Ou foi o Sapo que engoliu a Lusa? O facto é que o casamento do «Sapo com a Lusa» não foi muito feliz.
Os senhores jornalistas decerto têm consciência da responsabilidade que tem um título. Se já não têm, deveriam ter. Desde Gutenberg que as garrafais, para além da questão económica (que já não se coloca nas publicações virtuais) de gastarem bastante mais tinta, cumprem igualmente uma importante função de criação de sentido, enchendo o olho e povoando a mente do «consumidor».
Continua a ofensiva da estupidificação mediática, como se ainda nos encontrássemos há duas ou quatro décadas atrás, num quadro epistemológico de comunicação massificado, do Um para todos, em que uns produzem (cozinham) a informação e os outros consomem acriticamente. Hoje, as pessoas interessadas podem aceder à informação na Internet, trocar ideias com os outros, num novo modelo de Todos para Todos... A mudança de paradigma, um maior acesso ao contraditório, com a perda de poder associada, parece não ter sido ainda inteiramente assimilada por certo tipo de profissionais do ramo, desmerecedores da dignidade da profissão, redundando em actos de negação, a soldo de inconfessáveis interesses e compadrios, bem mais inqualificáveis que qualquer acto de censura assumido no tempo do tempo dos dinossauros da velha senhora, ao travestir tendenciosamente a realidade. Mas deixando o à-parte e voltando ao nosso assunto.
DÍVIDA PÚBLICA CONTRAÍDA DURANTE A SEMANA CAIU 45% EM RELAÇÃO À SEMANA PASSADA
O título ficava longo demais? Inventassem outra coisa! Para além disso, baseia-se numa não notícia, pois foi a semana passada que foi claramente excepcional, nesse campo, em relação às anteriores (talvez por um aumento das exigências nas contra-partidas de câmbio, uma vez que ninguém, no seu perfeito juízo, compraria a farsa que constituem os Título do Tesouro angolano, como, aliás, reconhece implicitamente o próprio artigo). Os valores apenas começaram a voltar ao normal das semanas anteriores. Recomenda-se aos senhores jornalistas que façam o trabalho de casa, abram o Excel, coloquem os dados fornecidos pelos relatórios semanais do Banco de Angola numa tabela muito simples e façam um gráfico antes de dizerem barbaridades.
Mas não só. Já agora, desmascare-se, utilizando apenas os dados do artigo, a «conspiração» contra a inteligência do leitor. O Banco de Angola terá concentrado as exigências de contrapartidas, em termos de absorção de kwanzas (colocação de dívida), nas duas últimas semanas, com especial ênfase na primeira das duas, conseguindo mobilizar excepcionalmente, nestes quinze dias, um total de kwanzas equivalente a 200 milhões de dólares, ou seja mais do dobro por semana (100 milhões) do que a média (desde que, em Fevereiro, o Banco Nacional de Angola iniciou a colocação no mercado destes instrumentos financeiros). Mas, mesmo considerando estas duas semanas «representativas», talvez fosse inteligente os senhores jornalistas relacionarem esse total com os 20 000 milhões previstos para o ano inteiro no OGE. Rapidamente chegarão à conclusão que, mesmo considerando que, daqui para a frente, se manteria este «ritmo» de «poupança interna», nem um quarto do previsto será realizado (e estou, uma vez mais, a ser simpático, pois nem sequer retirei às contas o mês de Janeiro, que não contou, nem considerei a média das semanas anteriores, em que foi muito mais baixo), colocando a descoberto um desequilíbrio estrutural passível de colocar em causa as finanças do país.
Como é possível coadunarem acriticamente afirmações como «o dólar norte-americano disparou mais de 10%, face ao kwanza, nos últimos seis meses» com «taxas de juro de 7%, descrita pelo Governo angolano como um dos mais altos retornos do mundo neste tipo de produto financeiro»? Eu faço-vos umas contas simples, já que não parecem muito dados a números. Vamos imaginar que sou um investidor estrangeiro, atraído por um artigo deste género e qualidade... Comprei em Novembro, com dólares, quando o câmbio estava a 100, títulos do tesouro, com juros de 7%. Passados seis meses, o dólar, segundo o câmbio oficial perdeu 10% e se continuar a fazê-lo ao mesmo ritmo, terá perdido 20% no fim do ano. Vou receber 107% do investimento em kwanzas, mas entretanto, quando os voltar a converter em dólares, perceberei que de facto tive um taxa de juro muito maior, de 14,6% (pena é ser negativa). Bem sei que o mundo está em crise, mas chamar a isso um dos mais altos retornos do mundo... Claro que, nestas contas, nos cingimos à informação oficial, pois se fôssemos a entrar em consideração com o verdadeiro «valor» do kwanza, o coitado do investidor ficaria ainda mais desmoralizado.
Não falta também ao artigo, para apimentar a questão, a já recorrente mas sempre curiosa fixação na criação, de todas as peças, de um misterioso ponto de inflexão, que teria ocorrido algures em Janeiro («as coisas bateram no fundo mas agora estão a recuperar»). O verdadeiro problema é que o regime está cada vez mais empenhado num beco sem saída, sendo impossível fazer marcha atrás, sem que caia toda a farsa em que assentou as premissas para fazer face à crise monetária, devendo temer-se, pela leitura desapaixonada dos sinais de angústia difundidos, um colapso iminente.
Aos «jornalistas» responsáveis pela peça:
Vão passar atestados de estupidez a quem vos fez o nariz!
(a parte do apêndice recupera uma expressão da minha avó)
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