sábado, 15 de novembro de 2014

O ouriço eriça-se

Depois de o regime se ter «blindado» em 2010, nomeando José Eduardo dos Santos ditador vitalício (diga-se que a UNITA abandonou a Assembleia em protesto e boicotou o voto), a «democracia» finou-se, como afirmou, por essa altura, ao DN, o porta-voz da UNITA, Alcides Alfredo Sakala: «a nova Constituição representa a morte da nossa democracia».

Na sequência do premonitório discurso mantido em Lisboa (precisamente quando estalou o levantamento popular no Burkina Faso, que varreu o Presidente), o líder da UNITA foi ontem fortemente criticado por duas figuras da brigada cinética (cuja obediência canina ao imobilismo do status ku se sentiu ofendida pelas declarações), acusando-o de «apelo à rebelião» (sugerindo, profilaticamente, a utilização da arma secreta do regime, os jacarés).

Uma dessas figuras é João Pinto, a quem a UNITA pagou os estudos, mas que se transformou no fiel guardião do regime de José Eduardo dos Santos. No entanto, para propagandista, não só é de reles qualidade, desmerecendo a nobreza da retórica, como, para além disso, sofre de uma desprezível e inconsistente convicção de superioridade intelectual.

No seu afectado e raivoso libelo de acusação contra o líder da UNITA, veja-se como este se apresenta:

«Curiosamente profissionalmente faço hermêutica jurídica e ensino Ciência Política e Direito Público, por ter estudado aturadamente o Direito, História, Ciência Política e Filosofia Política»

Orlando Castro, na sua reacção, brinda-o com uma série de mimos colocando em relevo essa faceta da opinião desproporcionada que o senhor alimenta em relação a si próprio.

«João Pinto, jurista e deputado do MPLA (entre outras impolutas características) (...) o deputado (entre outras glorificantes funções panegíricas) (...) o (entre outras funções delegadas pelo “querido líder”) jurista (...) o deputado (entre outras fenomenais e igualmente divinas qualidades doadas pelo “escolhido de Deus”).»

Mas isso não é novo: no ano passado, falando no programa “Angola Fala Só” fez uma defesa cerrada do governo angolano avisando mesmo um ouvinte, em directo, de que poderia estar a violar as leis de segurança nacional! A paranóia securitária e repressiva do regime, no seu revestimento legal e relacionamento público, é a principal preocupação deste advogado do diabo que, no seu pedantismo, pretendeu utilizar um provérbio umbundu: «quem não sofreu, não tem maturidade». Transcrevo um comentário esclarecedor, de Alcibíades Kopumi:

«João Pinto és maníaco em pensar que sabes tudo!

Seria uma atitude sensata não alimentares esta ilusão e reconheceres que em muitos domínios, incluindo nos do Direito, Ciências Políticas, História, só para citar estes, tens limites. Partes mal quando destorces, tanto na grafia, como no significado, o provérbio Umbundu, língua do grupo Étnico-lingüístico ao qual pertenço. De resto, um mau começo dita inexoravelmente o fim infeliz, tal é o teu texto que a boa moda do "João Pintismo" limita-se a citações ou transcrições e, não elucida nada.

O Umbundu é uma Língua que tem a sua gramática. Sinto-me revoltado quando alguém tenta ultrajar a minha língua, tanto falada como escrita, como é o teu caso. "Kamuilē ongongo, ka kolēlē", quer dizer: "Quem não sofreu não tem maturidade". Tu não tens maturidade para falar sobre Angola, pois FRAUDULENTAMENTE fugiste à tropa e rumaste para Portugal.

Em Umbundu, a consoante (C) pronuncia-se (Ché), logo, ao iniciares com (C) a palavra Kamuilē que é a forma negativa do verbo Okumõlã (ver, sentir), na terceira pessoa do singular, bem como a palavra ka kolēlē, sem os acentos, mereces um O (Esala). Aprende, ou então faz algo bem melhor: CALA-TE!
»

Ora é precisamente isso que está em causa: depois de tanto sofrimento, não estará o povo angolano maduro para tomar em mãos o seu destino? Talvez agora se possam compreender as palavras de despedida de Lopo do Nascimento, que motivaram uma imensa ovação por parte da oposição “a nação não é de nenhum partido, é obra de todos e pertence a todos”.

Por falar em Direito, porque se esquecerá João Pinto, muito a propósito, do direito de manifestação pacífica, constitucionalmente consagrado e superior às leis que invoca? José Eduardo dos Santos é incontestavelmente o único detentor da «violência» no país... Ao precipitar-se assim a mostrar a sua bateria jurídica defensiva, está apenas a enfiar a carapuça, numa reacção desproporcionada e reveladora de (justificados?) receios. Qualquer dia, até o simples acto de respirar pode ser considerado atentatório da segurança do Estado! Esse é um sintoma que não engana, no diagnóstico de uma doença terminal.

Adivinha: Como se apanha um ouriço sem utilizar violência? Fazendo-lhe cócegas com uma palhilha.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Os mecanismos de transição em África sofrem de esclerose múltipla

Traduzo aqui fragmentos da análise de um líder da oposição dos Camarões, extraídos de um documento no qual, apontando o exemplo do Burkina Faso, este pede ao Presidente do seu país que abandone o poder «a bem».

