A «revisão» em baixa do OGE angolano não passa de um amontoado de incongruências, evidenciando flagrantes inconsistências estruturais. Ontem, à saída do Conselho de Ministros que o aprovou, o Ministro das Finanças revelou os números.
Apesar da prudência da cotação adoptada para o petróleo ($40, sobretudo atendendo a que na semana passada esta parece ter encetado uma ténue recuperação), mantêm-se algumas questões relevantes:
1) Se, no ano passado, o petróleo representou mais de 3/4 das receitas fiscais, utilize-se essa estrutura para deduzir que, dos 7,2 biliões de kwanzas de receitas anteriormente previstos, cerca de 5,2 tinham essa proveniência, ficando essa parte agora (mesmo não considerando uma fatia fixa relativa ao custo de produção), reduzida a 2,6, quando calculada (por excesso) a metade da cotação do petróleo. Para respeitar a estrutura, a despesa deveria ser reduzida para cerca de 3,5 biliões. O que foi pragmaticamente resolvido, agregando à receita fiscal uma componente de «receitas patrimoniais e de endividamento», pela diferença, que se traduz em aproximadamente 2 biliões de kwanzas de endividamento líquido (estimado por defeito).
2) Entre outros, «indicadores» e «perspectivas»: o país decidiu adoptar uma política de oferta completamente inelástica relativamente à cotação, falando-se em manutenção do nível de produção... No entanto, mesmo pressupondo que isso fosse economicamente viável, é uma clara falácia que isso seja associado a um crescimento de «9% no sector», pois esse «crescimento» não se mede em barris, mas em dinheiro; ou seja, calculando a metade do preço do petróleo, seria preciso produzir o dobro, para obter esse mesmo efeito.
No entanto, todo o raciocínio anterior tem uma grave falha: o OGE angolano não é expresso em dólares, como o petróleo. Ou seja, o OGE arrisca-se a pecar por defeito, com as receitas fiscais do mês de Dezembro a ultrapassarem em muito as estimativas para todo o ano. Talvez seja melhor o Banco de Angola encomendar já o papel, pois a massa monetária arrisca-se a ser escassa para o nível de preços e seria pouco sensato deixar instalar uma dolarização da economia.
3) Deve haver uma gralha: no fim do artigo, onde está «na última previsão do Governo, a inflacção deverá este ano oscilar entre os 7 e os 9%», para não falhar muito, o Senhor Ministro deveria ter acabado a frase com «por mês».
A propósito do «milagre» do OGE rectificativo, vejam-se também as declarações do Presidente.
É muito bonito que Portugal exporte para Angola, este parceiro representa avultadas receitas. Era igualmente bom que, às receitas, correspondessem os respectivos recebimentos. No entanto, se não pagaram no tempo das vacas gordas... Os portugueses já deveriam ter aprendido com os erros: a antiga COSEC que o diga (para não falar de empresários avulso)!
Glossário:
Receita, entende-se o registo contabilístico de algo que se vendeu ou produziu, por contrapartida da dívida assumida na factura pelo comprador, valor que será mais tarde «anulado», nessa conta, pelo recebimento em caixa da quantia correspondente, titulado pelo respectivo recibo. Venda > Receita > Recebimento
A perspectiva de um fluxo financeiro deve ser considerada a título de variações ao «passivo» e expurgado da actividade económica (e não misturado, para aumentar a sua opacidade). Portanto, o défice real implícito, no agora revisto orçamento, é muito maior. Em tempos de refluxo financeiro, uma economia que necessita de um fluxo exógeno tão importante (porque perdeu a sua quase mono-fonte de financiamento - o petróleo representa 98% das exportações), não parece ter grande credibilidade, logo, grande futuro. Emprestar dinheiro a Angola é contribuir para a manutenção de um regime ditatorial, corrupto, ineficiente e em estado terminal, comportando, evidentemente, um risco muito elevado.
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