Confesso que não me agrada escrever este artigo, pois, tal como toda a gente, não gosto de me enganar. Tinha depositado a minha confiança (o que é raro) na pessoa de Kaft Kosta. Em tempos imaginei-o como Presidente do Supremo Tribunal, cheguei a sonhar vê-lo Presidente da Guiné-Bissau. Enganei-me redondamente. O jovem promissor que se batia mano a mano com os melhores constitucionalistas portugueses, ofereceu-nos uma indigna prestação de um pseudo-academismo pedante e deslavado, a pretexto dos 20 anos da RDP África. Se, até aqui, mantivera um perfil discreto na questão, que apenas o comprometia por defeito, vem agora anacronicamente reforçar o autismo terminal do Presidente do PAIGC, numa péssima representação social e política. Abusando de pretensa autoridade académica e num tom professoral perfeitamente desajustado para o desavergonhado deslize político, perde-se sozinho em deambulações e referências circulares. É esse o preço que a retórica cobra quando o obreiro se prostitui e esta se vê alugada a estranhos.
No seu discurso da «tortuosa» relação entre a norma declarada e a realizada, a sua coerência com a práxis enfraquece subitamente, ao quebrar uma desejável imparcialidade apontando violações apenas ao Presidente da República. Mas ainda se compreendia. Estava a falar de Angola, a quem a carapuça enfia às mil maravilhas. O pior é quando designa a Guiné-Bissau. As «conveniências do momento e das tácticas» «desvirtuam-se inteiramente» quando trata de José Mário Vaz. Funcionando a meia-práxis (infelizmente a metade pôdre!), qual o reverso da medalha? Uma kunha ao kunhado.
Mas entretanto, hipnotizados pelas referências académicas, chegamos a Montesquieu, com livro oferecido a todos os dirigentes da CPLP pelo benemérito opinador. No espírito das leis, para o erudito constitucionalista, a separação de poderes é o segredo, melhor, o arcano maior da política, pasme-se! O melhor é que um poder TRAVE o outro, e esse que por sua vez TRAVE o outro, que TRAVE o primeiro. O ideal seria portanto um sistema de TRAVAGENS. Trata-se de uma visão puramente negativa da política, maquiavélica no pior sentido que se lhe possa atribuir. Não. A política é a arte de gerar consensos, de em vez de freios, colocar molas, promover com contributos positivos, sentar as pessoas em torno de objectivos mínimos. É por isso grave que, senhor doutor, feche os olhos a toda a realidade à sua volta, e tenha enveredado pela mentira e pela hipocrisia, numa delinquência constitucionalmente mental, a troco de não se sabe que divino alimento. Presunção e água benta, cada um bebe a que quer.
E quando acusa o Presidente de «abocanhar o governo, assaltar o parlamento, comprar deputados, colonizar partidos e assenhorear-se do poder legislativo» está a menorizar o PRS, com a intenção de remeter de volta o poder a Domingos Simões Pereira. Acusa o Presidente de pretender «dominar o Parlamento». Por esta altura, já o pretenso teor de constitucionalismo tinha desaparecido por completo e inquiria: «que necessidade é que o Presidente tem de pegar num Partido altamente responsável e degradá-lo completamente na praça pública? se isso acontecer, será o caos para esse partido» Aqui, o ilustre académico cai em plena profecia, se bem que claramente desinspirada. O PRS saberá dar, na devida altura, a bofetada sem mão que merece.