«A história constitucional dos Estados africanos é particularmente movimentada. Apresenta um percurso difícil e sinuoso, semeado de estrangulamentos e armadilhas. Alternando sucessos e contrariedades, mas com destaque para estas últimas, a ponto de se poder pensar que a África negra fez uma falsa partida para o desenvolvimento. A solidez de instituições e constituições não se decreta, é uma longa caminhada exigindo diversos saberes, mas sobretudo um verdadeira educação de governantes e governados. As instituições são responsáveis pela criação da paisagem social, cultural, económica, mediática, política, e até religiosa. Da emergência das nossas instituições, à sua legitimação, passando pela prática e experimentação, mas também pela sua reactualização permanente, são fases de uma obra de construção de uma sociedade estável a que muitas vezes se opõe a vontade emanada dos dirigentes, de exercer o poder e de no seu exercício se perpetuarem: todas estas fases reflectem uma dinâmica institucional caótica, quando confrontadas com a vontade de centralização, quando não de personificação, implicando a confiscação do poder em benefício próprio. (...)

Embora a terminologia «frágil» seja fortemente combatida pela União Africana, que nela vê uma porta aberta ao intervencionismo da comunidade internacional na gestão interna das suas «não-sucessões», este conceito está cada vez mais arreigado no discurso securitário mundial, face à sucessão de acontecimentos após o 11 de Setembro de 2001. (...) Se pretendemos atingir a legitimação das nossas instituições, o respeito pela Constituição, transições políticas tranquilas, precisamos de um prazo razoável e de um instrumento de trabalho consensual com as Forças Armadas, garantindo a estabilidade dos nossos países. O povo deve saber que é dono do poder, saber contestar, mas também deve saber delegar a sua soberania... Ainda estamos longe disso!»

CHÁ DE frutos vermelhos

A situação no Chade continua confusa. À falta de comunicações, vem juntar-se uma proclamação do General Nouri, publicada pela Gazeta de N'djamena, apelando ao exército para apoiar o movimento revolucionário lançado pelos jovens, inspirados pelos recentes acontecimentos no Burkina Faso.


O general nourrit l'espoir (a piada só funciona em francês) de tomar o poder. Lembre-se que há uns anos, em Fevereiro de 2008, esteve a um passo de o fazer, com violentos combates na própria capital. Ex-colaborador de Hissène Habré, tornou-se num pilar do regime de Déby, como Ministro do Interior.

[Um pequeno parênteses para lembrar a tareia que o senhor general deu a Kadafi, em 1987, quando a Líbia invadiu uma faixa de território, quase desabitada, do noroeste do Chade. Se o material de guerra soviético sofreu um grande «desgaste» em Israel, no ar; já em terra, foi no Chade que sofreu a maior derrota.

À incursão dos poderosos e potentes T-55, os chadianos responderam com equipas tácticas de dois jipes (Toyota), equipados com Milans (o equivalente francês do RPG7, uma arma anti-carro portátil), que atacavam em direcções opostas: aproximando-se a alta velocidade, travavam de repente a curta distância, largavam um homem que disparava (em primeiro lugar tentando visar as lagartas, para imobilizar o tanque), arrancando de novo a alta velocidade... As torres não conseguiam acompanhar a extrema mobilidade e foi um verdadeiro desastre para o exército líbio. Quem comandava as forças chadianas? O General Nouri!]

Déby conseguiu, numa fase inicial do seu regime, manter um certo equilíbrio religioso, entre um Sul maioritariamente cristão e o Norte muçulmano. No entanto, com a continuação no poder, tornou-se cada vez mais autocrata, apropriando-se do poder como muitos ditadores o fazem, como se Direito divino se tratasse, dando origem a uma contestação apoiada pelo Sudão e liderada por Nouri.

A insidiosa «luta contra o terrorismo» e a diabolização do Islão, na sequência do 11 de Setembro, conduziram a um forte aumento da intolerância religiosa, particularmente perigosa para países «de fronteira», nos quais várias religiões convivem, sem hegemonia. A República Centro-Africana está a pagar o preço.

Os franceses, com a sua «muralha do deserto», vieram atiçar ainda mais esta fissura. Como quando, no Chade fizeram «vista grossa» ao massacre à catanada de muçulmanos por populações enraivecidas... O papel desempenhado pelos franceses é cada vez mais perigoso, pela promiscuidade soberana.

Esperemos que a instabilidade não volte ao Chade e «frutifique» em vermelho.

Estará o General Nouri a tentar confiscar a iniciativa política laica, dos jovens que se revoltaram?

Um like na laika.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Blackout

As conexões de telecomunicações com o exterior foram hoje cortadas pelas autoridades do Tchad, numa tentativa aparente de controlo do fluxo de informações, decerto para impedir uma possível vaga de simpatia internacional sancionando as conquistas da rua, isto quando, aparentemente, as marchas de protesto se voltaram a fazer sentir, ao longo do dia de hoje. Entretanto, o Governo recuou e cedeu a todas as exigências dos manifestantes, nomeadamente pagando os salários em atraso aos professores, conseguindo assim uma certa acalmia. O estado de espírito do Presidente tem variado entre o apático e o paranóico, desconfiando de tudo e de todos, mesmo dos seus mais próximos.

