quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Fraternidade

Tenho a dizer (ou talvez devesse dizer lamentar) que, embora em geral alheio à Guiné, conheço pessoalmente as duas vítimas de espancamento dos últimos dias.

O Silvestre Alves conheci em Lisboa, no ano de 1998... Na altura, apresentou-se nas reuniões da Diáspora como representante pessoal de Ansumane, primando por uma actuação bastante auto-centrada. Ainda me lembro de o ter visitado, em Bissau, no ano de 2001, infelizmente após um outro espancamento (julgo que também por intrigas políticas) numa discoteca.

Com Iancuba, acompanhei a conversão ao Islão, chegando a discutir, ainda me lembro (com o Mamadu), o abandono do álcool como questão teológica... Aparentemente, a adesão ao monoteísmo não o terá tornado mais tolerante (isto não implica qualquer consideração contra essa religião, em muitos aspectos bem mais tolerante que a católica, que é a minha).

Julgo despropositada, indecorosa (e contraproducente) a forma como ambos foram tratados. Aos dois o sincero desejo de um rápido restabelecimento.

Instigação da violência

Lamentável.

Aparentemente, poderosas forças de destabilização estão em jogo.

A teoria da conspiração em curso, quer fazer crer, recorrendo a artificiosas lembranças da guerra colonial (quando os felupes derrotaram realmente uma coluna do exército português com arcos e flechas), que há uma guerra de foro tribal. Simples constatação étnica de mortes anunciadas no Simão Mendes.

Sim, os felupes são calmos, de uma fidelidade a toda a prova, por isso eram etnicamente preferidos pelos colonos para o convívio intra-muros. Mas a teoria apresentada não tem pernas para andar, porque o capitão que supostamente os comandava era balanta, ou estaria simplesmente disfarçado de inimigo?

Os felupes não pedem guerra a ninguém: mesmo etnicamente preteridos (para não dizer ofendidos), é uma população evoluída (peço desculpa pela «forma» colonial), toda fala crioulo (tão bem como os «guineenses» de gema), e, para além disso, a maior parte chama-se Silva, como o Presidente de Portugal.

Tal como muitos povos africanos, não têm a culpa que as suas fronteiras tenham sido traçadas a régua e compasso, noutro continente. Bem sei que me senti bem em território colonial francês, como quando tomei banho frente a Cassine; mas lamento a contra-partida, Ziguinchor.

7ze chora Ziguinchor? Não. Prefiro de longe o chão Balanta. Verdadeiro, genuíno. Falso, traiçoeiro, também. É sempre difícil conviver com a liberdade do outro. Já Cabral distinguia a horizontalidade balanta da verticalidade fula (esses, como sempre, na retranca, do lado do poder instituído)...

Tagma era respeitado em São Domingos e Varela. À bruta, mas era; além disso, tinha legitimidade. Não queiram pois, quem quer que seja que ordena estas «políticas», atiçar rastilhos, num contexto «pós-colonial», porque o felupe é (isto é, claro, um elogio) homem de uma vida inteira.

Quanto aos diolas (les mêmes): jamais (jamé, em francês) se deixem intoxicar por caciques locais... a guerrilha em casa (mansa, porque violenta chateia) cansa: nunca seria razão para chatear os donos do chão. Feel up! Não se passa nada. Isso é o que pretendem os intoxicadores: vão engolir o anzol?

A paz é mansa. Não queiram guerra com aqueles que apenas com arco e flecha fazem frente a metralhadoras! Melhor que isso, no mundo inteiro, só guerrilheiro balanta na defesa do seu chão. A paz é boa, nada de kansá-la com despropósitos. E eu não mendigo!

Um óptimo professor da minha faculdade (mesmo se eu não era dessas áreas) é o Prof Doutor Costa Dias, que tem um conhecimento aprofundado destas questões: não estará na altura de um jornalista esperto o abordar com meia dúzia de perguntas inteligentes (deixem estar que ele faz o resto)?

