Este artigo foi motivado pela reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas, ocorrida no passado dia 14 de Fevereiro, sobre a actual situação política na Guiné-Bissau.
Ainda antes de entrar no assunto, uma pequena nota, apontando a injustificada irresponsabilidade dos termos do discurso emanado da mais alta instância desta instituição internacional, optando pela desqualificação da retórica, uma arte outrora nobre, mas hoje sofrendo o prejuízo de uma forte conotação negativa, devido ao abuso que dela tem feito toda uma escumalha de políticos indecorosos, colocando-a ao serviço da mais boçal propaganda, da reles hipocrisia e da vulgar mentira.
A história é sem dúvida um grande armazém de lições, se bem que muito mal gerido. Quantos erros poderiam ter sido evitados? Quantas mortes? Quantos retrocessos? Não só na Guiné-Bissau, em Portugal... Enfim, no mundo inteiro. É lamentável ver políticos ignorantes e gananciosos, repetindo interminavelmente os mesmos erros, a ponto de desgastarem as teclas do piano. Não admira que este depois desafine, que proliferem os desacordos. O terrorismo não se combate com o terror.
Não precisava de atravessar o Atlântico para partilhar aquilo que quero dizer, pois o espírito poderia ser ilustrado recorrendo a Portugal, onde se passou exactamente a mesma coisa que no Uruguai, nesse início do Século XX. Quem leia a imprensa da época, muito antes do assassinato do Rei Dom Carlos & Filho, constatará que o facto foi prenunciado com antecedência, pela virulência do discurso maçónico e carbonário, escarrapachado sem pejo em letra de imprensa nos mais variados meios.
Efectivamente, muitos outros exemplos se poderiam encontrar, pois não foi apanágio exclusivo destes países, bem pelo contrário, este princípio de século foi fértil em tensões sociais, originadas nas profundas alterações sociais a que dera origem a revolução industrial e a recomposição do corpus social, com o advento do proletariado. Nesse âmbito, o caso mais flagrante foi sem dúvida o russo, cuja alma profundamente religiosa viria paradoxalmente a dar à luz o aborto soviético.
Mas então, por que razão a escolha do Uruguai? Para além das ligações afectivas lusas à colónia de Sacramento, Portugal pode considerar-se o grande patrocinador da independência uruguaia, pela conveniência do estabelecimento desse estado-tampão entre a Argentina e o Brasil, assegurando a navegação e o comércio (ou melhor, o contrabando, grande fonte de receitas) no Rio da Prata, pelo controlo da sua desembocadura, também muito cobiçada pelos ingleses.
A província Cisplatina, na margem esquerda do Rio que servia várias províncias brasileiras, foi assim anexada pouco antes da declaração de independência brasileira e incorporada no Reino Unido (de Portugal e do Brasil). Todavia, aos comerciantes ingleses que operavam na zona, não interessava nem a hegemonia espanhola (ou argentina) em ambas as margens, nem o expansionismo português. Assim nasceria o novo país, pouco mais de meia dúzia de anos depois.
Dom Pedro, passado de quarto a primeiro e já imperador, que se havia empenhado numa longa, desgastante e ingrata guerra, viu a sua popularidade cair em flecha e acabou por desistir da anexação em proveito do seu novo império (no entanto, mais pequeno que aquele que herdara). Porém, garantiria o essencial dos seus objectivos estratégicos, mantendo uma espécie de protectorado sobre o Uruguai, consagrando o direito de intervenção em caso de ingerência argentina.
O intervencionismo maçónico-britânico, motivado pelos seus interesses comerciais, visava a conquista de Montevideo, cidade considerada a chave do Rio da Prata, à imagem da estratégia empregue com Gibraltar, que controlava o tráfego naval no estreito. Contudo, o ferrenho nacionalismo dos gaúchos uruguaios do interior, transformou-se em matadouro para os ingleses. Foi por isso com alívio que o mediador inglês concluiu, em Agosto de 1828: «Colocámos algodão entre dois cristais».
Para não nos afastarmos do tema, resumiremos rapidamente a história do país ao longo do resto desse século XIX, como uma série quase ininterrupta de guerras civis, promovida por caudilhos terra-tenentes de grandes áreas dedicadas à exploração extensiva da pecuária, à produção de carne (salgada para conservação, antes do advento da tecnologia do frio) e de lã, ainda hoje a base da economia exportadora do país, por essa razão muito dependente da cotação dessas matérias.
