quinta-feira, 8 de maio de 2025

Hipocrisia e água benta

Cada um toma a que quer. Mas há sempre quem seja incapaz de moderação...


SOBRE A DETENÇÃO DE RUI FONSECA E CASTRO 

Tem estado em curso, por parte da extrema-direita (1143, Habeas Corpus, Ergue-te e Chega), uma clara tentativa de distorcer a verdade sobre o que se passou com as suas “tropas” na tarde do 25 de Abril, no Largo de São Domingos, em Lisboa. 
Os autores das agressões, apesar de clara e repetidamente filmados por várias televisões enquanto as praticavam, procuram agora fazer-se passar por pobres e recatadas vítimas. Ao mesmo tempo, está também a tentar suscitar-se – nuns casos de forma intencional, noutros, creio, por simples desconhecimento do regime legal – uma pretensa controvérsia sobre a legalidade da detenção, pela PSP, do líder do “Ergue-te”, Rui Fonseca e Castro. 
Ora, tal controvérsia não tem, a meu ver, qualquer fundamento jurídico, e por isso justifica-se a clarificação de alguns pontos: 
1. Fonseca e Castro será candidato a deputado (não se sabendo sequer se o invocou, muito menos se o demonstrou) e não, de todo, deputado eleito. O regime jurídico que lhe é aplicável não é, pois, o Estatuto dos Deputados (como alguns parecem pretender), mas a Lei Eleitoral para a Assembleia da República – a Lei n.º 14/79, de 16/5). 
2. Esta Lei Eleitoral – ao contrário do referido Estatuto dos Deputados, que é, nesse capítulo, e compreensivelmente, bem mais restritivo – estabelece que nenhum candidato pode ser sujeito a prisão preventiva, salvo em caso de flagrante delito por crime punível com pena de prisão maior (expressão que, embora já não usada pela lei penal, deve ser entendida como significando pena superior a 3 anos de prisão). 
3. Importa esclarecer que Rui Fonseca e Castro não foi sujeito a “prisão preventiva” (medida de coacção aplicada por um juiz de instrução criminal, que pode prolongar-se por meses ou até anos), mas sim a uma “detenção”, que não pode exceder as 48 horas sem que o detido seja presente a um juiz de instrução para ser interrogado e sujeito, se for o caso, a medida de coacção. 
4. A detenção é, assim, uma medida cautelar que, nos termos do art.º 255.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, qualquer autoridade policial ou judiciária não só pode, como deve aplicar sempre que exista – como claramente era o caso – “flagrante delito da prática de crime punível com pena de prisão” (seja ela qual for). 
5. Uma manifestação com clara natureza de provocação política, convocada por pessoas e organizações claramente pró-fascistas e com um historial de actuações violentas, para a mesma hora e muito próximo do local de chegada de uma manifestação comemorativa do fim do regime fascista é, e de forma evidente, uma contra-manifestação de carácter violento e lesiva do direito dos cidadãos participantes na manifestação do 25 de Abril. Logo, podia e devia, nos termos da lei (art.º 7.º e art.º 15.º do Dec.-Lei 406/74) e da Constituição (art.º 27.º, n.º1, a contrario sensu), ser não autorizada.  
6. Ora, do ponto de vista estritamente legal, o promotor de uma manifestação – neste caso, aliás, de uma clara e provocatória contra-manifestação – que tenha sido proibida e que insista em promovê-la, incorre na prática do crime de desobediência qualificada, punido, nos termos do art.º 348.º, n.º 2 do Código Penal, com pena de prisão até 2 anos. Além disso, quem, recorrendo à violência, se opuser à acção de um funcionário no exercício das suas funções, incorre no crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto no art.º 347.º do mesmo Código, punido com pena de prisão de 1 a 5 anos. 
Significa tudo quanto antecede que, tendo o candidato Rui Fonseca e Castro sido detido em flagrante delito pela prática de um ou mais crimes puníveis com pena de prisão, e não existindo qualquer impedimento legal a essa detenção por força da Lei Eleitoral, carecem em absoluto de fundamento jurídico as objecções que têm vindo a ser apresentadas com base no Estatuto dos Deputados ou até na própria Constituição, e com base nas quais aquele e os seus apoiantes pretendem vitimizá-lo e apresentá-lo como um pretenso “preso político”. Ou, afinal, a lei é para ser aplicada apenas àqueles que Fonseca e Castro e os seus apoiantes persistentemente defendem que sejam encostados à parede?...
António Garcia Pereira

Esqueceu-se de acrescentar qual é o partido do 25 de Abril campeão da provocação e da contra-manifestação. Um autêntico bebé chorão, a quem roubaram a chupeta. Infiltrando-se na resiliência ortográfica, perdeu mais tempo a fundamentar a detenção, do que a própria efémera duração desta. O que mais o chaga é o hercúleo esforço de recalcamento do desejo de se tornar numa pessoa jovem, bonita, inteligente, influente e admirado como o Rui (esse sim, poderia vitimizar, mal abriu os olhos, no sítio errado, levou com a data, estava apenas a carpir o aniversário, prolongando a festa), mesmo se nem sempre anda nas melhores companhias. Mas por mais conservador que tenha virado ou que cante Ó tempo, volta para trás!, ao coitado do queimado chateia ter virado reacção, pelo princípio básico da revolução. Essa é a grande questão que o incomoda, a cambança de bornos da iniciativa política. O menino rico que pintava paredes só para sentir a adrenalina do que era fugir à PIDE (e Santarém teve os maiores, incluindo um slogan que irritou deveras os esbirros do regime, espalhado pelo bairro de São Bento: "a merda ao poder", imediatamente apagado); para depois passar às ocupações selvagens, raptos, tortura, bullying político (cerco por meses, não muito longe do Graínho, da casa onde supostamente viveria Salgueiro Maia, o qual, com a conivência da população, se ria ao longe dos malucos); dedicou-se depois, em pleno PREC, a todo o género de provocações e contra-manifestações. Considera obviamente tais coisas como muito boas e estratégicas para a intervenção política, excepto, contudo, quando apropriadas pelo adversário. 

Moral científica: o resmungão, quando queimado, destila hipocrisia. Enquanto andavam alegremente na sua cruzada para incubar o Chega, contentes por terem arranjado um bode expiatório livrando-os da auto-crítica, não se queixavam. Para além de choramingões, queixinhas agora.

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