Quarenta? Ena! Já passaram quatro décadas desde o êxodo massivo dos portugueses de Angola, num processo traumático para ambas as partes. Nem quero recordar, para não transformar esta reflexão em processo...
Depois de ter conseguido, valorizando a sua ligação com Portugal, um crescimento económico razoável, mesmo se muito desequilibrado e extremamente dependente do petróleo, o regime angolano parece agora empenhado em dar um tiro no pé, destruindo o seu único contributo real para o desenvolvimento, que consistia precisamente nesse clima de confiança.
As relações com Portugal, sempre «estrategicamente» encaradas por Luanda de um ponto de vista de superioridade (aproveitando a fraqueza congénita do seu regime democrático, bem como a mediocridade e corruptibilidade da sua classe política), redundaram em vergonhosos episódios absolutamente indignos, culminando num aval estatal cancelado por Decreto, precisamente quando este era essencial para a manutenção de um grupo empresarial português multi-secular (e com José Eduardo dos Santos ainda a mamar o leite das vacas gordas).
Confrontado com a crise monetária, o regime tenta agora, como parecia previsível, sacudir a água do capote, lavando as mãos das suas próprias responsabilidades de má gestão (estou a ser simpático, para não bater muito no ceguinho). E quem se prepara para pagar as favas? O alvo que está à mão, eternos bodes expiatórios: os tugas. Como muitos traduzem: «de bestiais, passaram a bestas». Surgem denúncias de condições infra-humanas em mão-de-obra portuguesa da construção civil (agora desocupada com o cancelamento dos contratos estatais e com salários em atraso)...
Pior: na sua inconsistência e incapacidade governativa, anunciam menos de 10% de inflacção no OGE, mas admitem aumentar os combustíveis para o dobro; introduzem quotas de importação e depois acusam «ingenuamente» os comerciantes de especulação, mesmo sabendo que os preços do dólar dispararam no mercado informal. A negação da realidade, por parte do regime, que parece querer fazer o tempo andar para trás, só poderá tornar-se cada vez mais devastadora, à medida que o discurso se afasta da realidade.
A nova taxa de transferência de divisas (à exportação, presuma-se) é o mais recente e «brilhante» exemplo da maquiavélica e perigosa campanha de José Eduardo dos Santos contra a sua própria herança, cujo lema parece ser «depois de mim, o caos». A quem afecta a medida? Imagine-se o dilema de um comerciante português que importa produtos portugueses: mesmo admitindo que poderá aceder a dólares à taxa oficial (o que não é garantido, dado o poder discricionário agora concedido à banca em «articulação» com as autoridades - além disso terão tendência a «associar» aquisição de dívida interna como contra-partida, para se livrarem do papel tóxico): terá de encarecer o seu preço final, aplicando a sua margem sobre esta nova componente de custo: para o cenário avançado, de cerca de um sexto (15 a 18%), isso induzirá uma «nova» inflação, de pelo menos um quarto (calculando a uma margem de lucro de 50%), ou seja, um acréscimo de inflacção nos seus produtos de 25%. No entanto, não acaba aqui. O referido comerciante «anda lá fora a lutar pela vida», mas o seu objectivo é mandar o dinheiro para Portugal. Ou seja, para isso, terá de pagar novamente tributo. O que vem onerar o preço em pelo menos outro tanto. Além disso, a medida volta a reduzir a já afectada convertibilidade do Kwanza (a S&P não vai gostar, e decerto falará disso quando voltar a baixar o rating), estimulando, em contra-partida, o mercado informal, para não falar de mais corrupção, em cascata.
Em economia, os efeitos vivem-se por antecipação. Não se pode levar a mal a um empresário que, face a notícias destas, actualize instantaneamente os seus preços: pois a reposição dos produtos na prateleira vai ficar-lhe muito mais cara, além disso, está a ver a vida a andar para trás e os tempos são de incerteza. A incerteza, como todos sabem, não é propriamente o ambiente preferido dos empresários, por isso estes terão tendência a proteger-se, introduzindo uma componente psicológica no preço, a título de prémio. Ou seja, revela-se pouco inteligente o anúncio desta medida, pois mesmo não considerando outros factores, é suficiente para introduzir imediatamente uma inflacção esperada nos produtos importados de mais de 60%, fazendo as contas por baixo. A «plasticidade» do comerciante português será decerto uma vantagem, face à pressão social que o regime parece querer virar contra ele.
Para o cidadão angolano verdadeiramente responsável e patriota, bem como para a oposição, deve constituir um ponto de honra, não embarcar nestas cabalas, protegendo etica e moralmente os comerciantes e empresários desta desesperada ofensiva do regime, apostada na diabolização do lucro, como forma de manipular as mentes dos angolanos e desviar as atenções da inevitável mudança que se impõe. Todos terão o seu lugar, numa Angola a repensar e essa será prova de verdadeira maturidade. A ponto de uma transição pacífica poder contribuir para repor os níveis de confiança (já desimpedida a nação da corja de parasitas que, para além de sugarem a seiva do país, ainda cospem na sopa do povo) monetários.
Que ninguem caia na tentação de chamar «RETORNADO», ao êxodo que se adivinha.
ResponderEliminarPorque será mais um insulto aos verdadeiros RETORNADOS, a quem fez uma vida honesta numa terra que tratou como sua, e foi expulso dessa terra.