Mas então, perguntará o leitor, qual a relação com a Guiné-Bissau? Há múltiplos pontos em comum. O Uruguai é um dos mais pequenos países do continente. Também a Guiné-Bissau está actualmente dependente, na quase totalidade (98%, segundo os últimos dados disponíveis) de uma única commodity, a castanha de cajú. Também na Guiné-Bissau os políticos não se entendem. Também aqui há sobretudo dois Partidos, se bem que um deles quase nunca tenha governado.
No Uruguai, no início do Século XX, havia dois Partidos, os Colorados e os Blancos, que traduzi (ilegitimamente). Talvez este seja um caso de daltonismo, pois estes últimos se poderiam chamar, com mais propriedade, de vermelhos, e não é por vos estar a falar por altura do dia de São Valentim, nem pelo sangue que correu, nem por serem índios (os quais foram quase todos exterminados). Os coloridos eram os donos do chão, os brancos sobretudo emigrantes chegados da Europa.
Com efeito, o Uruguai era, por essa altura, um país sub-povoado, visto como destino de excelência pelos emigrantes de uma Europa no extremo oposto, com alta densidade populacional. Se as motivações de muitos emigrantes eram de natureza económica, uma boa parte também o fazia por motivos políticos. Não apenas de forma negativa, como os exilados da Comuna de Paris, mas também por razões positivas, não tivesse Garibaldi, o pai da unidade italiana, por lá passado.
Garibaldi, depois de estanciar na província brasileira de Rio Grande do Sul, que sonhou declarar independente do Brasil, aí se encontrou e se juntou com a companheira da sua vida (passe o romantismo, atendendo à proximidade do dia dos namorados), filha de pescadores açorianos, mulher «divorciada» e exímia manejadora da espada a cavalo, que o iniciou na cultura gaúcha. Daí seguiu para o Uruguai, com a sua legião de voluntários de camisa vermelha e bandeira preta, aliando-se aos coloridos.
Tal como as arquivoltas deste artigo, a fazer-nos lembrar a «pescadinha de rabo na boca», ou o ditado guineense «volta di mundu i rabu di pumba», não nos devemos deixar confundir pelas aparentes contradições do mundo. O revolucionário, que chegou a Grão Mestre do Grande Oriente italiano, foi iniciado numa loja de Montevideo, dependente da Maçonaria irregular brasileira e, paradoxalmente, viria a oferecer os seus serviços militares ao Papa Pio IX, em 1846.
Para evitar mais circunvoluções, e não perder o fio que nos oriente (não, este Oriente não vem da loja nem da designação da República - Oriental - do Uruguai) pois Ariana não nos perdoaria, regressemos ao Século XX. Nô riba Plata (uma graçola bi-linguística luso-crioula com Ribatejo, que inclui ambas as margens do Tejo, aquilo que o Uruguai pretende esconjurar). Neste princípio de Século, havia duas facções antagónicas, do lado de cá do Rio da Prata. Conservadores e subversivos.
Os gaúchos, agarrados às suas tradições, ao seu modo de vida, à propriedade da terra, duramente defendida com o sangue dos seus filhos, são contestados pelos imigrados anarquizantes, chegados da Europa, fertilizados pelas novas ideias radicais e contaminados pela urgência da apropriação política. Contudo, estes últimos encontraram adversários à altura nos primeiros, educados por vários séculos de conflitos fronteiriços. As divergências iriam redundar em guerra aberta.
No entanto, o Uruguai teve a sorte de beneficiar de um líder à altura do desafio, que se chamava José. Que merece por isso o respeito do mundo, a título de paradigma de tolerância, sem por isso degenerar em indecisão ou tibieza. Em termos de Presidentes, o Uruguai teve recentemente como seu sucessor um outro José. Este, se mereceu o respeito global pela sua humildade e honestidade humana, ficando conhecido pelos seus exemplos anti-corrupção, por outro lado, não se pode gabar de tal performance.
Exactamente um século separa estes homónimos, Batlle e Mujica, na presidência do Uruguai. Chegámos então finalmente, depois de tantas considerações preliminares, ao prometido cerne da questão, os perigos da retórica inflamatória. Neste ponto recorreremos ao poder da palavra, que pode ser uma importante arma política, encarnando em especial na poesia. E desde já nos declaramos tributários de um magnífico estudo de Daniel Vidal, da FHUCE-UDELAR sobre a poesia anarquista no Uruguai.
