domingo, 10 de novembro de 2024

Elogio do radicalismo

Cabral, que em diversas ocasiões alertou para a falta de ideologia, nomeadamente de muitos movimentos e líderes africanos do seu tempo, antecipou esse déficit (ou mesmo falência) à escala global, criticando amorfos, indecisos, indiferentes… Uma autêntica política deve colher o melhor de cada extremo; não há que procurar virtude pelo meio. Este olhar parece hoje de paz, num mundo cada vez mais intolerante e fisgado em identidades assassinas. Cabral fazia a ponte com todos, chineses, russos, cubanos, jugoslavos, suecos, italianos. Cabral era guineense, cabo-verdiano, angolano, moçambicano, católico e profundamente português.

"Não, isso não, isso é extremismo ao contrário. O que eu disse primeiro chama-se desvio para a esquerda e o que eu disse agora é desvio para a direita. Isso não quer dizer que o meio é melhor. Há muita gente que julga que o que está no meio é que é bom, mas não é verdade: a coisa boa está em saber juntar dum lado e doutro para andar em frente. Juntar dum lado e doutro, procurar o caminho justo, numa terra, não é ficar no meio, no meio não se pode fazer nada."

Há que lutar contra essa ideia, que nos tentam impingir, de que ser radical é mau. 


Não diz o português que o mal é para cortar pela raiz? Para erradicar o mal e evitar que se enraíze, há que arrancar a raiz! Ora aí está! A raiz etimológica do termo radical é raiz. É uma boa metáfora: abaixo os preconceitos. Até podem, se assim o entenderem, discriminar entre bom e mau radicalismo, mas conserve-se a polissemia e evite-se açambarcar o sentido ao conceito, enclausurando a realidade. À luz destas palavras, Cabral pode ser considerado, ou duplamente radical, ou percursor de uma síntese virtuosa na demanda por novos centros e centralidades. Não chegou a fazer-se o choro de Cabral, para esconder a responsabilidade dos camaradas.

Meio século perdido, Cabral lanta di tchon i na pidi iu iagu.

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