Uns alunos do secundário fizeram uma visita à Assembleia da República aquando do recente debate sobre o Acordo (ou Aborto) Ortográfico (que este blog não respeita). Transcrevo pequenos excertos de carta enviada por um dos alunos, ao Presidente da AR e a todos os Grupos Parlamentares:
Ex.mos Srs. Deputados
No dia 17 de Janeiro as turmas de 11º ano da Escola Secundária da Amadora deslocaram-se à AR para assistir a uma sessão parlamentar a decorrer no hemiciclo (das 15h às 17h). Venho por este meio expressar o meu (e não só o meu pois foi geral) profundo desagrado em relação àquilo a que a nossa comunidade escolar assistiu. Sinceramente, quando comecei a ouvir todo o barulho proveniente do hemiciclo nem pensei que fosse dos deputados. É-me difícil compreender como é que hoje em dia o poder em Portugal está reduzido ao que vimos. Na sessão a que assistimos, “meia dúzia” dos deputados ouviam, de facto, um ou outro discurso, mas a maioria levantava-se quando queria, trocava de lugar, cumprimentava os colegas, utilizava os computadores ou via o telemóvel, passando a imagem de profundo desinteresse pelo que se estava a passar, fazendo lembrar o ambiente que por vezes se vive nas salas de aula, mas muito pior. A minha geração vai, se não for obrigada a emigrar, com certeza fazer alguma coisa para mudar isto, mas a dúvida que se impõe é se essa mudança vai provir de nós ou se as gerações adultas do presente também se vão esforçar para não serem lembradas para a história como quem afundou Portugal. Talvez isto não vá servir de nada, mas eu, como português, senti-me obrigado a fazer alguma coisa.
Obrigado pela atenção, Carlos Tavares
Não é apenas a boa educação e o conceito de democracia, que todos esses senhores ofendem. É que a representatividade, ao contrário do que pensam, não é unívoca, num só sentido: considerados «representativos» da fatia (cada vez menor, o que não é de estranhar face a este género de comportamentos) dos que neles votam, estão a ofender boa parte deles, que não se reconhecerão satisfeitos com a qualidade da «amostra».
O desafio lançado, às actuais gerações, é claramente o da reinvenção, não apenas do sistema, mas da própria maneira de fazer política, em que a participação cívica se reduz a depositar periodicamente uma cruz num papelinho. Nesse ponto, a constituição da Guiné-Bissau é exemplar, ao dar precedência à soberania do povo sobre a delegada na Assembleia, consagrando o direito a exercê-la directamente.
Na redacção original da actual Constituição Portuguesa, o número 2 do Artigo 49 consagrava o Direito à Acção Popular como instrumento da democracia participativa, tendo o seu conteúdo sido muito atacado, mas mantendo-se até hoje, desde a revisão de 1982, no número 2 do Artigo 52. Esse é o tema de um artigo hoje publicado, que se recomenda vivamente aos jovens estudantes da Amadora, cujo sentimento patriótico salta à vista.
Resumindo: «O indivíduo, na qualidade de cidadão, é titular de um interesse geral e objectivo na legalidade e, face ao reconhecimento e protecção jurídica conferido pela atribuição do direito de acção popular, passa a ser titular de um direito subjectivo de carácter cívico.»
Já São Tomás de Aquino, Pai da Igreja, defendia que, quando o soberano mantém os súbditos sob uma insuportável tirania, sobre eles exercendo uma intolerável violência, é legítimo, podendo mesmo tornar-se obrigatório dever moral, o Direito de Revolta, procurando outras formas de organização, colocando como única condição, a inteligência, ou seja, que a situação não se torne pior, em termos de violência, do que aquilo que já era, que a emenda não seja pior que o soneto.
Sob este ângulo, a revolução que se pretendia com a tomada do poder pelo PAIGC, foi um autêntico desastre, passados quarenta anos; já a situação saída do contra-golpe de 12 de Abril, passados dois anos e uma transição política tranquila de regresso à legitimidade democrática, foi um verdadeiro sucesso político, apesar do desastre económico (agravado pela ostracização a que foi injustamente sujeito o país, durante esse período).
Segundo a Dra Mariana Sotto Mayor, o Direito de Acção Popular terá caído em desuso na Idade Média. No entanto, isso parece fazer tábua rasa do importante e original papel político desempenhado pelos concelhos, em Portugal, não só através do envio de procuradores às Cortes, como em alturas de tomadas de decisões críticas, por vezes dando voz contra a Coroa. Isso mesmo vem lembrar o discurso de Marcello Caetano a que se refere o artigo citado, bem como o reconhecimento desse antigo Direito de Acção Popular pelo Estado Novo.
Se, na madrugada do dia 25 de Abril, as movimentações militares configuravam um simples golpe de estado, durante a manhã, com os apelos na rádio para as pessoas ficarem em casa a surtirem o efeito contrário, transformou-se numa acção popular, que já era, no Carmo. Ali estiveram, entre muitos outros patriotas, o Pepito e a Isabel, vivendo esperançosamente o seu tempo...
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