Estou céptico: consegui disfarçar bem a minha preocupação? Ninguém lucra realmente com esta intriga, a não ser os mesquinhos que por incúria se acoitam nas Necessidades, mais os seus amantes sub-tropicais, cuja infeliz história talvez tenham tornado insensíveis à vida.

Quem faz a guerra dentro para agradar aos de fora? Como diria o cúmulo (perdão, o Kumba), estamos todos condenados a viver juntos: quem quer salpicos de sangue na roupa e/ou na consciência? Já ouvi dizer a entendidos que são mais ou menos indeléveis.

Vamos acordar um por um?*

*Bela expressão guineense face aos (crónicos) tempos de instabilidade: se o primeiro que acordar, acordar o outro, quer dizer que não houve crise durante a noite; que mais pode um homem pedir, face ao omnipotente, senão um dia de cada vez?

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Enxovalhanço da bandeira

Bem sei que me acusam de não explicar bem os contextos e de isto ser só para entendidos... Ok, mas isso é uma crítica de tugas. Não me apetece explicar nada. Aviso que isto tem apenas a ver com a realidade guineense, infelizmente, hoje, sob ameaça de um infeliz candidato a ditador com origem portuguesa.

A bandeira nacional de Portugal foi triste, mas merecidamente, enxovalhada, em Bissau. Sim, porque a bandeira é um símbolo físico, uma imagem actual, não uma herança estrutural, como o português. É o coroar da triste orientação externa deste governo, já desgovernado em negócios estrangeiros desde a Líbia...

O lamentável inspirador desta política de atrofio, Paulo Portas, só e pretensamente orgulhoso, foi aparentemente conivente em mais uma manobra recente (esta semana) de Angola para ocupar militarmente a Guiné-Bissau, numa (portanto inimaginável) operação aero-transportada em aviões pesados Ilyushin?

Para isso era necessário tomar conta do perímetro de Bissalanca, garantindo a aterragem dos blindados da testa de ponte da CPLP, ONU ou qualquer coisa que se inventasse a seguir, sempre muito baseado na retórica da reposição da legitimidade (fica sempre benzoca, claro, Catarina).

Sem qualquer consideração pelas consequências dos seus actos, fizeram avançar um peão (por isso é vendida a «contra-história» no Ditadura) a quem fizeram acreditar na sua «beleza» e super-potência (claro que há comunicação entre actores mas isso não garante argumento sólido a qualquer ficção!).

Já agora, as declarações emanadas das Necessidades, segundo o insuspeito Aly, são perfeitamente histéricas, inconsistentes e «à coté de la plaque»: depois de recusar laconicamente qualquer comentário, sobre o seu envolvimento no caso, vêm desmentir o «estatuto» de exilado político do bicho?

Então não reconhecem o assunto mas discutem-lhe os meandros? Sim, o implicado não era simples refugiado, era pior: tratado com especial deferência, senão mesmo acarinhado, pela hierarquia; um bom peão para avançar na altura certa. O exército português não sangra, gangrena.

Reconhecem portanto, que, mais que um simples refugiado político, teve formação e «inspiração» militar em Portugal... Tinha, como muito mais gente, o número de telemóvel do CEMGFA. Toda esta situação faz-me estranhamente lembrar do provérbio «vira-se o feitiço contra o feiticeiro».

Depois de algum tempo de ausência, aderindo ao impasse, um abraço grande ao Didinho, ao Doka, à Titina, ao Filomeno, e a todos em geral, mas um em especial ao irmão de Gabu, Sancho Fula, de quem não resisto a citar a poesia:

«Bo purdan. Ma ê cuça di squirbi na criol i cuça di brincadera di Didi.
Língua câ tem duno.
Bu pudi raiba cu políticus di Portugal. Ma língua ca tem culpa. Língua e ca di çels.

Português i di nos tudo.»

Que calor na alma.

Saudades & Mantenhas di ermondade