Como resposta à publicação das falsificações pretendendo confirmar a vitória do usurpador Alpha Condé, Cellou, que conserva por mais duas semanas a possibilidade legal de recurso em relação aos resultados agora anunciados, reafirma em comunicado a sua posição de vencedor e renova o apelo à insurreição popular. O regresso à normalidade está fora de questão: o poder desceu à rua.
sábado, 24 de outubro de 2020
África ocidental nas mãos de gananciosos incendiários
A actualidade do continente conjuga-se sob o prisma da violência. Da Costa do Marfim à Guiné, passando pelo Mali e Nigéria, África é consumida e destruída: no centro da trama, o drama de "gananciosos" pelo poder que se opõem ao despertar republicano.
Como consequência, o outrora laboratório da democracia em África cedo vestiu a farda da autocracia. O pretexto é rapidamente encontrado, através de nova cartilha. Modificação da Constituição e blindagem do sistema eleitoral para uma infalível eternização no poder. Como se fossem federados ou por imitação, os países da sub-região tinham quase todos limitado a dois os mandatos presidenciais. Citados como exemplo pela comunidade internacional e parceiros de desenvolvimento, muitos africanos disso se orgulhavam... Infelizmente, era não contar com a embriaguez que caracteriza a maioria dos líderes, ou daqueles que aspiram à conquista do poder.
Tendo em vista o exposto, cabe questionar se Costa do Marfim, Burkina Faso, Bénin, Gana, Níger, Senegal, Togo, que têm também encontro marcado com as urnas nos próximos tempos, estão expostos a semelhantes tendências do modelo, pelos mesmos motivos.
A quase institucionalização da má governança é dramática para o povo, atolado na miséria e na pobreza. Mais lamentável ainda, é que recursos que poderiam ter contribuído para a implementação de projetos de desenvolvimento e contribuído para o bem-estar de todos, sejam colocados ao serviço de alguns indivíduos para salvar a cadeira, concebida como trono.
O povo que estes poderosos afirmam defender serve-lhes apenas como tapete para desfile das suas inconfessas intenções. Só um verdadeiro despertar republicano dos africanos permitirá reverter esta tendência.
Alpha assina sua própria sentença de morte
Como muitos defendiam antes das eleições, mais do que ingénuo, era ridículo pensar que Alpha Condé se dera a todo o trabalho de violar a constituição para depois ficar simplesmente dependente do voto dos seus concidadãos. Obviamente que estava disposto a tudo. Acaba pois de consumar o seu golpe de Estado, rematado pela publicação dos resultados definitivos pela CENI, que lhe atribuem uma fraudulenta vitória com 60% dos votos.
Cellou teria tudo a ganhar em livrar-se rapidamente da batata quente, mostrando-se consequente pela proclamação como Presidente. Nessa condição, poderia legitimamente resignar a favor de uma Comissão de Transição, com Agenda bem definida. Isso tiraria o tapete ao golpista que julga que o tem na mão, desacreditando a contestável legalidade da eleição para o título em disputa. A mensagem para Putin seguiu por via ferroviária.
Já Paris está claramente a desperdiçar o momento por indecisão, temendo aquilo que poderá passar-se no próximo Domingo na Costa do Marfim. Não decidir é pior do que decidir mal, Monsieur Macron... Só a morte natural pode salvar o ditador da pública desgraça: a morte de Kadafi vai parecer abençoada, comparada com aquela que lhe está reservada, fruto do ódio visceral e viva repulsa que instilou no coração dos seus compatriotas.
sexta-feira, 23 de outubro de 2020
A Guiné barricada
Conacri declarada cidade morta pelos comerciantes. O território é palco de virulentas manifestações. Erguem-se barricadas nos principais cruzamentos rodoviários. Um fim-de-semana de revolta popular em perspectiva, antecipado no exterior pelos ataques de fúria às embaixadas. É todo um povo indignado pela inércia das instituições internacionais e sub-regionais, perante as evidências de ter sido espoliado do seu voto por fraude de um candidato inelegível, Alpha Condé. Um braço-de-ferro que se arrisca a descarrilar em genocídio, o qual só pode ser evitado com a saída do país do usurpador, permitindo acalmar os ânimos e organizar uma transição tranquila, na base de nova constituição expurgada, da despolitização da CENI e da realização de eleições gerais credíveis.
Estado de insurreição
Corte de comunicações em Conacri: os serviços de telemóvel e de internet foram cortados ao princípio da manhã, enquanto se ouviam tiros e rajadas nos subúrbios de Sonfonia. São os últimos estertores de um regime agonizante. Os mais chegados ao velhadas estão a ver como salvar o couro e preparar a transição... Doravante, Alpha Condé nem nas boinas vermelhas pode confiar. Como prefere o tiro de misericórdia? De frente ou pelas costas? De qualquer forma, paz à sua alma (pois do corpo tratarão os abutres).