Este autor apresenta-nos a evolução do poeta anarquista Ángel Falco (1885-1971), que na sua juventude havia apelado à violência, com um discurso internacionalista e anti-nacional. Porém, devido à benéfica influência de um líder carismático, o presidente José Batlle, evoluiu e acabou por transformar-se num bom e pacífico patriota. É essa lição que pretendo partilhar hoje aqui. Se queres a paz, prepara-te para a guerra. Mas a verdadeira batalha é a do Verbo encarnado.
Ainda antes de entrar no assunto (correndo o risco de me tornar irritante com tanto preâmbulo), que é a segunda presidência do nosso José (oriundo da casta presidencial, filho de Presidente e por isso Presidente-Rei, como Fernando Pessoa chamaria a Sidónio Pais, passados uns anos do desenrolar desta história) há que dizer que o Uruguai foi precursor em muita coisa, como a separação da igreja e os direitos da mulher, introduzindo o divórcio a simples pedido da mulher sem quaisquer formalidades.
Aconteceu isso por 1907. Enquanto na Europa ainda andavam a sonhar com os soldadinhos de chumbo do Napoleão e a ler um idiota alemão chamado Clausewitz que não percebia nada da poda (erro que conduziria a Europa ao estúpido massacre da sua juventude nas trincheiras, numa guerra estática), equipou o seu exército com metralhadoras, para lidar com uma rebelião de um líder branco que aparecera, eliminando-o sob uma saraivada de balas. Aparício Saraiva morreu em combate a 10/09/1904.
Mas José não humilhou os vencidos. Sabendo que, em qualquer circunstância, mais vale uma má paz que uma boa guerra, chamou os seus adversários, e deu-lhes a escolher entre duas opções: 1) continuavam a esticar a corda e a fazer o que andavam a fazer e matava-os a todos; 2) sentavam-se à mesa a negociar. Já sentados, perguntou-lhes o que queriam. Direitos dos trabalhadores? Sim, senhor. Jornada de oito horas? Sim, senhor. Divórcio? Sim, senhor. Educação gratuita? Sim, senhor.
Era isso que queriam? Parecia razoável. Até porque os seus apoiantes eram fazendeiros paternalistas das pampas e não capitalistas sem coração da cidade. Mas não só. O próprio Presidente vivia em plena ilegalidade, com uma mulher separada, para «escândalo» da sociedade. Vai daí, convidou os próprios vencidos a redigirem as leis que se propunham, mas bem feitas e sustentadas. A do divórcio (1907) levou dois anos a preparar, mas é considerada precursora em todo o mundo.
Voltando ao nosso Anjo da Morte. Em Junho de 1908, o matutino El Día publica uma magnífica caricatura de Ángel Falco, o poeta vermelho, que o mostrava vestido de preto, patilhas generosas, abundante bigode e farta juba, com duas bombas nas mãos, contendo cada uma o título de dois dos seus livros mais famosos, «Cânticos vermelhos» e «Vida que canta». O falcão assumira essa imagem, por exemplo num poema de 1905 no qual opunha à noite russa «a Aurora das bombas anarquistas».
O problema das palavras acaba por ser semelhante ao das bombas. Depois de serem lançadas, não é possível voltar atrás para recuperá-las. O mal está feito. No entanto, há uma profunda diferença entre as respectivas naturezas. O anarquista que lança uma bomba para o meio da multidão, procura o terror indiscriminado; o poeta procura convencer, e para isso aposta na vida do indivíduo e não na morte. Daniel Vidal sublinha o carácter antitético, neste caso, da passagem do escrito ao feito.
Ora já uma década antes, no mesmo diário, Batlle havia enfrentado esta questão, numa polémica lançada pelo então Ministro das Indústrias Eduardo Acevedo, no El Siglo de 8 de Dezembro de 1895, a que este respondeu no dia imediato, 9, voltando à carga dois dias depois. Interessante que se utilizem os termos de «inflacção retórica», para traduzir essa bombástica escalada, que parecia estar irresponsavelmente na moda. Era de temer que das palavras pudessem passar aos actos mas José não estava nem aí.
Por falar em bombas, o próprio Presidente seria vítima de um atentado, com um engenho explosivo composto por várias dezenas de cartuchos de dinamite, ao fim da tarde do dia 6 de Agosto de 1904, o qual explodiu (por precipitação do accionador) a poucos metros do coche que o transportava, com a esposa e dois filhos menores, escapando toda a família milagrosamente incólume. Ao susto dos seus o Presidente reagiu com uma grande calma, como se não fosse nada com ele.