Parecer sobre o exercício do poder judicial por estrangeiros

Ser juiz não é a mesma coisa que ser engenheiro ou economista. A um juiz deve reconhecer-se a autoridade de um órgão de soberania. (...) Ora é para mim evidente que um estrangeiro, contratado a prazo por um governo, só por um exercício de ficção pode surgir ungido desse poder soberano. É assim uma receita fácil para o desastre, em especial perante dossiês que se prendem com grandes interesses internacionais do Estado ou que dizem respeito a figuras deste, como aconteceu no caso timorense. (...)

Exige-se agora dos atingidos, até para proteger a sua própria imagem, algum recato deontológico, que marque precisamente a sua diferença face ao sistema que os atingiu. Trazer para a comunicação social elementos a que tiveram acesso por via de processos que lhe foram confiados só reforça a razão a quem os acusou e dá de si uma má imagem profissional. E já nem falo do inenarrável agente policial que diz ter mandado para fora do território de Timor-Leste - o Estado que lhe pagou e que nele confiou - um contentor com informação...

Extracto de artigo do blog de Francisco Seixas da Costa:

Outono negro para os ditadores africanos?

As ondas de choque de Ougadougou propagaram-se ao Tchad, com a juventude liceal a assumir e liderar espontaneamente o levantamento popular: toda a parte sul do país está em efervescência. O chefe da oposição pergunta ao Presidente (no poder há um quarto de século) se gostaria de acabar como Blaise Compaore ou pior, como Kadafi... a resposta foi uma ordem urgente do Presidente para a contratação de 7000 novos polícias.


Um manifestante à RFI: «Tudo o que reivindicamos é a dignidade do homem chadiano. É muito bonito dizer que o Presidente assegura a estabilidade, mas para que serve a estabilidade quando se tem fome, quando não se dispõe de água potável nem de electricidade, quando a escola se torna incomportavelmente cara, quando é impossível conseguir tratamento no hospital?»

Entretanto, na Guiné Equatorial (um país da CPLP!) as notícias da queda de Compaore foram censuradas, como já tinham sido as da Primavera Árabe. Obiang enfiou a carapuça, desconfia do perigo de contágio e julga decerto que consegue tapar o sol com a peneira... 

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Zangam-se as comadres...

...sabem-se as verdades. Ainda a opinião de Victor Hugo.

Há muito tempo que os Ministros ganham o que ganham e não consta que os actuais tenham deliberado aumentar-se o ordenado, acto que, no actual momento, representa uma barbaridade política, de falta de solidariedade e de empatia para com a miserável situação sócio-económica do guineense comum.

E, em maré de comparações, por que razão não publicitam também os ordenados de um médico ou de um agrónomo, por exemplo?

O Governo que aproveite para tomar uma iniciativa política oportuna e anuncie o corte nos salários dos Ministros, dando o exemplo. Já agora, num exercício de (prometida) transparência, publique (e mantenha actualizadas) as quantias realmente auferidas (distinguindo entre já pagas ou devidas mas em atraso) por todos os funcionários do Estado, para que não subsistam dúvidas, alimentando gratuitamente a propagação de boatos...

O despertar do anónimo Porta-Voz do Governo, por quem ainda ninguém dera, para um inqualificável e fingido «pedido de desculpas» (de facto, não é um pedido de desculpas, porque o Governo insiste na sua posição, trata-se de um pedido «de paciência») que se formula como «apaziguador», não disfarça o clima de mal estar e de quebra de solidariedade institucional, altamente prejudicial para a imagem do país.

Bureau Político do PAIGC reunido de urgência

Segundo notícia acabada de publicar pela Agência Noticiosa Guineense, o Bureau Político do PAIGC encontra-se reunido de emergência. Ou são muito rapidamente emitidos para o exterior sinais de acalmia interna, ou o braço-de-ferro arrisca-se a ser dissolutivo para o PAIGC, não conseguindo travar uma valente manifestação pública de desagrado.

Muito grave é a opinião de Victor Hugo, se assumida como a defesa oficiosa (para não dizer a voz oficial) da Presidência da ANP: sugerir que o Governo beneficia de «fringe benefits» (a que, sem subtileza, chamam descaradamente «luvas»), compensando o seu «magro» salário com «exorbitâncias». Este contra-ataque de baixo nível revela uma gritante ausência de sentido de Estado (que Cipriano Cassamá já havia demonstrado ao exigir arrogante e publicamente, exorbitando claramente as suas funções, a demissão do Ministro das Finanças), contribuindo para a ideia da persistência e enraizamento dos velhos vícios.

Profunda crise antropológica

Opinião no Club-K! Nuno Álvaro Dala vem dá-la e bem dada!

A situação de resignação em que se encontra a maioria dos angolanos, que se manifesta em atitudes e comportamentos regidos por chavões do tipo “estuda, trabalha e come o teu funje!” e “Xé, menino não fala política!”, é evidência de uma profunda crise antropológica.