Pegadinha
Ao mesmo tempo que era tornada pública a demissão de dois responsáveis da CENI denunciando as falcatruas de Alpha Condé, um infiltrado com câmara escondida desvendava também sistema de enchimento de urnas.
quinta-feira, 22 de outubro de 2020
Requisição do exército
Numa aparentemente inexorável fuga para a frente, um Alpha Condé acossado tenta reforçar com as forças de defesa a repressão promovida pelas forças de segurança. Ao enviar os militares para as ruas, entra em guerra com o seu próprio povo, tornando-se num alvo a abater para qualquer patriota. Um fim penoso e execrável, como genocida, para o esquizofrénico professor da Sorbonne.
Bem pode o presidente cessante e candidato a usurpador tentar vender ao mundo a sua falsificação dos resultados eleitorais, enquanto os jornalistas revelam gravações no Hotel Kaloum, descobrindo a corrupção da equipa de observadores da CEDEAO, comandada por José Maria das Neves, o qual se apressou a lavar as mãos em relação ao período pós-eleitoral, abandonando o local do crime.
Macron fait le sourd
A loucura assassina de Alpha Condé
Um bom resumo da actual situação, retomando os temas expostos neste blog.
Diabolização do tribalismo
O tribalismo não é forçosamente mau. Que representou, em Portugal, a campanha "compre o que é nosso" ou "vá para fora cá dentro", se não um apelo ao sentimento tribal? Como tudo, o tribalismo tem uma parte boa e uma parte má, mas é uma estrutura identitária africana, só muito lentamente sublimável em nação, carecendo para isso de um caldo sociológico favorável.
Julgo que é essa a mensagem principal da obra-prima da literatura africana, merecedora de Nobel (incomparavelmente mais que o beneficiado português Saramago), "Mayombe", de Pepetela, que, já agora, vou reler uma outra vez com prazer (pois não o faço há muito, é um livro de culto, para mim), apesar de saber que acabo invariavelmente em lágrimas.
Reduzindo a preto e branco e passando sobre o simplismo da formulação, assiste-se em Conacri a uma batalha escatológica entre o tribalismo bom de Cellou, contra o tribalismo mau de Alpha. O desenlace poderá constituir um ponto de viragem crucial para o futuro do continente.
Fulos com o equívoco
A diabolização étnica que Alpha Condé está perigosamente a empreender, por sua conta e risco, numa altura em que já perdeu a legitimidade, não passa de um equívoco. Se já o era há uma década quando Alpha subiu ao poder, e mais ainda há cinco anos aquando da sua polémica reeleição, hoje é uma verdade tribal insofismável: os fulas começaram a ganhar dinheiro graças ao seu espírito organizado e são aqueles que estão mais interessados na estabilidade e numa governança sustentável da sub-região.
A frieza dos franceses (em desespero no Mali e de olho numa forma de colmatar a falência da operação Barkhane) em relação a Alpha Condé, é sinal evidente de desgraça e abandono à sua sorte por parte de Paris, apesar dos receios em relação a eventuais precedentes para as eleições a ter lugar ainda este mês em vários países da sub-região. Depois de lavar discretamente as mãos em relação ao chefe dos comandos morto em Kindia, a diplomacia francesa parece confinada a uma estranha apatia e indecisão.
Fraude com o rabo de fora
Em Conacri, a CENI (Comissão Nacional Eleitoral Instrumentalizada) continua a publicar resultados a conta-gotas, elevando para 20 (dos 34) distritos eleitorais aqueles cujos resultados já se conhecem. É, no mínimo, curioso, constatar que no distrito eleitoral onde Alpha Condé apresenta melhor resultado, Faranah, o número de votantes é superior ao de inscritos...
Resta saber o que querem fazer com os bastiões de Cellou, se os querem guardar, para cozer com batatas. A estrutura de totalização está confundida: não será possível adiar por muito mais a publicação do somatório. Não admira que já haja quem diga que, se o país se começar a arder, a culpa deve ser activamente assacada à CENI e passivamente, à CEDEAO...
quarta-feira, 21 de outubro de 2020
A coragem de Cellou
Coordenador da UFDG em Conacri abatido a tiro. Instalações vandalizadas pelas forças de "defesa e segurança". Cellou resiste a todos os assaltos morais.
Condé faz muito pior que Yaya Jammeh, agarrando-se ao poder que nem uma lapa, impunemente e com elevados riscos para a estabilidade da sub-região.
Cellou está empenhado em virar o feitiço contra o feiticeiro, apresentando-se como verdadeiro estadista, opondo à violência o discurso da reconciliação.
Confinamento em Conacri
Condé prepara-se para decretar o recolher obrigatório, pretendendo a todo o custo espoliar Cellou da sua incontestável vitória, negociando uma segunda volta que espera ainda poder vir a ganhar (ou fingir ganhar), à imagem da eleição anterior, apostando no fantasma étnico.
