Algumas nebulosas rodeiam o projecto hidro-eléctrico sino-guineense de Kaleta, recentemente defendido como solução para o abastecimento de electricidade na Guiné-Bissau, n'O Democrata (ver link à direita).
É estranho que o projecto da empresa chinesa de capitais estatais, responsável pelo projecto, em lugar algum da sua página da internet sobre o assunto, dê conta da localização exacta do projecto, o que deu origem a um erro da wikipédia, ao confundir duas localidades homónimas, sem desambiguar. Os jornalistas propagaram vários erros geográficos nos artigos que foram escrevendo sobre o assunto.
A origem do projecto estaria numa promessa eleitoral de Alpha Condé, de aliviar o carácter irregular do abastecimento de energia eléctrica. Estaria, em 2011, a contar com promessas de George Soros para financiar a fatia de 1/4 do investimento que caberia ao estado da Guiné-Conacri no projecto (financiando um banco chinês, evidentemente igualmente estatal, os restantes 3/4), o que não chegou a acontecer, tendo este conseguido a maioria dos fundos junto da CEDEAO, manifestando-se a posição do Senegal instável, entre o projecto de electricidade gambiana, o guineense e um eventual projecto próprio.
Logo no início, os trabalhos depararam-se com alguns imprevistos, como infiltrações, que atrasaram o projecto, e foram dadas instruções silenciando os técnicos, sobre o andamento. O presidente visitou o estaleiro em Junho deste ano, dando conta, com pompa e circunstância, de «grandes avanços» e de cerca de 75% de execução. No entanto, há componentes cujo fabrico, teste e transporte estão mais atrasados, revelando-se as declarações que foram sendo produzidas sobre os trabalhos bastante díspares e inconsistentes quanto ao cronograma previsto.
Quanto à capacidade de transporte da electricidade, na reportagem (clique na imagem para aceder) dedicada pela televisão guineense à visita presidencial a Kaleta, um engenheiro referiu como destino da electricidade Conacri, e eventualmente, Fria, cidade das proximidades, deixando implícito não estar, para já, prevista, qualquer linha para Noroeste, em direcção à Guiné-Bissau (ou em qualquer outra direcção, aliás).
No entanto, um dos entusiastas e pioneiros do projecto, o ex-Ministro da Energia, após ter sido despedido do cargo, em Janeiro deste ano, sugeria, em entrevista a uma rádio, que as expectativas do projecto estavam muito inflaccionadas junto da opinião pública, avisando que a potência prevista, de 240MW, só se verificaria, no melhor dos casos, sazonalmente, caindo para 45MW, no pico oposto, ou seja, o referido projecto só poderá garantir um abastecimento irregular. Da potência total anunciada, só uma parte inferior a 1/5 é certa e contínua, não sendo suficiente para as necessidades do país, e, na sua opinião, só com um próximo passo, a construção de uma outra barragem, complementar, nas proximidades do mesmo rio, o Konkoure, se poderia dar por resolvido o problema do abastecimento local em energia (isto, para não lembrar que, extraindo bauxite, poderão absorver imensa energia). As dúvidas aumentam quando se pode ver o projecto classificado, num site chinês de apoio à decisão, como de «suspicious or inactive».
A conclusão parece bastante óbvia: a grandeza do projecto não é sequer suficiente para as necessidades da Guiné-Conacri, não estando prevista (nem sendo expectável) a sua «canalização». A esperar pela segunda barragem (cujo financiamento ainda não está previsto), mesmo que os chineses continuassem com bom ritmo (espera-se, embora sem muita convicção, que a primeira turbina de Kaleta entre em funcionamento daqui a pouco mais de seis meses, em Maio de 2015), o país vizinho só virá a ser, eventualmente e na melhor das hipóteses, electricamente excedentário, já bem adentrados na segunda década deste século.
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PS Acabei de ler, no mesmo jornal (que se está rapidamente a tornar numa referência nacional), um magnífico artigo assinado pela redacção, em torno da função de Porta-Voz do Governo, que merece ser lido. Parabéns!