouco entendida na matéria, manipulada por uma Angola à procura de humilhar aqueles que ousaram fazer-lhe frente… Viva a paz! Que o bom senso permita evitar uma noite das catanas longas!