sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Kaleta II

Na avaliação de propostas e alternativas de fornecimento de electricidade, a autonomia energética não é um factor que se possa desprezar.

Sempre que se fala de investimento estrangeiro, para desenvolver e valorizar os recursos da Guiné-Bissau, parece que os investidores se retraem por razão da percepção dos «riscos políticos» associados.

[Verdade seja dita, pouco se tem feito para transmitir mensagens claras nesse sentido: uma das primeiras atitudes das novas autoridades, foi «queimar» o contrato das «areias pesadas» de Varela, nas mãos dos russos. Claro que seria esperar demais e acreditar no Pai Natal, que os russos, com um contrato «temporário» e «ilegítimo» como lhe poderiam chamar, iriam investir em grandes preocupações ecológicas! No entanto, fizeram uma primeira experiência, da qual seria importante conhecer os resultados e as expectativas criadas, bem como dar um sinal claro a futuros investidores. Não é preciso ser muito esperto para adivinhar que o discurso correcto, com visão de futuro, seria: «Consideramos este contrato assinado por um Governo ilegal. Contudo, para que se saiba, na Guiné-Bissau, mesmo para além das nossas “peripécias” políticas internas, respeitamos o investidor estrangeiro. Por isso, reuniremos com a firma interessada para avaliar a experiência, esclarecer as potencialidades do negócio e negociar uma eventual continuação da sua exploração económica, tendo em conta a minimização do seu impacto ecológico e humano.»]

Se a electricidade que vem do Sul for 1 CFA mais barata por KW, fará sentido optar por criar uma infra-estrutura completamente dependente do exterior? Então, quando se trata de Bissau, há imensos riscos políticos e para Conacri já não há? Uma estrutura nacional criará postos de trabalho localmente, mantendo o dinheiro a girar por perto… O argumento economicista, só por si, não é válido. Ser mais barata não basta: tem de ser muito mais barata e isso tem de ser exactamente quantificado e fixado contratualmente a longo prazo.

A Guiné-Bissau é um sítio altamente energético. Simplesmente, por ser rasa e chã, não possui uma capacidade de retenção directa, capaz de armazenar energia, para a distribuir continuamente, sob a forma de uma barragem. No entanto, flui imensa energia, não só para montante, com a enchente da maré, mas a vazante, incrementado pelas águas continentais. Criatividade no aproveitamento inteligente daquilo que a Natureza colocou generosamente à disposição da Guiné-Bissau, é certamente uma boa ideia, e contributos voluntaristas, mas claramente motivados, como o de Joaquim Luís Fernandes, são certamente merecedores, no mínimo, da maior atenção e discernimento.

Além dos argumentos já aduzidos, será que faz sentido (atendendo às fortes reduções no consumo obtidos nos últimos anos nas lâmpadas, electrodomésticos e outro «software» eléctrico), investir em distribuição, «hardware» com elevados custos paisagísticos, sobretudo sabendo que o potencial consumo é, para começar, incipiente, uma vez que vindo do nada? Para pequenos núcleos de consumo local (adstritos a uma certa disciplina, economia e racionalidade) pequenas unidades solares, cuja viabilidade económica é emergente, seriam perfeitamente suficientes e sustentáveis.

Um último ponto. É no mínimo curioso que, pouco tempo depois do anúncio da electricidade gambiana, para abastecer a região, surja esta proposta tão bem definida e «economicamente» apresentada pelo Eng. Baldé (não confundir com o seu homónimo do Petróleo, da Agência de Cooperação na zona económica comum Guiné-Bissau / Senegal, de nome próprio Júlio). Com estes exemplos, por que razão deveria a solidariedade regional servir de argumento?

De qualquer forma, seria proveitoso reflectir na proposta da Guiné-Conacri, mas na perspectiva de uma negociação «cerrada» para obter um preço a «granel» (aproveitando a sazonalidade), que seria eventualmente canalizado (por poucos Kms) para perto de Boé, na direcção de Buba, onde se poderia negociar, com um bom preço da electricidade como input, a transformação local da bauxite (o caminho-de-ferro não serviria para exportar bauxite em bruto, mas sim alumínio ou derivados, muito mais leves, ou mesmo produtos acabados, como bebidas em latas de 33cl), incrementando a racionalidade económica da sua exploração e o desenvolvimento nacional.

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