A guerra fracticida terminou em 2002, e desde então a reconstrução nacional é um facto. Mas a reconstrução humana (a mais importante de todas) não tem sido feita. A exclusão política, a mentira, a diabolização do outro, a deturpação da história, a imposição das narrativas do MPLA, a guerra fratricida e a chacina de 27 de Maio destruíram o Homo Angolensis, que acabou desenvolvendo uma crise antropológica profunda que se manifesta numa resignação total da vasta maioria do povo. 

O ANGOLANO DESISTIU DE SI MESMO E DE ANGOLA.

Nos últimos 12 anos, outros problemas agudizaram a crise antropológica do angolano, a saber: a o discurso dos vencedores, a perseguição e os assassinatos de angolanos com posicionamento próprio e dissonante do regime, o nepotismo, a corrupção, o saque do erário público e a [patológica] patocracia [tirania nas mãos de psicopatas] de José Eduardo dos Santos.

A crise é ampla (afecta a vasta maioria), é antiga (surgiu com a fundação tirânico-ditatorial de Angola), é transversal (afecta os diversos estratos: instruídos e sem estudos, pobres e ricos, jovens e adultos, etc.) e é profunda (afecta a própria dignidade humana dos angolanos [“os ossos”]).

Os angolanos chegaram ao ponto de aceitar sua situação apocalíptica como realidade ontológica e destino, abrindo mão inclusive ao direito natural que têm de, como povo, se redimirem desta grave crise antropológica. É interessante que o caminho para a redenção (cura) passa pelo exercício do direito à revolução, pois é uma ingenuidade esperar que o regime eduardino devolva voluntariamente Angola aos angolanos. As fracturas e feridas da crise antropológica estão aí, e este regime, que finge estar a sará-las, não está interessado em curá-las, pois foi ele mesmo que as criou!

É necessário que os “angolanos falem política sim!”, para que voltem a ser donos do seu próprio país.

Também os guineenses se deveriam revoltar contra o «djitu ka tem». É tempo de mudar de atitude. Não esquecer que a Constituição guineense consagra o direito de o povo exercer directamente a sua soberania. Talvez esteja na altura!

Neocolonialismo

Pequena rábula no blog Jumento:

Não sei porquê tenho a sensação de que estou ouvindo algumas pessoas a falar de Timor-Leste como se fosse uma colónia portuguesa. É uma pena que não usem tanta coragem e combate a coisas más em sítios como a Região Autónoma da Madeira.

Agora até temos um polícia que chama corrupto a Xanana Gusmão e desafia-o para um tribunal. Este senhor não sabe que só é um polícia, que é um polícia estrangeiro e que em Timor mandam os timorenses. Se calhar estava a pensar em prender o primeiro-ministro timorense. Pela forma como falam tiveram sorte, nalguns países não teriam cinco dias para se irem embora, teriam sido colocados na fronteira com a roupa que vestiam.

Deus nos livre de polícias que acusam e julgam em público e fazem desafios que sabem não poder concretizar-se.

Meias palavras

Inquirido sobre a questão de Timor, o Presidente da República sonegou aos portugueses as devidas explicações. Um timorato Cavaco, começa por dizer que foi «uma reacção desproporcionada». Mas uma reacção a quê? Então assume a culpa, queixando-se do exagero da sanção aplicada?

Se Timor assume a presidência da CPLP, porque razão Angola, Portugal e Cabo Verde fazem «panelinha» e assumem despudoradamente «decisões» previamente cozinhadas, à revelia de uma discussão franca e pública daquilo que está em cima da mesa? Quantas CPLPs existem?

A intervenção de Cavaco Silva só vem piorar o caso: assume implicitamente culpas no cartório, não se oferece para ajudar a rectificar as coisas e ainda acrescenta que só devemos respeitar Timor porque está «no poder», na CPLP. Ricos ensinamentos! Ai, Portugaaaaaal!

O direito ao bom nome

O Embaixador Francisco Seixas da Costa, dedica, no Diário Económico, uma crónica à Guiné-Bissau.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Opinião

Em relação ao salário dos deputados, não concordo (completamente) com esta opinião: para que os interessados mereçam o aplauso do povo, não só deveriam rejeitar a proposta de se auto-aumentarem para o dobro (nesse caso, mais não fazem que o seu dever), como ter a humildade de apresentar uma contra-proposta, que reduzisse o salário para metade!

Quanto ao Presidente da ANP, terá de ter cuidado, não vá o povo guineense inspirar-se no burkinabê... e fazer uma visitinha a essa casa má.

Amado reassume pasta

Luís Amado posiciona-se como futuro (e virtual) Ministro dos Negócios Estrangeiros de um eventual (que tem por certo) Governo PS, criticando as «opções» de Portugal (o aluguer da soberania do país a Angola) na CPLP, a pretexto do lançamento de um livro.

Mas o que mais me intriga é a presença de Domingos Simões Pereira no evento. Mesmo atendendo ao seu estatuto de ex-secretário executivo da organização, essa participação poderá ser vista por outros actores como uma traição ao «protocolo» estabelecido...

Segundo o discurso de Amado, «a adesão da Guiné Equatorial (...) foi um dos dois "momentos de descontinuidade" que se observaram na cimeira de Dili, cujo "significado histórico" enalteceu». Portanto: o Ministro concorda com essa adesão.

