Fernando José Salgueiro Maia, heróico defensor de Guidage, sob intenso ataque do PAIGC, em Maio de 1973, já em Portugal, pouco antes da meia-noite do dia 24 de Abril do ano seguinte, depois de ter entrado em sublevação militar e de ter prendido o Comandante da sua unidade, a EPC (Escola Prática de Cavalaria, sedeada em Santarém), mandou reunir a parada e dirigiu-se aos seus soldados (que haveria de conduzir pouco depois à revolução), começando assim:
«Há todo o tipo de Estados. Há os Estados capitalistas, há os Estados comunistas, e há o Estado a que isto chegou!» Há os contra-exemplos, de Estados falhados como a Guiné-Bissau, que muitos insistem em denegrir como Narco-Estado. Em Itália, há mesmo um conflito latente eternamente por resolver entre o Estado e a Família («coisa nossa», diriam os italianos). Mas em Angola, excede-se qualquer tipologia, batendo mesmo pequenos Estados tribais, pois, depois de te ter passado pelo estádio de Estado soviético fracassado, rapidamente reconvertido em Petro-Estado, parece consolidar-se como Estado Família.
Num esclarecido artigo da imprensa de Houston, a jornalista Julie Lyons desmascara a fantasmagórica realidade angolana, e como a Sonangol foi usada para sonegar a riqueza mineral do país, a favor de uma pseudo-elite, com «boa apresentação» e «bem educada» nos piores ideais americanos de acumulação primitiva. Klieman, uma responsável norte-americana, representante das petrolíferas, tem a lata de se desculpar, perante a jornalista, com a seguinte tirada, bem representativa desse «estado» de espírito de conivência com um regime totalitário e corrupto: «Não estou convencida de que os princípios da elite angolana sejam muito diferentes dos nossos [americanos]; o problema fundamental é que os ricos não querem partilhar a sua riqueza com aqueles perante quem não sentem qualquer obrigação».
É que o capital de que se trata não foi conseguido com o suor do seu trabalho, ou sequer graças à perspicácia dos seus antepassados, mas com base na extorsão organizada, numa «sofisticada» engenharia de corrupção, a que os Estados Unidos da América durante muito tempo fecharam os olhos, atendendo aos seus interesses, precisamente à bolha de Houston (onde se situa o cérebro da indústria petrolífera angolana, que opera exclusivamente em off-shore), ou seja, à preferência «comercial» desde cedo demonstrada por José Eduardo dos Santos pelos americanos no ramo dos petróleos, em detrimento dos altivos franceses da Total.
Hoje, a bolha de Houston, que vivia do maná do petróleo angolano, e mantinha os filhos dessa pseudo-elite na sua universidade, está em pleno estouro. A frequência dos voos da Atlas Air (única ligação directa dos EUA com Luanda) passou entretanto de três (como refere a jornalista) para dois por semana, a que se vem somar o anúncio de um prejuízo record na sua operação... Os americanos começam a abrir os olhos, apesar do silêncio que, segundo a autora, foi hipócrita e deliberadamente projectado sobre a Angola para lá dos mediáticos sucessos empresariais de Isabel dos Santos ou do bilhete-postal da marginal de Luanda. Graças também ao mano Rafael Marques de Morais, que tem activamente promovido essa tomada de consciência, accionando a Justiça americana.
Ora Isabel dos Santos, concedeu há pouco tempo uma entrevista em inglês sobre o assunto, assumindo-se como legítima herdeira do império familiar. A língua escolhida para comunicar, mostra à evidência que está mais preocupada com as Relações Públicas exteriores que interiores, fazendo suspeitar de que se trata de conversa precisamente para «inglês ver» (neste caso, ouvir). Afirmava a gestora pública, para além da profecia (benéfica e benfazeja) de um hipotético aumento da cotação do petróleo a médio-prazo (atendendo ao desinvestimento), o «milagre» de que consegue produzir petróleo a uma dúzia de dólares o barril (será mesmo!? ou está apostada em convencer o mundo da sua viabilidade económica?).
Se, até agora, não passava de uma «simples» empresária apenas movida pelo lucro (ingenuamente beneficiária dos fundos providenciados pelo papá), as coisas mudaram, e mergulhou de cabeça no mundo político. Responde agora perante o povo angolano (e talvez a decisão já devesse ter sido tomada há muito tempo, ainda em tempo de vacas gordas, mas isso é outra questão). Por isso, talvez fosse bom, a bem da boa fé, que explicasse o que pensa fazer em relação às contas de 2012 e 2013, quando os custos de «produção» chegaram a atingir uns astronómicos $85 por barril. As contas são simples, com base nas suas declarações: 85-12=73. São seis vezes mais! A simples explicação de uma gestão perdulária em tempos de «vacas gordas» não satisfaz.
Em Angola, não se trata de uma elite, mas de uma anti-elite, que usa o dinheiro (fácil e mal adquirido) para humilhar e rebaixar o próximo, desenvolvendo, para encobrir os seus próprios complexos de inferioridade, um discurso de pretensa superioridade. Inteiramente parasitas, tornam o «ambiente de negócios» altamente imprevisível, tal como reconhecem os poucos responsáveis da «bolha» que aceitaram responder à jornalista. Ou seja, para qualquer verdadeiro empresário ou intenção de investimento, torna-se exigível um prémio de risco, para cobrir as muitas incertezas. Resistirá a bolha ao downsizing, ao «desinvestimento» de que a própria Isabel dos Santos falava?
O único argumento da nova Direcção da Sonangol, parece ser a assumpção da continuidade política da Família. Uma grande responsabilidade, mesmo atendendo ao potencial estratégico até agora demonstrado, com os efeitos já visíveis da Purga efectuada na estrutura, livrando-a de «pesos mortos». A quem se interessa pela realidade angolana, recomenda-se vivamente a leitura do artigo em questão, «A Angola que as companhias petrolíferas não querem que seja vista».
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