A atitude do governo e diplomacia de Portugal em relação à Guiné-Bissau, atingiu ontem um pico de ligeireza e má fé. Numa cimeira da União Africana, amesquinharam a CEDEAO chamando-lhes «um grupo de países das imediações», propondo alargar a ECOMIB à CPLP (falam despudoradamente de uma posição da CPLP que se desconhece onde e quando foi assumida e sem sequer referir a própria organização anfitriã, a UA). Trata-se de uma tentativa tardia e desinformada para converter a maior derrota da sua política externa dos últimos anos em algo parecido com uma desforra: qualquer pequena «capitalização» lhes serviria de compensação para a grande carga de esforços ingratos que despenderam ao longo de dois anos, tentando obstruir o processo de transição.
A Guiné-Bissau está acima de qualquer compromisso que tenham assumido, deverão doravante evitar alinhar com estas estratégias... Correndo o risco de me repetir, quem quer ser governante de um país militarmente ocupado? O país que «aceitaram» e receberam, depois de terem concorrido às eleições é um país na sua integridade, esperando-se que a força que veio para garantir o processo de transição retorne a casa com o sentimento do dever cumprido e não que seja reforçada por mais forças, criando um foco de instabilidade e de desinteligências entre várias organizações, em prejuízo da soberania e do povo da Guiné-Bissau. Pensar pelas próprias cabeças, andar pelos próprios pés... Qualquer outra via estarão definitivamente a conspurcar o nome de Amílcar Cabral, que usaram na campanha.
A África que querem impor em Malabo, com a ajuda de meia dúzia de governantes corruptos, desenraizados, provincianos e sem identidade do governo português (os quais de forma alguma se pode pensar que representam Portugal, o seu povo ou aspirações reais), é a África dos ditadores, um modelo de estabilidade política musculada para exploração dos recursos naturais a favor de uma pequena «elite» de beneficiados e em detrimento do desenvolvimento real da população. A CPLP, que poderia estar na linha da frente na reinvenção de novos modelos económicos glocais, está transformada num joguete local, entregue a palhaços mandatados por José Eduardo dos Santos, numa agonia sem fim à vista, que tem sido, aliás, muito criticada por Xanana Gusmão, nas suas alocuções sobre o assunto.
Quanto ao Ministro da Defesa de Cabo Verde, que acompanhava o Presidente deste país na tomada de posse do novo Presidente eleito, alinhou pelo mesmo diapasão, deixando a claro a existência deste «eixo do mal», a concertação entre estes três países para uma «intervenção militar», apoiando-se agora nas novas autoridades eleitas, mas sem paciência para esperarem que sejam elas a solicitar o seu apoio. E o apoio que pretendem prestar vai sempre dar ao mesmo: a reforma da defesa, que pretendem insistente e forçosamente apoiar com soldados seus e com dinheiro angolano. No entanto, as suas declarações caem mal, porque, como nos têm habituado os dirigentes cabo verdeanos, são pautadas pelo seu complexo de «superioridade» em relação à Guiné-Bissau: insinuar que as Forças Armadas guineenses não são credíveis é uma brincadeira! São tão credíveis que dissuadiram Portugal de se intrometer, há dois anos... então o senhor ministro quer mandar homens que nunca ouviram um tiro ensinar aos guineenses a arte da guerra? Logo os cabo verdeanos, cuja independência mal desejada foi obtida à boleia dos combatentes guineenses? (exceptuo algumas honrosas e dignas excepções, como Osvaldo Lopes da Silva)