Mas qual o «segundo» momento, que o senhor Ministro se esquiva a explicitar? Para reflexão... Luís Amado lamenta o alheamento da sociedade portuguesa e a ausência de discussão em torno destas opções, mas também contribui para o clima de opacidade.

A «legitimidade» de Rui Machete, cada vez mais contestada, recebeu mais um rude golpe: a partir de agora, o MNE português será tratado como um político de saída (sobretudo pelos norte-americanos, que também não morrem de amores por ele) e de nula eficácia.

Igualmente esclarecedor, no actual contexto, é o elogio do protagonismo de Timor na CPLP. De dar que pensar aos ressabiados sarnentos que nos últimos dias tomaram Xanana Gusmão como alvo da sua peçonha. Talvez DSP devesse repensar, a longo prazo, as suas políticas de aliança intra-CPLP: Timor já demonstrou a sua generosidade e que está com a Guiné-Bissau, sem impor maliciosas e humilhantes condições prévias...

sábado, 8 de novembro de 2014

A «explicação» australiana

Segundo um artigo publicado numa revista profissional de Gás Natural, os juízes portugueses foram expulsos quando um deles se preparava para «dar uma sentença favorável à Conoco» (petrolífera que explora a zona conjunta Timor-Austrália). O artigo é manifestamente tendencioso e pretende fazer acreditar que as petrolíferas estariam obrigadas ao Direito «timorense», servindo para tentar desacreditar o país, diminuindo-o de várias formas, algumas delas claramente repescadas da imprensa portuguesa:

...que deveriam ser obrigados a ter juízes internacionais, que são uma jovem e imatura democracia, que os políticos se sobrepõem ao direito, que foi um sinal negativo, que assim os investidores não podem confiar...

de facto, o que parece estar em causa, desde há dois anos, é um braço de ferro com a máfia australiana do ramo, que pretende explorar uma zona conjunta e extremamente viável de gás e petróleo, mas quer fazê-lo off-shore, para continuar a furtar-se ao controlo do Governo timorense, declarando o que bem lhe apetece.

O presidente da Conoco, numa resposta enviada via email «If the business community and potential investors are confident they will be treated fairly, East Timor’s long-term economic development will benefit», se por um lado parece acusar o Governo de arbitrariedade, por outro demonstra a continuidade de um interesse substancial a longo prazo. A imprevisível «jogada» de Xanana pode ter uma leitura, como alguns já fizeram, de irritação, de frustração, lembrando o episódio de Jesus expulsando os vendilhões do templo, às biqueiradas às bancas... O efeito da chicotada psicológica pode ser benéfico em termos negociais, se for bem gerido por Dili. Há que aprender com os erros e continuar...

Quanto a muitos portugueses, talvez estivesse na altura de deixarem de se comportar como maridos despeitados (para não usar o «cornudos») e agradecerem a Xanana o abre-olhos. Obrigado, senhor Comandante.

Quem te avisa...

A RFI publicou uma entrevista com Rafael Marques, que aconselha o Presidente angolano a olhar para o Burkina Faso:

«José Eduardo dos Santos deveria começar a preparar a sua retirada, “de forma airosa”, para que não lhe aconteça o mesmo».

A RFI afirma ter contactado o Governo angolano na tentativa «de obter uma reacção do Governo à destituição de Blaise Compaoré, mas não obteve resposta».

Faz hoje exactamente um ano que o destemido jornalista angolano ganhou o prémio da Transparência Internacional! Ver DN. Prémio que viria depois a dedicar ao jovem Nito Alves.

O erro em Timor

«O governo, o nosso, não podia ter enviado magistrados portugueses para fazer trabalho que só pode ser feito - melhor ou pior - por timorenses. O país é deles. Podíamos ser consultores, não impulsionadores, não decisores. Portugal cometeu um erro diplomático, isto é, um erro político. É a política que define as relações entre nações independentes, ainda que próximas, não a justiça.»

Opinião de André Macedo no Diário de Notícias

O erro de Angola em Bissau é do mesmo tipo que o de Portugal em Timor. A Justiça e as Forças Armadas são reduto da soberania, não podem ser partilhadas com terceiros, por mais próximos que sejam, sem prejuízo de graves mal entendidos.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Presidente timorense reforça mensagem do Governo

Numa declaração lida pelo chefe da casa civil de Taur Matan Ruak, o Presidente sublinha que foram atingidos países amigos da CPLP, da qual Timor detém a liderança. Não há qualquer sinal, no texto, que legitime as leituras que alguns estão a fazer, de que o Presidente estaria a desautorizar o Primeiro-Ministro (de par com uma campanha mediática para desacreditar Xanana). Pelo contrário, aliás. O que disse o Presidente, dando até uma dica (CPLP) para interpretação, foi que o que está feito, está feito. Vamos mas é lá agora saber olhar para a frente!

Procuradora ofende soberania de Timor à chegada a Lisboa

À chegada a Lisboa, uma magistrada exultante faz declarações irresponsáveis:

«Os documentos estão todos cá [em Portugal, na minha bagagem] fora [de Timor]».

Garante ainda a Procuradora que vai falar nos próximos dias.