Depois de tranquilizadas as crianças, dirigiu-se aos seus homens, pedindo para tratarem de o levar até à polícia, onde pretendia apresentar queixa. Nessa mesma noite, já perante o chefe interino da Polícia de Investigação Criminal, senhor Salvador Russo, responsabilizou-o pessoalmente não só pela vida dos ignobéis conspiradores, como também pela sua integridade física e moral, o que levou um artigo recente a sugerir que a síndrome de Estocolmo (1973) deveria antes receber o seu nome.
Acabou por se descobrir que os bombistas eram de duvidosa filiação, tendo recebido dinheiro para executar o diabólico plano. Os violentos activistas sofreram assim um rude golpe, ficando desacreditados, coisa que uma repressão cega não conseguiria, transformando-os em mártires. Vários foram os anarquistas que condenaram a tentativa de atentado, entre eles V. Garcia, que afirmou numa conferência que «seria incapaz de empunhar o punhal contra o mais liberal dos Presidentes».
Graças à sua coragem e determinação, o Presidente começou a ganhar o respeito dos seus próprios adversários anarquistas brancos (sobretudo italianos, um pouco à imagem dos sem abrigo, ou «descamisados» argentinos que Evita Péron perenizou) passando a notar-se uma inflexão no discurso destes, com uma maior contenção verbal, circulando a ideia de que se deveriam abster de usar «insultos grosseiros» e preferir uma linguagem «culta e razoável», chegando a auto-censurar-se.
Voltando a Daniel Vidal, este defende no artigo citado que a liberdade poética, implicando uma profusa liberalidade do palavreado, toma por escudo a metáfora. Pode mesmo servir para esconjurar um desfecho sangrento, verbalizando-o. Aparentemente, José Batlle compreendeu-o, mesmo conhecendo os riscos inerentes a uma semântica doutrinária que caía fora da alçada do bom senso. Daí ter tido a boa ideia de dividir as águas entre o escrito e o falado. Exemplar!
O chefe da polícia de Montevideo, Coronel Pereyra, foi instruído para ignorar pura e simplesmente as manifestações culturais, as declamações de poesia nos pontos de encontro anarquistas; mas, por outro lado, recebeu ordens precisas para fazer cumprir com a lei, e nesse contexto se dirigiu pessoalmente aos operários, numa manifestação realizada por ocasião do 1º de Maio: «Podem gritar todos os "vivas" que quiserem, no entanto, estão desde já terminantemente proibidos de gritar "morras"»!
O próprio Ángel Falco, que não tivera quaisquer problemas com a publicação dos seus «Cânticos vermelhos», onde escrevia «Povo, povo, que esperas? / Luta e mata e afoga aos teus senhores / no sangue de todos os teus martírios» acabaria detido no 1º de Maio de 1911, por ter publicamente classificado como «canalhesca» a intervenção policial contra alguns exaltados. Aquilo que pode passar por uma figura de estilo, por escrito, assume outro valor, quando dito de viva voz, alto e bom som.
Nem tudo pode ou deve ser posto no mesmo saco, em termos da instrumentalização bélica do verbo. A 22 desse mesmo mês de Maio, no contexto da convocação de uma Greve Geral, o propagandista Cândido Miguez apelou à queima de vagões dos caminhos de ferro, como em Barcelona; Carlos Casares disse que «abririam sulcos a dinamite nas ruas de Montevideo como o arado faz na terra» e Gregorio del Valle ameaçou «pisar a cabeça dos patrões como a reptéis venenosos». Todos acabariam presos.
Por outro lado, o Código Penal de 1889 prescrevia explicitamente que «quem ofender, de qualquer maneira que seja, com palavras ou com feitos, a honra, a rectidão, ou o simples decoro de uma pessoa, será castigado, ao arbítrio do Juiz, com prisão até seis meses, ou multa até seiscentos pesos». Há uma clara diferença de grau na pressão ideológica, quando se trata da incitação à violência e da passagem da ideia à açção: entre a leitura privada e a pública, entre o genérico e o pessoal.
Por isso é decerto preferível, o termo de activista cívico ao de militante partidário, o qual remete para uma linguagem militar. O activista age através da palavra. Obviamente aspira a conseguir extrair o máximo proveito possível para a sua palavra e as suas ideias, a convencer pelo debate. Mas só tem a perder em confundir-se com um militante, em tornar-se um fanático intolerante, como os exemplos que muitas vezes nos proporcionam os adeptos da bola quando envergam a camisola do seu clube.
