sábado, 15 de novembro de 2014

O ouriço eriça-se

Depois de o regime se ter «blindado» em 2010, nomeando José Eduardo dos Santos ditador vitalício (diga-se que a UNITA abandonou a Assembleia em protesto e boicotou o voto), a «democracia» finou-se, como afirmou, por essa altura, ao DN, o porta-voz da UNITA, Alcides Alfredo Sakala: «a nova Constituição representa a morte da nossa democracia».

Na sequência do premonitório discurso mantido em Lisboa (precisamente quando estalou o levantamento popular no Burkina Faso, que varreu o Presidente), o líder da UNITA foi ontem fortemente criticado por duas figuras da brigada cinética (cuja obediência canina ao imobilismo do status ku se sentiu ofendida pelas declarações), acusando-o de «apelo à rebelião» (sugerindo, profilaticamente, a utilização da arma secreta do regime, os jacarés).

Uma dessas figuras é João Pinto, a quem a UNITA pagou os estudos, mas que se transformou no fiel guardião do regime de José Eduardo dos Santos. No entanto, para propagandista, não só é de reles qualidade, desmerecendo a nobreza da retórica, como, para além disso, sofre de uma desprezível e inconsistente convicção de superioridade intelectual.

No seu afectado e raivoso libelo de acusação contra o líder da UNITA, veja-se como este se apresenta:

«Curiosamente profissionalmente faço hermêutica jurídica e ensino Ciência Política e Direito Público, por ter estudado aturadamente o Direito, História, Ciência Política e Filosofia Política»

Orlando Castro, na sua reacção, brinda-o com uma série de mimos colocando em relevo essa faceta da opinião desproporcionada que o senhor alimenta em relação a si próprio.

«João Pinto, jurista e deputado do MPLA (entre outras impolutas características) (...) o deputado (entre outras glorificantes funções panegíricas) (...) o (entre outras funções delegadas pelo “querido líder”) jurista (...) o deputado (entre outras fenomenais e igualmente divinas qualidades doadas pelo “escolhido de Deus”).»

Mas isso não é novo: no ano passado, falando no programa “Angola Fala Só” fez uma defesa cerrada do governo angolano avisando mesmo um ouvinte, em directo, de que poderia estar a violar as leis de segurança nacional! A paranóia securitária e repressiva do regime, no seu revestimento legal e relacionamento público, é a principal preocupação deste advogado do diabo que, no seu pedantismo, pretendeu utilizar um provérbio umbundu: «quem não sofreu, não tem maturidade». Transcrevo um comentário esclarecedor, de Alcibíades Kopumi:

«João Pinto és maníaco em pensar que sabes tudo!

Seria uma atitude sensata não alimentares esta ilusão e reconheceres que em muitos domínios, incluindo nos do Direito, Ciências Políticas, História, só para citar estes, tens limites. Partes mal quando destorces, tanto na grafia, como no significado, o provérbio Umbundu, língua do grupo Étnico-lingüístico ao qual pertenço. De resto, um mau começo dita inexoravelmente o fim infeliz, tal é o teu texto que a boa moda do "João Pintismo" limita-se a citações ou transcrições e, não elucida nada.

O Umbundu é uma Língua que tem a sua gramática. Sinto-me revoltado quando alguém tenta ultrajar a minha língua, tanto falada como escrita, como é o teu caso. "Kamuilē ongongo, ka kolēlē", quer dizer: "Quem não sofreu não tem maturidade". Tu não tens maturidade para falar sobre Angola, pois FRAUDULENTAMENTE fugiste à tropa e rumaste para Portugal.

Em Umbundu, a consoante (C) pronuncia-se (Ché), logo, ao iniciares com (C) a palavra Kamuilē que é a forma negativa do verbo Okumõlã (ver, sentir), na terceira pessoa do singular, bem como a palavra ka kolēlē, sem os acentos, mereces um O (Esala). Aprende, ou então faz algo bem melhor: CALA-TE!
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Ora é precisamente isso que está em causa: depois de tanto sofrimento, não estará o povo angolano maduro para tomar em mãos o seu destino? Talvez agora se possam compreender as palavras de despedida de Lopo do Nascimento, que motivaram uma imensa ovação por parte da oposição “a nação não é de nenhum partido, é obra de todos e pertence a todos”.

Por falar em Direito, porque se esquecerá João Pinto, muito a propósito, do direito de manifestação pacífica, constitucionalmente consagrado e superior às leis que invoca? José Eduardo dos Santos é incontestavelmente o único detentor da «violência» no país... Ao precipitar-se assim a mostrar a sua bateria jurídica defensiva, está apenas a enfiar a carapuça, numa reacção desproporcionada e reveladora de (justificados?) receios. Qualquer dia, até o simples acto de respirar pode ser considerado atentatório da segurança do Estado! Esse é um sintoma que não engana, no diagnóstico de uma doença terminal.

Adivinha: Como se apanha um ouriço sem utilizar violência? Fazendo-lhe cócegas com uma palhilha.

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