Há pouco, no telejornal das 13h da RTP1.

Que guarde indevidamente documentos de países estrangeiros que exportou ilegalmente, para se defender, numa situação constrangedora em que se viu envolvida, é uma coisa que pode compreender-se; que a magistrada se comporte como uma Mata-Hari, é outra completamente diferente, legitimando apenas a sua própria expulsão, a título de espia. Continua obrigada ao segredo profissional e ao código deontológico da profissão. Lavar roupa suja em público só poderá prejudicar as já complicadas relações com Timor.

A senhora magistrada e os seus colegas, incluindo o colega cabo-verdeano deverão perceber aquilo que o MNE cabo-verdeano esclareceu logo no princípio (e que, se o seu homónimo português tivesse feito, desagravaria à partida os visados, do estigma que recaiu sobre a sua qualidade profissional): isto nada tem a ver com as pessoas em particular ou sequer os processos envolvidos, é uma manifestação de desagrado nos corredores do poder diplomático, quanto às opções (ou falta delas) da política externa e à visão da cooperação, alimentadas pelas autoridades portuguesas.

Uma simples mensagem, tal como aquela que o Presidente russo envia à NATO, ao fazer sobrevoar e navegar território português. Seria ridículo considerá-la como uma declaração de guerra. Neste caso, infelizmente para eles, os magistrados foram um instrumento (para não utilizar joguete, que seria desapropriado) de comunicação. Apenas. Como os bombardeiros e o navio hidrográfico russo.

Análise «sociológica»

Os desequilíbrios humanos e sociais cresceram como nunca nessa amálgama de Luanda, com profundos contrastes.

Por exemplo, para um povo que havia combatido o “apartheid”, assistiu-se à criação de“condomínios”, com padrões distintos de urbanização e habitação, muros altos e arame farpado, que marcam efectivamente o início de um “apartheid” sócio-cultural de novo tipo, que contrasta com o enorme espírito de solidariedade dos tempos de consentido sacrifício colectivo!

Para muitos detentores de poder económico e de capital, em especial para aqueles que vivem do comércio de grandes superfícies, ainda bem que houve tanta gente a concentrar-se em Luanda, de outro modo haveriam muito menos lucros se a mesma quantidade de população estivesse a viver num habitat muito mais disperso, ao nível do enorme espaço que constitui o território angolano…


Essa regra poderá radicalizar-se nos próximos tempos, pois uma conjuntura humana com esse carácter é, em relação à “antítese”, meio caminho andado para a fermentação de ideologias que podem alimentar “radicais”, “jovens revolucionários”, “revoluções coloridas”, ou determinado tipo de “primaveras”!

Se os antagonismos fermentarem a uma escala maior, podem um dia [destes] reverter numa explosão social, que por seu turno pode ser aproveitada pelas mais aventureiras ideologias…

O MPLA deve assumir um maior rigor em termos de consciência crítica das situações cujas tendências estão a prevalecer sobretudo na capital e levar em consideração que há vários dispositivos de inteligências externas que acompanham, ou estão mesmo por dentro dos factores de desestabilização!

Excertos de Martinho Junior (Luanda) in Página Global

O Junior percebe pouco disto. Agora é que o MPLA vai «descobrir» as gritantes desigualdades existentes na sociedade angolana? É uma boa e generosa ideia mas arrisca-se a chegar tarde demais. E não subestimem os vossos próprios compatriotas. JES é que é comandado por «inteligências externas», não os jovens revolucionários, que são verdadeiros patriotas (de outra forma não arriscariam tanto a vida) e sabem pensar pelas suas próprias cabeças. Que a revolução angolana comece a criar simpatias e partidários pelo mundo fora, não é de estranhar. Já tem os seus mártires, os seus heróis e está sociologicamente madura.

Viva Luaty Beirão!
Viva Nito Alves!
Viva Emiliano Catumbela!

Aproveito para publicar um pequeno excerto de artigo da DW sobre o efeito de contágio.

«Insurreição popular em Angola?

Em Angola, os jovens do chamado Movimento Revolucionário, que exigem já há alguns anos a saída de José Eduardo dos Santos, acreditam na possibilidade de acontecer uma insurreição popular como a que aconteceu no Burkina Faso, uma vez que “o povo está saturado”, lembra Adolfo Campos.

Segundo Adolfo Campos, o Movimento Revolucionário está já a analisar a possibilidade de organizar “uma manifestação que possa impugnar o poder de José Eduardo dos Santos”.“O povo angolano está cansado da política de José Eduardo dos Santos”, sublinha o jovem ativista angolano, lembrando que o chefe de Estado angolano se encontra “há mais de 35 anos no poder”.

O ativista está certo de que o Presidente angolano receia uma ação para o depor e, por isso, na sua opinião, implementou uma situação de terror no país ao criar uma guarda pessoal militar muito bem preparada, a Unidade de Guarda Presidencial (UGP).

Apesar disso, Adolfo Campos considera que os descontentes não receiam esta força e a queda do Presidente burquinabê é certamente “uma lição muito grande” para o Movimento Revolucionário. “Afinal de contas aqui também existe a possibilidade de tirar um ditador [do poder], uma vez que as Forças Armadas angolanas se encontram vulneráveis 
[à sensibilização a favor da causa]”, afirma o ativista.»