Defende Daniel Vidal que «a conotação simbólica depende do contexto de emissão, o discurso poético e cultural neutraliza o insulto e a ameaça com o somnífero metafórico. Pelo contrário, a oratória política ou sindical potencia a sua virulência. A poesia fortalece as mentes, o discurso directo das ruas altera a ordem e a lei». Segundo Alberto Felde, no café Polo Bamba, «quando alguém produzia um discurso de RETÓRICA INCENDIÁRIA de praceta, valia-lhe por vezes a chegada da polícia e a prisão».
A retórica dos políticos guineenses, quando inflamada, excede por vezes os limites do bom senso. Mas a retórica da ONU não é melhor, pois é inoperante, estéril e vazia, sobretudo pela sua especial acutilância em ordem a países pequenos e aparentemente indefesos. Mas há que reconhecer que nunca na ONU se escreveu tão bem, como no passado dia 14 de Fevereiro: uma autêntica pérola, «instar os políticos guineenses a absterem-se de retórica inflamatória». A quem se endereçam?
Às facções em litígio, na aparentemente interminável crise política que mantém o país parado há quase dois anos? Aos dirigentes partidários que promovem o bloqueio das instituições? A Guiné-Bissau tem tudo a ganhar em olhar para o exemplo uruguaio de há pouco mais de um século atrás. Uma das batalhas de Batlle foi contra os governos inclusivos que herdara, pois achava que os membros que os integravam deveriam ser responsabilizados pelos seus actos e pelas suas omissões.
Mas, por outro lado, tudo fazia para fiscalizar os seus próprios partidários. Quando os seus adversários quiseram bloquear a sua legitimidade, chegou a dar instruções aos coloridos para votarem nos socialistas. O primeiro deputado destes, Emilio Frugoni, foi eleito dessa forma, como se pode ler num artigo postado no FaceBook. A sua curiosa engenharia eleitoral pode parecer contraditória, mas teve o seu sucesso. Muitos anarquistas seus adversários acabariam como diplomatas no exterior.
Acreditava que as maiorias legislativas deviam ser cuidadosamente passadas ao crivo e vigiadas, para conservarem a legitimidade obtida nas urnas; e ninguém melhor para isso que as minorias calejadas no pensamento e na acção. O próprio Eduardo Acevedo, já citado, perante a recusa do seu Partido em autorizar aos seus militantes participar da fórmula fiscalizadora, e aceitarem as bancas oferecidas, fez o elogio de Batlle, considerando-o como «o mais avançado da América Latina».
Hoje em dia, na América do Sul, o Uruguai é o país com o maior Índice de Desenvolvimento Humano, com a melhor qualidade de vida, com menos desigualdades sociais medidas pelo Índice de Gini e o maior PIB per capita e ainda, segundo a Transparência Internacional, classificado como o menos corrupto desse mesmo continente. O país é conhecido por ser pioneiro em medidas relacionadas com direitos civis e democratização da sociedade, como o divórcio e o direito de voto feminino.
Ultimamente, mantém intacto esse prestígio, tendo legalizado o cultivo, venda e o consumo de canábis, o que levou a revista britânica The Economist a classificar o Uruguai como o país do ano de 2013, pela promoção de «reformas inovadoras que não se limitam apenas a melhorar um país, mas que, se imitadas, poderiam beneficiar o mundo». A Reader's Digest também classificou o Uruguai como o nono país «mais habitável e verde» do mundo e o primeiro em toda a América.
A Guiné-Bissau tem condições para dar um grande salto para a frente. Os guineenses, que durante muito tempo mantiveram um impressionante nível de analfabetismo, foram alfanumerotizados em pouco tempo, graças à sua pioneira adesão às novas tecnologias da comunicação, aos telemóveis, à internet. Reconhecer os bons exemplos do Uruguai, o qual em tempos se encontrava em condições semelhantes de impasse político, de «retórica inflamatória» e à beira de um ataque de nervos, pode ser uma boa política.
A Guiné-Bissau teve o seu chefe de guerra com Amílcar Cabral, que lhe deu prestígio internacional. Precisa hoje de líderes de paz e tolerância à altura de José Batlle. Contribui tu também: quando vires a hipocrisia, a corrupção, a mediocridade, a intolerância, a inveja; combate-lhe com Batlle!
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