Um pai, quando escolhe o nome para o filho, escreve-lhe de certa forma o destino. Há casos paradigmáticos, como Saraiva de Carvalho. Se calhar o progenitor não teve culpa, pode ter sido erro no registo, o homem podia estar só a chamar o descendente pelo nome: "ó Telo!"... (esse sim, nome comum e bem português, de filho ou pai de Teles). A vocação do recém-nascido estava traçada: seria actor.
Reparei hoje que, a pretexto da sua morte, lhe querem criar fama de estratega do 25 de Abril. Outras fontes falam em "líder" ou em "comando" das operações. Qual estratega, qual carapuça: o golpe foi anárquico e táctico. E a sua alma foi o Fernando José, que já muito antes se imaginara nesse papel. Na coluna da EPC só haviam duas granadas anti-carro (que o próprio Maia tinha desviado dos exercícios de tiro real) e as suas viaturas eram brinquedos de criança, comparados com os blindados a sério vindos de Almada. Se o RC7 tivesse disparado, acabava-se a brincadeira, seria preciso voltar a Santarém e passar ao plano B.
Basta atentar no nome de código que o falecido escolheu para si próprio, como "comandante": Óscar. Banal, o seu nome começa por O, sem H, como em Hotel. Contudo, se atentarmos, podemos perceber melhor a vaidade:
O. S. CAR.
O Maia, nesse dia, sempre tomou tempestivamente as decisões que tinha de tomar, e ainda bem. Aliás, o "estratega" serviu mais foi para empatar. O Fernando teve de desligar, para não aturar o seu desfasamento, pois ao meio-dia vociferava histérico pela rádio, fechado na Pontinha, que estaria a caminho do Carmo um heli-canhão. Não se comandam homens no terreno com mentiras. Todos queriam apressar a coisa, não era preciso inventar. Como se algum piloto fosse disparar para aquele aglomerado compacto de pessoas no centro de Lisboa...
Ao contrário do Maia, traiu o pacto do Movimento ao graduar-se de generalato, subvertendo as hierarquias e passando a fazer política, para além de outros pecadilhos, como assinar mandatos de captura em branco... De certa forma, julgo que merece maior fama humana um outro homem de Abril, também de artilharia, como Otelo, cuja morte recente foi quase por completo ignorada pela comunicação social. Estou a falar de Dinis de Almeida, o homem que, depois de os desarmar, salvou os paras de Spínola de serem linchados pelo povo enfurecido, ao misturar-se com aqueles que vencera, sujeitando-se a alguns carolos. Estávamos a 11 de Março de 1975, no RAL1s, debaixo da oportuna câmara televisiva de Adelino Gomes (a quem se devem também as melhores fotos do 25 de Abril, pois desde manhã cedo que este não largara o Maia, intuindo o verdadeiro comandante informal). Também Dinis teve o seu momento de fraqueza, quando deixou depois a sua unidade ser tomada pelo MRPP (apenas por um dia ou dois, até se aperceber das barbaridades), torturando o Marcelino da Mata. Foram tempos confusos, esses.
Quanto ao actor Otelo, que possa finalmente conseguir a paz que não conseguiu em vida. O povo português traiu-o com outros personagens (que valiam bem menos do que ele, por isso chegámos ao estado em que estamos) e o ciúme roeu-o por dentro, levando-o ao suicídio (político, apenas, não como aconteceu com o personagem homónimo da peça de Shakespeare) e ao envolvimento com formas menos democráticas de persuasão (não que eu tenha alguma coisa contra isso). Continuava um africano num palco de política europeia. Nunca haveria de chegar ao poder em Portugal (e se, por altamente improvável, lá tivesse chegado, teria sido um desastre). O que lhe apontam como maior defeito, a ingenuidade fraterna, foi, na minha opinião, a sua melhor qualidade. Sempre com o coração a subir-lhe à boca, há uns dez anos disse uma grande verdade... hoje seria tecnicamente mais fácil dar um golpe do que em 1974. Lamentavelmente, com o fim do SMO, o exército deixou de ser representativo.
Um alfa bravo, pá!
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