Cooperação sem rumo

O Economista Português julga «não haver motivo de indignação; um juiz é um titular de um órgão de soberania – apesar de não ser eleito. Portugal autorizou portanto cidadãos seus a serem titulares de órgãos de soberania num outro país soberano. Esta autorização é um erro e uma insensatez. Mas há quem, exercendo altas responsabilidades no Estado português, dê interpretações da Constituição de Timor-Leste, esquecendo que se trata de um Estado independente. Devíamos aproveitar a ocasião para revermos as infra estruturas jurídicas da nossa cooperação em vez de ensaiarmos uma recaída senil num chauvinismo bacoco, juridicamente injustificado, politicamente irresponsável e economicamente perigoso.»

Morais Sarmento, em declarações à RTP1, coloca igualmente o dedo na ferida da inconsistência e incompetência da cooperação.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Manual da Sublevação Popular

O que se passou no Burkina Faso é pleno de ensinamentos. Os grandes acontecimentos não se agendam, acontecem de forma espontânea, pura e simplesmente.

Não há dúvida que o figurino da insatisfação popular, até aqui adoptado em Angola, beneficia o «defensor» (o infractor). Pedir autorização para exercer um direito constitucionalmente consagrado, marcar hora e lugar, dá uma enorme vantagem ao adversário.

Vivemos hoje na era da instantaneidade das comunicações... Um dia destes, num dos artigos aqui citados, em relação ao Burkina Faso, surgiu mesmo a palavra Twittoesfera...

Perdoem-me que faça um parênteses, num domínio, como este, de âmbito «civil», apresentando uma analogia militar, um caso prático guineense. Como sabem muitos dos que passaram pelos calabouços da PIDE, a tortura do sono é das mais violentas que pode haver... O PAIGC flagelava os quartéis da tropa tuga durante toda a noite, com intervalos regulares: não se tratava de acertar em nada, mas pura e simplesmente de manter os portugueses acordados e num desgastante estado de alerta permanente.

Ora, para exercer o Direito constitucional à manifestação, não é necessário pedir licença ao opressor. Então só os oprimidos é que devem «respeitar» a lei, claramente viciada? O espírito da Constituição é superior a todas as leis.

Nesta senda, tem sido experimentado o conceito de flash mob, a manifestação «bate e foge».

Mas nem é preciso marcar qualquer manifestação: basta agendá-la «para breve». Um simples «clic» poderá depois despoletá-la espontaneamente, sabe-se lá como, quando ou onde.

Um ditador que não dorme descansado = um ditador ou louco ou derrotado.

Dignidade ou deturpação

Têm piada os magistrados cabo-verdeanos. Divulgam a sua dignidade «torneando» os factos... É engraçada a formulação, em declarações à Lusa:


«Dois magistrados cabo-verdianos a trabalhar em Timor-Leste decidiram cessar funções depois das resoluções do Governo timorense que culminaram com a ordem de expulsão de oito funcionários judiciais internacionais, disse hoje à agência Lusa fonte judicial. As duas resoluções foram esclarecedoras. Por uma questão de dignidade da magistratura cabo-verdiana, decidiram cessar funções, afirmou a mesma fonte. A fonte explicou que a decisão foi também tomada em solidariedade com os colegas.»

Trata-se de fazer acreditar que os dois se solidarizaram com os magistrados portugueses. Mas não, Cabo Verde fazia parte dos oito funcionários «internacionais» (7 portugueses e 1 cabo-verdeano, todos pertencentes ao «Eixo do Mal»). Logo, a história está mal contada: só um dos dois pode ter «decidido» (pois o outro foi expulso); portanto, de facto, um dos dois funcionários cabo-verdeanos em Timor solidarizou-se com o outro e apanharam o mesmo avião (tal como os portugueses, aliás, por imposição política).

O MNE cabo-verdeano fora mesmo o primeiro a reagir e muito bem (sendo um dos destinatários, deve estar por dentro dos dossiers, também esteve em Bissau na semana passada), esclarecendo que:

«Não se trata de uma ação específica em direção a esse cidadão cabo-verdiano, mas sim de uma medida que as autoridades timorenses decidiram tomar.»  

Talvez o Senhor Ministro Jorge Tolentino pudesse ir mais longe e explicar as verdadeiras razões que conduziram a este estado de coisas.

Oposição angolana prepara mega-manifestação pacífica?

Em artigo do Club-K subscrito pela UNITA, reconhece-se que a queda de Compaoré representa uma oportunidade de ouro para os angolanos saírem à rua e provocarem a derrocada do regime. Num outro artigo do Angola24Horas, também subscrito pela UNITA, defende-se que Angola está «à beira de um colapso total», sugerindo que «os bons do MPLA, da UNITA, da FNLA, da CASA-CE, etc etc se juntem para contagiar os maus de Angola, através duma manisfestação pacífica bem organizada nas ruas, com lenços brancos significando a paz, e convençam JES a partir para a reforma tranquilamente».

