terça-feira, 28 de maio de 2024

A invejável resiliência do constitucionalista perante a violação


Tal como a mais velha profissão do mundo, a primordial ocupação de constitucionalista, a que vagam algumas almas penadas que assombram a esfera dos simples mortais pecadores, é marcada pela indisfarçável transaccionabilidade do ser, naturalmente sensível aos terrenos e humanos argumentos. Esta classe, deveras essencial à organização social, assenta, sobre os nobres alicerces de sua inabalável coerência, um durável edifício de firmes paredes, sustentadas pelo cimento de suas hirtas convicções, imunes à volatilidade das opiniões do vulgo e pintadas num padrão estético de ideais perenes, resistentes à lavagem dos elementos da natureza e mesmo à inevitável erosão da acção dos homens.

Ocupemo-nos, em particular, de uma sub-espécie, de nome científico bacilus gouveius, descrevendo brevemente seus modos de reprodução, hábitos e habitat: pode ser encontrado em situações em que a dúvida assola os espíritos, nomeadamente perante violações da ordem, geradoras de público escândalo, graças à sua grande adaptabilidade e capacidade mimética, camuflando-se à sombra de predadores para parasitar as sobras que lhes escorrem das mandíbulas, empastadas de dissolvente saliva, quando não vomitadas, mas que nem por isso lhes ocorrem como menos apetecíveis. Reproduzem-se por cooptação autocrática e arbitrária, em antros de academência, que aclamam como modelos pedagógicos.

Analisemos causal e pontualmente a flexibilidade ímpar do seu monólogo, referindo-se ao mesmo facto, em momentos separados pela duração de uma simples unidade curricular semestral, forma peculiar como esta variedade mede o tempo. Aquela que há seis meses era considerada decisão "inconstitucional, inválida e sem força jurídica" e mesmo sem "ponta por onde se pegue", considerando ser legítimo para a assembleia popular considerá-la "inexistente" e continuar em funções, culminando num pedido de revogação, transmutou-se, por obra e graça do seu espírito polivalente, numa solução a contento, prolongando o mandato e validando o acto, depois de inserta "certa coerência". Simplesmente invejável.

PS apenas por curiosidade, depois de referência truncada a suposto artigo 8º, revelador da sua ignorância e desmazelo, seria óptimo que, precisamente por uma questão de coerência pedagógica, o auto-proclamado especialista informasse seus alunos em que artigo se estriba para suportar a sua minuciosa preocupação com pretensos prazos, quando estranha "que ninguém tenha levado aos tribunais competentes a questão da dissolução do parlamento da Guiné-Bissau, antes de decorrido o período que estipula a Constituição". Como dizia certa Pessoa, "primeiro estranha-se, depois entranha-se". O período inventado pelo imoral moralista já teria prescrito. Deita os foguetes, faz a festa e apanha as canas.

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