quarta-feira, 16 de abril de 2014

Condições de governabilidade

Logo conheceremos os resultados provisórios. As perspectivas apontam para uma redução do número de deputados do PAIGC, baixando dos dois terços dos lugares na Assembleia, para cerca de metade. A elevada afluência às urnas, veio sobretudo demonstrar a vontade de empossar um novo Governo civil cuja legitimidade esteja acima de qualquer suspeita. Mas será um erro considerar esta vontade popular, expressa pelo voto, como um cheque em branco: o voto de confiança representa essencialmente uma aposta para o futuro, assente em expectativas que o PAIGC saiba aproveitar proactivamente esse mandato de esperança, em prol de um projecto nacional consistente de reforma do Estado.

É chegado o momento da verdade para o líder do PAIGC: com a divulgação dos resultados das eleições nos seus traços gerais, serão de extrema importância a atitude e os primeiros gestos que fizer. Pela amostra se verá a consistência do seu discurso eleitoral, que alimentou fortes expectativas de inclusividade política; contrariando assim a mentalidade do «vencedor fica com tudo», tão viva e oportunamente denunciada pelo representante do Secretário Geral da ONU, Ramos-Horta. O povo saberá igualmente distinguir se o PAIGC soube apostar numa verdadeira inclusividade, de debate e influência; se o PAIGC respeita os seus compromissos, para com os seus eleitores e perante a nação, ou se a apregoada inclusividade é apenas mera fachada.

É a sua boa fé, já como Primeiro-Ministro, que Domingos Simões Pereira tem o dever de demonstrar por sinais inequívocos. Que é Primeiro-Ministro de todos os guineenses, e que, para além da legitimidade democrática, sabe construir uma subtil autoridade política... Terá Domingos Simões Pereira a coragem para ousar ceder parte significativa do poder que agora adquiriu? A troco de garantias de governabilidade. Esse parece, de qualquer forma, o seu maior desafio: desmarcar-se de modelos de má memória...

«É, e será crucial, ousar partilhar poderes, (...) delegar poderes, no seio dos partidos, e saber também transportar essa dissuasora prática política, para os eixos da governação. As teimosas tentativas para a excessiva concentração de todos os poderes possíveis, numa só figura, tanto ao nível partidário, como ao nível governativo, só acabaram, e acabam sempre mal. O poder político, sobretudo, pela sua importância na vida das pessoas, deve diluir-se num todo, denominado: Estado! Um todo, onde todos os cidadãos se sentem parte, e habilitados de uma maneira ou de outra, a influenciarem dinâmicas necessárias ao seu funcionamento. Assim sendo, torna difícil o que o contrário tem facilitado no nosso caso, que é a recorrente apetência de um grupo derrubar por força das armas, um todo-poderoso fragilizado pela singularidade excessiva, e limitar-se a substituí-lo por um outro todo-poderoso.»

Ver fonte.

Não basta a legitimidade, é também necessária autoridade.

Como afirmou ao jornalista burkinabê Boundi Ouoba, do Le Pays, o presidente da comissão económica da CEDEAO, Desiré Ouedraogo: «Le plus important, c’est ce qui reste à faire après la période électorale, les défis de la réconciliation et du dialogue national inclusif»

3 comentários:

Anónimo disse...

M.D.M.
Não tem sentido esta apregoada inclusividade que advoga partilhar o poder com os partidos derrotados. Senão, qual é o sentido das eleições? Numa democracia representativa o povo delega o poder a um grupo de pessoas ou partidos através do voto e é deste grupo de pessoas que espera as soluções para os seus problemas. Os derrotados também têm um papel. O de oposição, ou seja de fiscalizar o exercício do poder e de apresentar alternativas válidas de modo a convencer o povo a votar neles na próxima eleição. Defender que todos os partidos participem da governação é desconstruir o significado da democracia participativa. É defensável, isto sim, que os guineenses de comprovada capacidade de construir sejam chamados, independentemente da filhação partidária e onde quer que se encontrem, a vir participar com a sua experiência e expertise. Devemos ultrapassar a mentalidade de que se deixarmos alguém fora do poder, corremos o risco desse alguém derrubar o governo. Tenho a certeza de que esta fase está morta... Os partidos derrotados que se preparem e se fortaleçam para os proximos embates. Que sejam uma oposição construtiva e proactiva, apontando os erros da governaçã e não só, as alternativas. Desta conquistarão o voto do povo na eleição seguinte. Enquanto isso, quem é carpinteiro, pedreiro, labradur, engenheiro, dutur, furadur di palmera ou ticidur di panu, pá i pega si tarbadju, i dissa sinta pa pera um mama na guvernu.

7ze disse...

Caro Malam D. Mané

Pelo contrário, parece ter todo o sentido. Não são os pequenos Partidos, que a nada poderão aspirar, propriamente, com as suas votações, que precisam do vencedor PAIGC. É mais o PAIGC que precisa de se renovar, de romper com os vícios históricos que lhe são sobejamente conhecidos, e que para isso, precisa dos pequenos Partidos. O PAIGC precisa de um instrumento de retroacção, que policie o seu desempenho governativo, e consolide a confiança dos cidadãos no Estado. A participação de cidadãos competentes não pode ser isolada de estes disporem de um real poder de influência, em torno de objectivos consensuais a definir no âmbito de um Pacto de Regime, conforme foi unanimemente assumido pelos Partidos no decurso desta campanha eleitoral. E essa «fase» está ainda longe da sua morte anunciada. É precisamente a função de fiscalização do exercício do poder, aquilo de que o PAIGC mais carece; a qual seria inteligente incorporar de boa fé e vontade, na sua proposta de governação.

Obrigado pelo contributo construtivo.

Anónimo disse...

M.D.M.
Para fiscalizar qualquer coisa, o fiscalizador tem necessariamente de estar fora da coisa. Como parte do sistema/governação ele vai se fiscalizar a si mesmo, o que é uma contradição. Na Guiné as pessoas espertas fundam um partido e ficam a espera de novos golpes para se aliarem e se tornarem dirigentes ou novas eleições para reclamarem a inclusão. São 42 partidos políticos que nada fazem. Não cumprem a função de um partido político na oposição, deixam o povo ao Deus dará, só a espera de serem incluídos. Pelo que defende esta tese de inclusão, não precisa ter eleições. É só formar um governo com 42 pastas que a situação da Guiné está resolvida. Isto é um absurdo!...