Contudo, o vírus da alternância já se propagou por toda a sociedade e não pode ser debelado com este género de medidas tomadas por um velho xéxé, perdida a dignidade presidencial. Quem de facto está confinado é Alpha Condé, ao palácio presidencial. Cellou está apenas recolhido.
Supremo dá razão a Cellou
O Tribunal Constitucional da República da Guiné considerou inconstitucional a tentativa de escamotear os resultados eleitorais via "extravio" administrativo, declarando válidos os processos verbais legítimos e originais cujas cópias estão em poder da oposição.
Alpha 4% em Labé
Aderindo ao modo de apresentação selectiva dos resultados eleitorais, adoptado pela CENI de Condé:
na maior cidade do centro da Guiné Conacri, Cellou Dalein Djaló recolhe quase 91% dos votos.
Novo presidente cercado
O perdedor Alpha Condé, em Conacri, tenta a todo o custo aldrabar os processos verbais das assembleias de voto, os quais são públicos e atribuem a vitória ao opositor. Numa autêntica confissão de derrota, enviou forcas anti-motim para cercar o domicílio do vencedor.
A CENI, que de I nada tem, publicou uma amostra enviesada e não representativa (aliás escolhida a dedo) de lugarejos em que o usurpador ganhou com 51% dos votos, escondendo os resultados de todo o resto do país, numa óbvia tentativa para ganhar tempo.
Alpha Condé prepara uma farsa pós-eleitoral, seguida de um banho de sangue, para conseguir o seu famigerado terceiro mandato ilegal, com o apoio de vários presidentes da CEDEAO e a vergonhosa conivência do trapaceiro José Maria das Neves, em turismo na região.
Apesar das diligências do corpo diplomático, que tenta convencê-lo a admitir a derrota e a partir para o exílio, para evitar o derramamento de sangue, o ditador agarra-se senilmente ao poder, reprimindo manifestantes com balas reais e eliminando "rebeldes" em público.
PS A falta de legitimidade é total: os fantasmas de Boubacar Keita e Blaise Kampaoré pairam de asas dadas sobre Conacri.
sábado, 17 de outubro de 2020
A insustentável ligeireza dos Fernandos
Falência iminente
Armée amère
Não basta perseguir Sarkozy pelo envolvimento na Líbia, ou chorar sobre os erros estratégicos de Hollande, Paris deve compreender que há facturas históricas. Quem avisa... 1 2
Espada de Dâmocles
Correm mesmo vários rumores dando conta do alastramento da revolta nas fileiras castrenses. Apesar do discurso oficial do porta-voz do Ministério da Defesa, declarando pelo Facebook ter reassumido o controlo da situação, nada no terreno parece confirmar essa versão. Pelo contrário, certas fontes referem-se ao desbarato de uma coluna governamental nas redondezas de Kindia, após cinco horas de combate e com um balanço de dez mortos.
É o canto do cisne do regime: quebrou-se o fino fio de cabelo que suspendia a espada e poupava Alpha, que quer abrir caminho para a presidência marchando sobre os cadáveres dos seus concidadãos. Estes têm o direito de resistir. Parece estar claro que, nas actuais circunstâncias, ninguém vai aceitar qualquer declaração de vitória de Alpha Condé, o qual deve abandonar o país sem mais delongas, se quiser poupar-se a grandes dissabores.
quarta-feira, 14 de outubro de 2020
Maior desejo
O maior desejo de DSP, expresso a Cristina Peres, na despedida de uma entrevista sem contraditório, é voltar à Guiné-Bissau como homem "de Estado". É nessa condição de puro autista que insiste em ofender quem o derrotou em eleições democráticas justas e transparentes?
PS Não fosse a peça claramente encomendada, qualquer jornalista decente e imparcial agarraria a deixa e não deixaria de perguntar o que é que o impede de satisfazer esse desejo comezinho... Final claramente infeliz, rematando todo um discurso ressabiado de mau perdedor.
terça-feira, 13 de outubro de 2020
Perguntar não ofende
Qual é a diferença de discurso, da Liga para o advogado de Aristides?
_Nenhuma, DSP paga aos dois, mas ambos são medíocres.
sexta-feira, 9 de outubro de 2020
A apolítica apocalíptica
A "legítima" Ministra da Agricultura que finge nada querer com a política, pretende que a autorização de comercialização de madeira vai afectar os seus viveiros, cujo objectivo era a replantação de seis hectares por região, aquilo a que pomposamente dá o nome de campanha de reflorestação...
Se calhar mais vale autorizar inteligentemente o corte, obrigando a uma efectiva reflorestação de uma área desbastada bastante maior. Isso da iniciativa estatal, com a instabilidade que promove o Partido que a elevou a Ministra, parece ser uma política claramente contraproducente e sem futuro.
quinta-feira, 8 de outubro de 2020
Parte dos guineenses
PS O editor esqueceu-se de referir o carácter de exclusividade do texto de JH, desencantado depois de longa ausência aos assuntos guineenses.