quinta-feira, 14 de novembro de 2019

O velho rôto e as novas rótas

Ainda na página 272, como el-rei despachou o maricas

«Do que el-rei fez a Heitor Borralho

Um Heitor Borralho cavaleiro da casa de el-rei vindo da Guiné por capitão de uma caravela vinha muito alvo; e quando beijou a mão a el-rei e este o viu assim, espantou-se e perguntou-lhe como vinha tão alvo; e ele lhe respondeu "Senhor, fui e vim sempre muito embuçado, com touca e sombreiro e sempre luvas calçadas" e el-rei lhe disse: "Não fôra melhor vir negro como homem, que alvo como mulher? Quem isso faz é néscio e não serve para nada" e o fez levantar e ir sem o querer mais ouvir.»

Black is beautiful!

E ainda, como el-rei despachou as conchas de volta para a Guiné

Há ainda a curiosa história do sistema monetário africano, com base numa célebre concha. O nome científico da antiga moeda local é cypraea moneta (e hoje até consta do "brasão" da CEDEAO).

Os primeiros comerciantes judeus à escala global, deslumbrados pelas imensas oportunidades que os portugueses estavam a criar com as suas novas rotas, atafulhavam as primeiras caravelas de bugigangas e pechisbeque (além de fazerem escala na ilha do Sal para se abastecerem dessa mercadoria e irem até à Serra Leoa comprar cola para vender aos mandingas), sendo a procura sistematicamente superior à oferta solvável, graças aos termos de troca manifestamente favoráveis que estabeleciam. Para além das trocas por ouro, marfim, peles, malagueta, escravos, etc, passaram pois a aceitar e a aforrar a "moeda", com a qual esperavam efectuar compras futuras. Ou seja, estavam a tentar aplicar em África, a acumulação primitiva que faziam na Europa. 

Contudo, brevemente chegaram aos ouvidos de el-rei as conversas que se ouviam em Lagos (na costa algarvia e primeira plataforma comercial intercontinental), estranhando muito o aumento dos preços na Guiné. Efectivamente, o que aconteceu foi que os comerciantes estrangeiros, ao sugarem toda a massa monetária local, deram um rude golpe na economia monetária (outros viriam, como quando descobriram do outro lado do Atlântico que também tinham dessas "conchinhas" - dinheiro, que podiam trocar por pessoas), que havia adquirido uma certa estabilidade (ao nível da África ocidental já conhecida por essa altura, estendendo-se aos reinos do Congo e de Angola, este último, cujo poder assentava na colecta monetária no rio Kwanza), a qual rapidamente foi forçada a regredir ao estádio da troca. Estranhava-se o aumento dos preços, porque as regras da economia de mercado dizem que a escassez de moeda produz o efeito inverso, ou seja, a baixa dos preços. Quanto menos moeda há, menor é o preço que os vendedores estão dispostos a aceitar. Contudo, na Guiné, a coisa estava a passar-se ao contrário. El-rei, que tinha os melhores serviços de informação do seu tempo, rapidamente percebeu como a economia tinha voltado à troca pura e simples, com todos os preços a subir por não haver troco. E, ao receber essa notícia, muito radicalmente irritado, tirou na hora um decreto (cuja cópia se conserva), ordenando o confisco e a restituição imediata das "divisas" acumuladas nos cofres, condenando a pesadas penas quem fosse descoberto na sua posse. Imagina-se a reacção de el-rei, perante a estupidez dos proto-capitalistas desambientados:

_Devolvam já ao raio dos pretos a merda das conchas!

1 comentário:

Anónimo disse...

O problema é que não eram criptoconchas! Eheheh