Transcrevo igualmente alguns excertos relevantes, do discurso proferido por Isaías Samakuva, presente em Lisboa, precisamente no momento (durante o dia 30 de Outubro) em que Compaore caía nas ruas da amargura:

«Angola é um país maravilhoso, onde se pode ganhar muito dinheiro em muito menos tempo, se calhar, em menos tempo do que noutras partes do Mundo. Porém, esta facilidade encobre uma séria doença cancerosa que preocupa os que olham para o seu futuro. Por isso dizemos que Angola atravessa um daqueles momentos críticos da história de uma nação que redefinem o seu futuro. Como já dizia há uns dias atrás, há um conflito sério entre Angola e o regime que a governa. Os angolanos querem mudança, mas o regime continua fixado no passado, esticando a crise social e institucional ao limite da ruptura, na sua vã tentativa de subjugar Angola e comandar o futuro. A intensidade do conflito entre estes dois polos - o do regime e o dos Angolanos - cresceu de tal forma que um terá de sobreviver ao outro. Hoje, temos em Angola uma democracia tutelada por um Partido-Estado, que organiza processos eleitorais viciados para sequestrar o poder político que é exercido por formas não previstas nem conformes com a Constituição.»

(...)
«Os níveis de desgovernação e de corrupção tornaram-se insuportáveis. Alguns mais velhos dizem correctamente que “Angola precisa de uma nova independência”. De facto, há necessidade de uma nova ordem política, uma nova matriz económica e uma nova cultura de governação. O actual governo chegou ao seu fim porque já não consegue reunir condições políticas de governabilidade e de legitimidade para se manter em plenitude de funções.»

Um abraço de Dili

Um Primeiro-Ministro português de fugida, dispensou menos de um minuto para debitar um comunicado sobre um caso gravíssimo, no qual Portugal foi gravemente humilhado, sem direito a perguntas dos jornalistas, num tom lamechas e despeitado, balbuciando provérbios mal citados (é «por baixo da ponte» e não «por baixo das pontes»), chorando sobre o leite derramado: «lamento profundamente que tudo aquilo que foi a troca de informação que foi registada antes destas decisões serem tomadas não tivesse sido suficiente».

Não era decerto esta a explicação que esperava Francisco Seixas da Costa. No entanto, Pedro Passos Coelho respondeu à principal interrogação que o Senhor Embaixador exprimiu no artigo recentemente publicado sobre o assunto e aqui glosado. O Primeiro-Ministro português admitiu ter «havido uma má leitura de sinais (...) do conhecimento do lado português», ou seja, agravou ainda mais o caso, confessando que trataram um caso desta dimensão com uma insustentável ligeireza, ou melhor, uma infeliz arrogância de ex-colonizadores disfarçados de cooperantes, grosseira negligência e escassa diplomacia.

Há, no entanto, vários sinais que permitem fazer a leitura correcta da mensagem de Xanana. Um deles é o protagonismo que tem assumido o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Timor, que havia participado, com Rui Machete, em Bissau, no encontro de MNEs da CPLP, o qual já veio por mais que uma vez colocar água na fervura. Bissau parece ter sido a gota de água que fez transbordar o copo. Será compreensível que os homólogos estivessem juntos, com este assunto em ebulição, e o caso não tenha nada a ver com a CPLP e o próprio conceito de cooperação?

As actuais autoridades portuguesas são actualmente uma simples dependência de Luanda, num frenesim de exploração petrolífera desenfreada que conduzirá aquele país africano ao esgotamento dos seus recursos em poucas décadas. Desse dinheiro, só uma ínfima parte tem servido para desenvolver as condições de vida dos angolanos. Timor não tem qualquer interesse em cooperar com autoridades corruptas nem aderir a modelos de desenvolvimento desadequados e pouco consistentes. É insatisfatório lidar com um país completamente desidentificado politicamente, até por respeito pela sua grandeza histórica. No entanto, Portugal mantém-se intacto no coração dos timorenses e no seu papel mítico.

Claro que os magistrados comeram por tabela, se bem que não sejam decerto propriamente santos, ou sequer, pelos vistos, muito competentes. Muito técnicos e virados para o rei no umbigo do Direito português, revelam dificuldades em interagir com outros factores relevantes, quando enxertados em ambientes exóticos (talvez sejam portugueses de má qualidade). De qualquer forma, é sempre arriscado ir lavar as mãos aos outros na casa deles; toda esta campanha que fala em «mãos limpas», ainda para mais, depois de expulsos, soa a falso. Em vez de lavarem as mãos aos timorenses, emigrem para Angola e vão lavar o rabinho de José Eduardo dos Santos (com carqueja, claro, para não ofender), lá há muita corrupção para investigar. Ah! E entretanto voltem para a escola, não copiem e aprendam a não dar erros ortográficos. Eheh

O que Xanana está simplesmente a recomendar, é uma revolução em Portugal (e já agora, em Angola). A mensagem é clara: «gostamos muito de vocês, mas enquanto estiverem por aí esses governantes, não queremos nada convosco. Quando se livrarem deles voltaremos a falar de coisas sérias.» Em entrevista à Lusa, Xanana diz que gosta muito de Portugal, que isto nada tem a ver com os portugueses e até manda um abraço. Recorre-me a frase de Cabral... «A nossa luta não é contra o povo português...»